São Paulo, 13/10/2003 (Agência Brasil - ABr) - "Tenho uma profunda convicção, que a única prioridade absoluta, que deveria estar na mente de todos nós, é o ser humano. Ser humano como prioridade absoluta. Enquanto uma pessoa morre de fome de quatro em quatro segundos no mundo, outras coisas não têm sentido", disse o escritor português e Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago.
Segundo Saramago, que participou da abertura do Primeiro Congresso Internacional de Educação, cada vez há mais coisas para saber, e cada vez mais há menos condições para ter esse conhecimento. "O saber concentrou-se numa minoria, numa elite, com uma massa cada vez maior de ignorantes, ignorantes que sabem ler e sabem escrever". No Brasil, disse o escritor, há uma consciência desses problemas e "isso já é meio caminho andado".
O problema do analfabetismo no Brasil não é diferente do restante do mundo, considerou Saramago, alertando no entanto que existe outro problema mais grave que o analfabetismo: a falsa impressão de que o programa de alfabetização será suficiente para se entrar com capacidade no mercado de trabalho. "Saber a ler e escrever o nome, não é suficiente. Em termos estatísticos, qualquer país que aplicar o programa de alfabetização poderá dizer com o tempo que toda a população está alfabetizada. Mas ao ver o que isso significa, vamos encontrar surpresas terríveis", disse.
A respeito do momento político no Brasil, Saramago comentou que "algo mudou positivamente no Brasil", com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. "Mas não se pode analisar imediatamente tudo aquilo que foi prometido. O Brasil não é um planeta que possa resolver seus problemas isoladamente, já que faz parte da comunidade internacional", afirmou.
"Não cabe a um homem salvar o país. Apesar disso, enquanto presidente, o Lula não salvará o Brasil, se o Brasil não quiser ser salvo".
José Saramago entende que a democracia é muito mais que o direito da população em eleger esse ou aquele candidato. "A democracia verdadeira seria algo em que a população participa diretamente na vida de seu país, representando o resultado da manifestação da vontade da maioria das pessoas", afirmou.
Para o escritor, "os governos se transformaram em comissários políticos do poder econômico. E o poder econômico é quem decide as nossas vidas, e com objetivos claros que são sempre os mesmos: o lucro".
José Saramago disse que na Europa, atualmente, a esquerda vem apresentando uma tendência muito clara para à direita. "Os regimes de esquerda vivem com muita dificuldade. Toda a viagem ideológica dos partidos socialistas na Europa foi em direção ao centro. Quem se aproxima do centro, se aproxima da direita", disse. Segundo o escritor, atualmente a esquerda na América no fundo é social democrática. "O que ocorre hoje na Venezuela é um caso a parte. É um exemplo mais flagrante de uma luta de classes. De um lado os que têm algo a perder, os ricos, e de outro lado os pobres. A esquerda está atravessando um deserto e é melhor que se tenha consciência disso. As idéias de ontem não servem para hoje, o mundo mudou. Hoje, a batalha mais importante é pelos direitos humanos, e essa luta não deve ser nem de esquerda nem de direita".
Sobre as críticas que têm feito ao governo cubano, Saramago declarou que "não rompeu com o povo cubano". E fez questão de manter o direito de dizer o que pensa do governo de Fidel Castro.
O próximo livro de José Saramago será um ensaio sobre a lucidez, mas ele só adiantou que deverá estar pronto em janeiro ou fevereiro de 2004, com lançamento previsto para abril. O escritor que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1998, participa amanhã à noite, do Café Filosófico na Livraria Cultura, na Avenida Paulista.