Brasil amplia sua órbita espacial

10/10/2003 - 15h15

C&T - Depois do acidente com o foguete VLS-1, muda o cenário do programa de desenvolvimento de satélites do Inpe?

Miranda - Os principais programas de satélites do Inpe não foram afetados, a não ser o programa de satélite científico, que é o único que está atrelado ao VLS. O programa mais importante que a gente tem é um satélite de sensoriamento remoto de 1,5 tonelada, com a China, o Cbers. O equipamento será lançado, entre 15 e 25 de outubro, da China. Não o foi antes porque a base tinha uma fila grande de espera, com outros satélites. Ou seja, ele irá de um lançador chinês já validado. Nesse sentido, o acidente com o VLS-1 não prejudica, nem tem grande impacto sobre nosso programa de satélites. Mas, obviamente, o ideal era dispormos de um lançador nacional que nos permitiria dar outro ritmo ao nosso programa espacial.

C&T - E o satélite científico que o foguete levaria?

Miranda - O satélite destruído com o foguete era um artefato muito barato, era um satélite tecnológico que levava apenas um GPS para acompanhar a trajetória do VLS. Não foi uma perda significativa. A perda significativa, sim, foi a de vidas humanas no acidente.

C&T - Nem no caso dos outros dois foguetes perdidos em 97 e em 99, houve perda material significativa?

Miranda - Não, porque sempre foram cargas tecnológicas simples. No processo de validação do VLS, a carga útil acoplada é sempre um satélite pequeno para testar algum dispositivo, que pode ser um transmissor, um GPS ou algo assim. Esse que se destruiu em agosto, por exemplo, era para validar a órbita do foguete.

C&T - Há planos de continuar desenvolvendo satélites de coleta de dados?

Miranda - Nós temos o SCD-1 e o SCD-2. O SCD-1 já tem 10 anos em órbita, mas ainda nos atende. E temos o Cbers-1. Os dois SCDs são de órbita equatorial e o Cbers polar. Em todos eles temos um transponder para assegurar a manutenção e operação do sistema de coleta de dados.

C&T - Os dados enviados por estes satélites são suficientes dentro da demanda?

Miranda - Por enquanto sim. No Brasil, são 600 plataformas hidrometeorológicas, meteorológicas e de qualidade de água. A metade é do primeiro tipo, ou seja, estão medindo dados de vazão de bacias, nível de rios e de represas, dentro dos parâmetros meteorológicos. Os maiores usuários, assim, são a Agência Nacional de Águas (Ana) e o setor elétrico. Outro usuário são os setores estaduais de meteorologia, que usam as estações meteorológicas. E nós do Inpe também usamos dados para o programa de previsão de tempo. Fora isso, há as bóias oceânicas, num total de 15, que ficam à deriva. O Inpe participa ainda, junto com uma empresa francesa, do programa Argos, pelo qual coletamos dados de 700 plataformas peruanas que estão instaladas nos barcos pesqueiros. É a maneira como o governo peruano fiscaliza sua frota pesqueira, se estão respeitando o período do defeso, o plano de zoneamento da pesca.

C&T - Há projetos para desenvolvimento de outros satélites?

Miranda - Temos planos para construir dois satélites de sensoriamento remoto. Um deles, isso não está definido ainda, deve ser o SSR-1, Satélite de Sensoriamento Remoto 1. O outro será um satélite de radar porque é uma responsabilidade nossa o monitoramento do desmatamento da Amazônia. O de radar é um imageador ativo, ou seja, manda um sinal e volta, e esse sinal passa por qualquer obstáculo, inclusive chuva e nuvem. Quer dizer, não depende de reflexão de sol. É uma satélite que opera de dia, de noite.

C&T - Esses projetos têm previsão de começar quando?

Miranda - São projetos que estamos incluindo no próximo PPA. Esse imageador-radar é a maior necessidade que temos. E, possivelmente, incluíremos o SSR-1, que teria um imageador ótico. A proposta inicial era a de que fosse um imageador amazônico, para isso voaria em órbita equatorial, sobre a Amazônia, para detecção de focos de incêndio e desmatamento, e isso implicará numa revisita constante. O satélite passaria a cada 1h20 no mesmo local. Mas, em sendo ótico, teria o problema de cobertura, principalmente por causa de nuvens. Ou seja, haveria épocas do ano em que o imageamento ficaria comprometido. Mas há também a possibilidade desse segundo satélite que vamos desenvolver no futuro próximo ser destinado a uma missão polar, com uma réplica do imageador que temos no Cbers, de campo largo, cobrindo uma área de 900 quilômetros de largura e resolução de 140 metros. Esse satélite seria desenvolvido em parceria com a Argentina, com participação de engenheiros nossos, para monitoramento de safra. Então, é uma segunda opção, deixaríamos a missão amazônica, que seria imageada pelo radar, que é mais seguro, toda vez que o satélite passar, haverá imagem. E usaria o ótico também em órbita polar, que serviria à Argentina e a nós também, para vermos nosso território e, além disso, o resto do mundo, acompanhando como nossos competidores estão indo com a safra.

C&T - Esses satélites envolvem recursos de que ordem?

Miranda - O satélite em parceria com a Argentina teria financiamento do Bid, portanto, não haveria desembolso. E o outro, o da missão amazônica, envolve algo em torno de R$ 40 milhões.

C&T - Qual o cronograma para esses satélites, caso o recurso seja aprovado?

Miranda - O lançamento seria algo para depois de 2007. O próprio Cbers-3 tem previsão de ser lançado no final de 2007, ou no início de 2008. O imageador do SSR-1 é uma réplica do imageador do Cbers, daí que quando fizermos a encomenda, já será para os dois. Por isso, temos várias opções no caso do lançamento. Se o acordo com a Ucrânia funcionar bem, o SSR poderia ser lançado pelo Cyclone ou poderia pegar uma carona com o Cbers-3, porque é um satélite pequeno, iria dentro da chamada plataforma multimissão. É um satélite de menos de 180 quilos. A programação para o radar seria para o final de 2008 ou início de 2009 e não definimos de que lançador, vai depender muito das iniciativas da agência (Agência Espacial Brasileira - AEB), com relação aos acordos com a Ucrânia e, eventualmente, com a Rússia, para usar foguetes russos ou até mesmo o próprio VLS. E ainda temos previsão de mandar ao espaço o Cbers-4 em 2009.

C&T - Seriam quatro satélites de sensoriamento remoto em órbita, se a programação até 2009 cumprir-se?

Miranda - Isso, sendo que tanto no Cbers-3, como no Cbers-4, teríamos quatro imageadores. O Cbers-1 e 2 têm, cada um, três imageadores, um de campo largo brasileiro, um infra-vermelho chinês e uma Câmara de Coleta de Dados (CCD) chinesa. O Cbers-3 e o 4 têm quatro, um infra-vermelho e uma CCD chinesa com resolução de cinco metros, uma multi-espectral brasileira com resolução de 40 metros e um imageador de campo largo brasileiro, com resolução de 80 metros e varredura de 700 quilômetros.

C&T - E tecnologicamente qual a diferença dos dois primeiros para os dois próximos CBERS a serem desenvolvidos?

Miranda - No Cbers-1 e 2 tínhamos 30% do satélite, em termos de responsabilidade no desenvolvimento. Já no 3 e 4, as responsabilidades estão divididas meio a meio, entre Brasil e China.

C&T - Que outros projetos o Inpe desenvolve atualmente?

Miranda - Temos atuação na área científica, de ciência espacial, e outra área que antigamente chamávamos de sensoriamento remoto, mas o termo mais apropriado é observação da Terra. Essa última é interessante ressaltar, porque poucas pessoas se dão conta disso, do fato de que nós tivemos papel decisivo na implantação dessa área no país. Toda atividade de sensoriamento remoto começou dentro do Inpe, com formação de doutores e pessoal técnico que hoje está aí trabalhando com isso em outras instituições inclusive. É um motivo de orgulho isso. Eu, por exemplo, estive no ano passado no último Congresso GIS-Brasil, em São Paulo, e tive acesso a uma informação importante. Esse setor, o de sensoriamento remoto, emprega 4,5 mil pessoas, sendo que 80% delas têm nível superior. Em 2002, o setor faturou R$ 1,5 bilhão no Brasil. É quase uma exportação de soja, é mais que a exportação de laranja. Ou seja, cada pessoa desse setor gerou uma renda de R$ 300 mil/ano.

C&T - O que se faz hoje no Inpe na área de Observação da Terra?

Miranda - Há um grupo que trabalha no desenvolvimento dos aplicativos de imagens e há outro grupo, que é o de geo-informação, que trabalha em modelagem ambiental.

C&T - E na área científica?

Miranda - Temos um grupo mais voltado para a ciência atmosférica, que estuda a física da atmosfera. Há também um grupo de astrofísica, que estuda o núcleo da galáxia, fontes de raio-X e gama da galáxia.

C&T - Que projetos há para o futuro na área científica?

Miranda - Continuar os projetos em andamento, contribuindo para o avanço do conhecimento. Essa, aliás, é a terceira área do conhecimento na qual o Brasil mais produz. Nos trabalhos do grupo de observação da Terra, o que tem de novo é um acordo ampliado com a China, país com que temos acordo simplesmente de fabricação de satélites, mas não na aplicação. Se um terceiro país quiser comprar uma estação de recepção e processamento de imagens, por exemplo, nós não temos nenhum acordo. Nós apenas compartilhamos a propriedade do satélite e o único compromisso que temos é que o uso que o Brasil faz das imagens Cbers é de responsabilidade nossa e o uso que os chineses fazem é igualmente de responsabilidade deles. Mas não há nada no acordo definindo o que fazer se um terceiro país se interessar pelos dados. Estamos levando adiante isso, a venda de imagens do Cbers, ampliando assim o acordo com a China.

C&T - O que o senhor espera do Programa Espacial Brasileiro, em termos de lançadores a partir de agora?

Miranda - Eu torço para que o nosso programa de lançadores se valide o mais rápido possível e que a gente aprenda com esses acidentes e tenha autonomia completa nessa área.