Familiares de desaparecidos criticam nova comissão para criada pelo Governo

03/10/2003 - 15h56

Brasília - O decreto do governo que instituiu uma comissão interministerial para levantar informações sobre o paradeiro dos restos mortais de cerca de 60 militantes do PC do B desaparecidos na guerrilha do Araguaia deixou insatisfeitos familiares dos desaparecidos.

Publicado hoje no Diário Oficial da União, o texto dá prazo de até 180 dias, contados a partir de hoje, para a comissão reunir dados, mesmo que sigilosos, em qualquer instância do governo. Integram a comissão interministerial, coordenada pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, os ministros José Viegas, da Defesa; José Dirceu, da Casa Civil; Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa.

Desde 1995 já existe uma comissão especial, ligada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, competente para apurar mortes e o desaparecimento de perseguidos políticos durante a ditadura.

O representante da comissão teme que o novo grupo esvazie o trabalho que já vinha sendo desenvolvido desde então. "Essa comissão me parece absolutamente inútil e me parece uma espécie de compensação por causa do recurso que foi interposto na questão do Araguaia", criticou o presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Luiz Francisco da Silva Carvalho Filho. Ele se referiu ao fato de o governo ter recorrido da decisão da juíza federal Solange Salgado, de Brasília, no sentido de determinar que o Exército abrisse os arquivos relacionados ao Araguaia.

Para Carvalho Filho, outro problema é que o decreto dá a ministros o poder de obtenção de informações que deveria ter sido conferido à comissão já existente.

O assunto foi discutido hoje em reunião entre o ministro da Justiça e membros da comissão especial, entre eles Suzana Lisboa, representante dos familiares no grupo de trabalho vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos. Suzana é esposa do primeiro dos três desaparecidos que tiveram os corpos identificados até hoje, de um total de 150. Os restos mortais de seu marido estavam enterrados como se fossem de outra pessoa, em um cemitério de São Paulo.

"Temos visto nos jornais que o presidente Lula teria criado a comissão para agradar os familiares. No nosso ponto de vista, até agora só foram agradados os militares, que têm tentado sistematicamente impedir que a verdade sobre o que aconteceu com nossos familiares venha à tona", criticou Suzana. Ela manifestou preocupação com o fato de os familiares não terem representantes na comissão instituída hoje.

Outra crítica de Suzana é que o decreto "cria uma divisão vergonhosa" dos desaparecidos políticos em dois grupos distintos, uma vez que limita o levantamento de dados sobre os desaparecidos que participaram da guerrilha do Araguaia, excluindo os demais, cerca de 90. "E os outros, são menos mortos, menos desaparecidos. O que o governo quer dizer com isso? É aviltante para nós", protestou.

Na semana passada, o grupo havia cogitado a possibilidade de pedir renúncia coletiva, idéia que acabou sendo abandonada, pelo menos até o momento, segundo o presidente da comissão.

Segundo os representantes da comissão especial, Márcio Thomaz Bastos negou que a criação de uma nova comissão encarregada de investigar casos de desaparecimentos e mortes, especificamente durante a Guerrilha do Araguaia, enfraqueça o primeiro grupo.

Juliana Andrade