Brasília, 29/9/2003 (Agência Brasil - ABr) - No interior de Pernambuco, dois municípios chamam a atenção pelos altos índices de crimes de pistolagem. Em Goiana, a 67 quilômetros de Recife, onze pessoas foram executadas só nos últimos quinze dias. Perto de Goiana, a 23 km, a prática de eliminar "almas sebosas", como os esquadrões da morte definem os autores de pequenos delitos, fez 47 vítimas desde 2000.
A Polícia Federal foi acionada pelo governo Federal para investigar a atuação dos grupos de extrmínio na região. O total de vítimas desses assassinos de aluguel pode ser muito maior, conforme levantamentos preliminares. Segundo o presidente da Câmara Municipal, vereador Manuel Matos (PT), investigações do Ministério Público do estado e depoimentos de testemunhas indicam que o saldo de mortos pode chegar a 300.
A ação de milícias privadas e de grupos de extermínio no Nordeste será investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na quarta-feira passada (24), na Câmara dos Deputados. Segundo o relator da CPI, deputado Luiz Couto (PT-PB), uma das áreas onde o problema é mais crítico é a divisa entre Pernambuco e Paraíba, na região que compreende
Itambé e Pedras de Fogo (PB).
De acordo com ele, esses grupos são financiados por comerciantes, empresários, usineiros, proprietários rurais, políticos e empreiteiros da região. "O que nós verificamos é que há a
presença de policiais reformados e na ativa, de agentes penitenciários, de funcionários públicos que compõem esses grupos, que tem o poder, a informação, o distintivo, que tem toda a força para agir dessa forma", denunciou Couto, que, no ano passado, presidiu a CPI do Narcotráfico
instalada no âmbito da Assembléia Legislativa da Paraíba.
Hoje o deputado esteve no Ministério da Justiça para pedir que a Polícia Federal assuma as investigações das denúncias de pistolagem na região, para desbaratar o esquema de "crime organizado". De acordo com ele, a ação desses criminosos se dá com a conivência de setores do Judiciário e do Ministério Público dos dois estados. Por isso, o parlamentar também acha fundamental que o Ministério Público Federal acompanhe os trabalhos.
Ele afirmou que as medidas tomadas até agora pelos governos estaduais não surtiram efeito.
Segundo o Couto, as autoridades locais encaminharam um delegado para fazer a investigação, designaram uma comissão para fazer o levantamento dos casos e transferiram alguns policiais suspeitos.
Um dos casos de extermínio mais preocupantes ocorreu no sábado (27), em Pedras de Fogo, a cerca de 50 km de João Pessoa. Considerada uma das principais testemunhas da ação de grupos de extermínio no local, Flávio Manoel da Silva, de 33 anos, foi assassinado a tiros por dois encapuzados que passavam de moto perto da sua casa.
Em 1999, Flávio havia sobrevivido a outro atentado e, desde então, estava paraplégico. De acordo com o deputado, ele foi confundido com outra pessoa que tinha o mesmo apelido de "Chupeta" e
acabou sendo executado por engano. A vítima morreu quatro dias depois de ter prestado depoimento à relatora de Execuções Sumárias da Organização das Nações Unidas, Asma Jahangir.
A paquistanesa está no Brasil desde o dia 16, para colher dados sobre o problema no país e elaborar um relatório. "De forma ousada, essa quadrilha criminosa está querendo se confrontar com o poder constituído. Eles não respeitaram sequer a ida da relatora da ONU", condenou Luiz Couto, que desde junho Couto só sai de casa e do trabalho sob a proteção de agentes da polícia federal.
No Ministério da Justiça, o parlamentar se reuniu com o chefe de gabinete do ministro Márcio Thomaz Bastos, Sérgio Sérvulo, e com o subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano. Segundo o representante da Secretaria de Direitos Humanos, já foi criada uma força-tarefa para apurar as denúncias na região.
Mas Cipriano lembrou que, para o governo federal começar a agir, é preciso que os estados envolvidos concordem. "Nós não podemos fazer intervenção nos estados", afirmou. "Temos
os princípios constitucionais, só vamos agir nos limites da lei. É preciso a parceria dos governos e das polícias dos estados nessa ação", observou.
O subsecretário também explicou que Flávio Manoel da Costa não foi incluído no Programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, do governo federal, porque a medida depende da manifestação da vontade da pessoa. Segundo ele, Costa havia pedido mais tempo para decidir se estava disposto a se submeter às "regras rígidas" impostas pelo programa. "Não é possível que a pessoa, num programa como esse, resolva ligar para casa qualquer dia, visitar, passear. Ele tem que mudar de estado, ter comportamento mais preciso, não pode se embriagar, se envolver com droga".
As normas esdrúxulas do programa têm sido objeto de críticas de parlamentares e de familiares de pessoas ameaçadas. Segundo os críticos, algumas regras teriam sido programadas com o intuito de desestimular a adesão. A inclusão da vítima depende ainda de parecer favorável do Ministério Público, o que no caso de Flávio Costa acabou não ocorrendo. Segundo Cipriano, o órgão entendeu que a proteção não era mais necessária, uma vez que, dos três suspeitos do atentado em 1999, dois já morreram e um está preso.
Sobre o fato de a relatora da ONU ter sido impedida de entrar na unidade do Brás da Febem, em São Paulo, Cipriano disse que os governos federal e estaduais não podem ocultar nenhum fato e que o correto seria abrir todas as portas para que as entidades internacionais pudessem conhecer a realidade do País.