Brasília, 23/09/2003 - No Paraná, encontra-se em pleno curso no Legislativo uma disputa que pode decidir o modelo de agricultura que todo o estado adotará. A Assembléia Legislativa aprovou na semana passada em primeira votação a proibição dos transgênicos no estado. A previsão do presidente da Assembléia Legislativa, Hermas Brandão (PSDB), é que a matéria receba cerca de 20 emendas e volte às comissões, ganhando mais tempo para discussão. Brandão declarou ser contra o projeto. Ele cita a "Argentina, que vendeu mais que o Brasil e produz só transgênicos". Segundo ele, o que estabelece o mercado é o preço.
O governo do estado apoia o projeto, de autoria do deputado estadual Elton Welter (PT), que prevê a proibição imediata da produção, transporte e comércio de produtos geneticamente modificados no Paraná. O governador Roberto Requião (PMDB) quer transformar o Paraná em um fornecedor estratégico de soja não-transgênica.
O Paraná demonstra cautela em relação aos transgênicos, principalmente porque, segundo o governo do estado, a Europa e o Japão, para onde seguem 70% da soja paranaense, ainda resistem aos organismos geneticamente modificados (OGMs). Requião diz que quer transformar o Paraná num "nicho’ de grãos limpos. Segundo ele, está em conclusão uma negociação com a China. Seria adquirido por aquele país o equivalente a dez anos da atual safra de soja do Paraná, desde que o produto não seja transgênico.
Requião não quis adiantar detalhes dessa negociação, mas disse que a China pagará parte da transação com equipamentos que colocarão o estado e o porto de Paranaguá numa posição de destaque no mercado internacional. Requião afirma que a questão da soja transgênica passa "por uma tentativa dos Estados Unidos de vencer a crescente produtividade brasileira e latino-americana por meio do monopólio da semente geneticamente modificada". Argumenta que a América Latina, sem transgênico, produziu, neste último ano, 40 milhões de toneladas de soja a mais do que os Estados Unidos, com transgênico. "Como eles estão perdendo essa vantagem na produtividade, acenam com a história da semente transgênica, patenteada e monopolizada". A produtividade do Paraná e de certas regiões do Mato Grosso, diz o governador, chega a ser 40% superior à norte-americana.
"Há muitas controvérsias quanto à questão dos transgênicos, com polêmicas que deixam margens para interpretações e que, nesse caso, é melhor apostar no que já é conhecido", explica o governador em exercício, Orlando Pessuti. Segundo ele, para o plantio da soja convencional não há problemas, já que o estado tem uma estrutura adaptada. "Não teríamos uma sistemática nova nem problemas de produção, não precisaríamos aumentar a estrutura de técnicos, só de fiscalização, e não há restrições. Já em relação à transgênica, temos uma série de desafios. Seria mais prudente o Paraná se colocar em uma posição de vanguarda e manter a postura de ficar livre da transgênica", afirmou.
A técnica Claudia Job Schmitt, do Departamento de Estudos Sócio-Econômicos Rurais (organização não-governamental formada por sindicatos de trabalhadores rurais, movimentos populares do campo, associações de produtores, pastorais ligadas às igrejas e entidades de assessoria dos três estados da região Sul do Brasil), lembra que o debate público sobre os transgênicos não é novo e se acirrou no Brasil sobretudo a partir de junho de 1998, quando foi encaminhado à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) o pedido de liberação da soja Roudup Ready (RR), resistente ao herbicida glifosato. Este foi o primeiro pedido enviado à CTNBio por uma empresa solicitando autorização para o cultivo, em escala comercial, de uma variedade transgênica no país. A partir daí, veio uma série de medidas judicias, suspensões e liberações, além de muita polêmica sobre o assunto.
Segundo a técnica, a grande maioria dos argumentos a favor da liberalização comercial dos transgênicos e de sua introdução em nosso sistema alimentar podem ser refutados. Para ela, a cobrança de royalties da soja RR por parte da Monsanto não eliminaria, mas reduziria em muito a competitividade do produto nacional no mercado internacional. Na Argentina, já são cobrados royalties de US$ 49,83 por ha; nos Estados Unidos, de US$ 67,45 por ha. Não há dúvida, portanto, de que as vantagens econômicas que são apregoadas por aqueles agricultores que optaram por cultivas ilegalmente a soja transgênica são apenas conjunturais.