Brasília, 23/9/2003 (Agência Brasil - ABr) - Um milhão de abortos clandestinos são realizados por ano no Brasil. A prática também é a quinta causa de internação hospitalar de mulheres no Sistema Único de Saúde e responde por 9% das mortes maternas e 25% dos casos de esterilidade por problemas tubários, segundo o diagnóstico da Campanha por uma Convenção Interamericana de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
Muito mais do que uma questão ética e legal, o aborto é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) um problema de saúde pública. Em todo o mundo, são realizados 20 milhões de abortos inseguros, 90% em países periféricos, com um saldo de 78 mil mortes por ano, metade na África (OMS-2000). A dimensão do problema e seus aspectos éticos, legais e religiosos estão sendo discutidos durante toda a semana na Universidade de Brasília (UnB) no ciclo de debates "Aborto em pauta: vamos conversar?". No próximo domingo, dia 28 de setembro, será comemorado o Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe.
No Brasil, o direito ao aborto é assegurado pelo artigo 128 do Código Penal de 1940 em duas situações: quando a gravidez indesejada resulta de violência sexual (estupro) ou quando há risco de morte para a gestante. Mas, o direito de realizar um aborto quando o feto é inviável, ou seja, sem possibilidade de viver fora do útero por causa de anomalias graves, não tem o amparo da lei em vigor, apesar de ser respaldado pelo Conselho Federal de Medicina, juízes e integrantes do Ministério Público.
Esse foi o principal tema discutido no debate desta terça-feira. Para uma das debatedoras, Débora Diniz, antropóloga e diretora da ONG Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), "muito mais do que a descriminalização do aborto, o que está sendo discutido é a antecipação terapêutica do parto, nos casos em que há diagnóstico de má formação grave no feto incompatível com a vida fora do útero materno".
Outro defensor do direito de interromper a gravidez quando não há possibilidade de vida para o feto, o promotor público Diaulas Costa Ribeiro é diretor da Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida) do Ministério Público do Distrito Federal. Ele é outro dos participantes do evento hoje. "O feto inviável na grande maioria dos casos provoca complicações maternas, como a pré-eclâmpsia (doença relacionada à hipertensão e também associada ao risco de parto prematuro). Então, não é apenas interromper uma gravidez inútil, mas preservar problemas psicológicos e físicos da mulher ", afirmou.
No Brasil, vários estados já possuem hospitais com serviço organizado para a realização do aborto nos casos previstos em lei. Em Brasília, o Hospital da Asa Sul (HRAS) realiza o aborto nos casos em que a lei permite por meio do Programa SOS Mulher. Dados colhidos no período de agosto de 1996, quando o programa começou, até dezembro de 2002, indicam que 250 mulheres procuraram o serviço, das quais 39 interromperam a gestação. Segundo a assistente social Marta Cristina Tenório, isso se dá principalmente porque o serviço não se limita à interrupção da gravidez, mas é, antes de tudo, um serviço de aconselhamento às mulheres vítimas de violência sexual ou que correm risco de vida.
O ciclo de debates na UnB segue até sexta-feira e aborda amanhã o tema "Aborto e Religião", com a participação do movimento Católicas Pelo Direito de Decidir. O encontro é realizado no Auditório Dois Candangos, das 12h30 às 13h30.