Nicéa diz que Maluf usou dinheiro público na compra da Eucatex

16/09/2003 - 16h39

Brasília, 16/9/2003 (Agência Brasil - ABr) - A ex-mulher do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, Nicéa Teixeira de Camargo, disse hoje, em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Bantestado, que houve uso de dinheiro público na compra, por Paulo Maluf, da Eucatex, do seu irmão Roberto Maluf, à época em que Celso Pitta era secretário de Finanças da Prefeitura. O pagamento foi feito com recursos da secretaria e de terrenos pertencentes a Maluf, segundo Pitta teria confidenciado à então esposa.

Nicéa colocou à disposição da CPMI a quebra do sigilo bancário de uma conta conjunta que tem
com o ex-marido no "Commercial Bank", em Nova Iorque. A conta foi aberta com recursos de comissões recebidas de empreiteiras envolvidas em construções de obras públicas desde a gestão de Paulo Maluf na Prefeitura de São Paulo, que continuou no governo de Celso Pitta. Os recursos das comissões eram convertidos em dólar por Sheila Abade, funcionária do "Banco Cidade", que foi comprado pelo BCN-Bradesco.

O presidente da comissão, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), e o relator, deputado José Mentor (PT-SP), ressaltaram a importância da decisão de Nicéa para os trabalhos da CPMI,
porque o acesso a essa conta pode ser, segundo Mentor, "o principal elo para determinar a origem dos recursos de propinas e o seu caminho até uma conta no exterior". Hoje mesmo, a assessoria da CPMI começou o levantamento jurídico para viabilizar o acesso autorizado à conta conjunta, mas, se houver impedimentos para isso pela legislação bancária americana, Paes de Barros informou que mandará uma subcomissão acompanhar Nicéa Camargo a Nova York, para que ela mesma tenha acesso ao extrato da conta.

Os dois consideraram também novidade no depoimento de Nicéa a revelação do nome da doleira Sheila Abade, que será convocada a depor perante a CPMI do Banestado, bem como o envolvimento no esquema de lavagem de dinheiro de propinas em contas no exterior de outros doleiros do esquema Maluf-Pitta, como um primo de Sheila, Maurício Abade, e o doleiro Chaia Mograbi, que encontra-se preso, isso tudo com o conhecimento da então presidente do Banco Cidade, Dália Osíris. Paes de Barros e José Mentor acham que o depoimento dessas pessoas poderá esclarecer todo o esquema de propinas e envio de dinheiro público para o exterior.

Nicéa confirmou à CPMI do Banestado que Celso Pitta e Naji Nahas, investidor no mercado de capitais, eram sócios na empresa "Yukom River’, uma "off-shore" (tipo de empresa aberta para movimentar geralmente recursos de origem ilícita), que aparece numa investigação da Polícia Federal sobre a agência do Banestado em Nova Iorque.

A ex-mulher de Pitta confirmou que as reuniões deste com Paulo Maluf, Naji Nahas, doleiros e pessoas ligadas a empreiteiras eram, muitas vezes, realizadas em sua casa, e disse que chegou a assinar muitos papéis em branco, inclusive a autorização para abertura da conta conjunta em Nova Iorque. Nicéa disse que ficou revoltada com a revelação do esquema e começou a recusar-se a participar das operações, quando foi a Paris, logo após a eleição de Pitta e antes de sua posse, quando ele tentou conseguir sua assinatura para a abertura de uma conta em um banco de Zurique, na Suíça.

O momento mais tenso do depoimento foi quase no fim da sessão, quando o deputado José Rocha (PFL-BA) contestou informações de Nicéa sobre um processo do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) por difamação e injúria. Nicéa havia dito, ao fazer a denúncia do esquema de propinas da Prefeitura de São Paulo, em 2000, que o senador também participara do esquema de pressão para liberar dinheiro para a empreiteira OAS. Ela disse que foi inocentada no processo movido pelo senador e que também abriu um processo contra este, que a chamou de prostituta. "Ele (ACM) me chamou de prostituta. O que o Sr. faria, se chamassem sua mãe de prostituta?", indagou Nicéia, diretamente ao deputado, que considerou-se desrespeitado.

O presidente da comissão interveio, pedindo o serenamento de ânimos de ambas as partes, para evitar conflitos. Depois, Nicéia admitiu que foi absolvida em um processo, mas condenada em outro, movido também pelo senador baiano, mas disse que pode recorrer da sentença inicial.

Amanhã (17), às 11 horas, a comissão ouve, em nova audiência pública, quatro ex-funcionários do Banestado acusados de envolvimento no esquema ilegal de remessa de recursos ao exterior. Serão ouvidos o contador Eraldo Ferreira, responsável pela abertura de contas de brasileiros no exterior; o ex-gerente da agência do Banestado em Grand Cayman Ricardo Franczyk, o
ex-gerente do banco em Foz do Iguaçu (PR) Valderi Werle e um dos ex-gerentes na agência de Nova Iorque Valdir Antonio Perin, que, no período de 1996-2002, respondia pela movimentação de contas de estrangeiros naquela agência. Na quinta-feira (18) de manhã, serão ouvidos o
ex-governador do Paraná Jaime Canet Júnior e o ex-diretor da Unimed São Paulo José Ricardo Savioli.