Inédita missão comercial sul-africana elege Brasil como portal para América do Sul

16/09/2003 - 15h44

Liésio Pereira
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A aproximação econômica entre Brasil e África do Sul deu, na última semana, os primeiros passos concretos. E, o melhor, passos largos e firmes, a julgar pelas declarações entusiasmadas dos atores envolvidos. A Câmara de Comércio e Indústria da Cidade do Cabo organizou, pela primeira vez na história, uma missão comercial com representantes de oito empresas sul-africanas para explorar as possibilidades de negócios com o Brasil. Durante três dias, os empresários sul-africanos mantiveram, em São Paulo, reuniões com empresários brasileiros para divulgar seus produtos e buscar parcerias.

"O nível de desenvolvimento dos dois países é mais ou menos similar, e a troca de mercadorias e serviços é fundamental, consideradas as vantagens peculiares de cada um dos lados", disse o presidente da Marcondes Advogados Associados, José Roberto Marcondes. O escritório, que tem uma representação na África do Sul, promoveu um encontro entre os empresários sul-africanos e representantes de cerca de 70 empresas brasileiras para divulgar informações sobre os mercados e promover uma aproximação.

"Os empresários da África do Sul querem conhecer o mercado brasileiro e suas necessidades", explicou o cônsul comercial da África do Sul em São Paulo, Paul Pietersen, que acompanhou a comitiva de seu país. Entre os empresários sul-africanos, estavam representantes de indústrias de construção civil, tecnologia ambiental, embalagens plásticas flexíveis e máquinas.

Segundo o diretor de Relações Internacionais da Marcondes Advogados Associados, John McNaughton, o Brasil exporta atualmente mais de 100 produtos para a África do Sul. "É incrível a gama de produtos que são exportados e, mesmo assim, isso representa 0,9% dos produtos importados pela África do Sul. Então, temos um campo muito grande pela frente", disse.

McNaughton fez uma apresentação sobre as peculiaridades da África do Sul para os empresários brasileiros. Ele destacou que, desde o fim do embargo comercial que sofria por causa do regime de discriminação racial (apartheid) com a eleição de Nelson Mandela, em 94, a África do Sul vem ampliando cada vez mais suas exportações, e já se firma como um dos maiores mercados emergentes do mundo. As exportações brasileiras para o país também registram grande ritmo de crescimento, saltando de US$ 200 milhões em 99, para US$ 302 milhões em 2000, US$ 424 milhões em 2001 e US$ 477 milhões no ano passado. De janeiro a junho deste ano, as exportações brasileiras para a África do Sul já atingiram US$ 300 milhões, o que representa um aumento de 49,5% em relação ao mesmo período do ano passado. "Isso provavelmente vai crescer até US$ 500 milhões até o final do ano, talvez um pouco mais", disse McNaughton. "O comércio bilateral provavelmente vai chegar a US$ 1 bilhão ainda este ano, o que é um bom começo".

Bom negócio para todos

O assessor comercial do Consulado da África do Sul em São Paulo, Mark Rabbitts, enumera algumas vantagens para o Brasil na aproximação com seu país. "A África do Sul, no sul da África, é como o Brasil na América do Sul. É o maior mercado e tem acesso a todos os países vizinhos, então o Brasil pode utilizar-nos como porta de entrada", disse. "É muito difícil uma empresa brasileira vender produtos na Namíbia, porque lá não há portos, não há vôos daqui para lá. Por meio da África do Sul, pode-se nomear um representante com uma rede de distribuição nos outros países vizinhos".

Rabbits acompanhou os empresários sul-africanos em sua estadia no Brasil e disse que o conhecimento sobre o mercado brasileiro foi o objetivo principal da missão. "O grande problema entre os dois países é a falta de conhecimento, não somente dos brasileiros sobre a África do Sul, mas vice-versa", disse. Segundo Rabbits, "o Brasil é um mercado difícil para a importação, então é preciso sempre procurar alternativas". Um empresário que fabrica máquinas de medição de alta precisão para a indústria, por exemplo, disse que às vezes é preciso fabricar o equipamento aqui, por meio de licença ou joint venture. "Você tem que trabalhar conforme o mercado manda", aconselhou.

Antes de virem ao Brasil, os empresários sul-africanos estiveram no Chile, mas lá encontraram um mercado pequeno, com problemas, como o frete marítimo, e algumas vantagens, como baixas alíquotas de importação. "Eles viram aqui um mercado mais viável. O Brasil é a chave dos negócios na América do Sul", disse Rabbits.

Um passo adiante está sendo negociado: o Brasil e a África do Sul estão à frente das negociações entre o Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) e a South African Customs Union (SACU), área de união aduaneira dos países do sul da África, para criar um eixo de livre comércio. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, informou na última semana, antes da reunião da OMC, no México, que as negociações estão em andamento e que se pretende fazer uma abordagem mais ampla que permita progressos mais rápidos. No final deste mês, segundo o ministro, haverá um encontro de altos funcionários dos dois blocos em Montevidéu, no Uruguai, para continuar as negociações.

A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à África, em novembro, também deverá dar um novo impulso ao acordo. Inicialmente prevista para agosto, a viagem foi adiada porque o presidente decidiu acompanhar a tramitação das reformas no Congresso Nacional, em especial a da Previdência.

Do apartheid ao arco-íris

A África do Sul é hoje conhecida como "nação arco-íris", pela sua diversidade de raças e línguas. Dos seus 43,4 milhões de habitantes, 77% são negros, 12% brancos, 8,5% mestiços e 2,5% asiáticos. Entre os 11 idiomas falados no país, destacam-se o sepêdi, inglês e africâner. O país tem três capitais, uma para cada poder republicano: Pretória (Executivo), Cidade do Cabo (Legislativo) e Bloemfontein (Judiciário).

De 1947 a 1993, o país viveu sob o regime do apartheid. A segregação racial teve seu fim com a promulgação de uma nova constituição, que determinou a cidadania comum para todos os sul-africanos, e a eleição de Nélson Mandela como presidente em 1994. O vice-presidente de Mandela, Thabo Mbeki, foi eleito para sucedê-lo em 1999.

A economia da África do Sul é a mais desenvolvida da região, com moderna infra-estrutura. Destacam-se os setores de comunicação, energia elétrica e transportes. Durante o apartheid, o país sofreu embargo internacional e só após seu fim iniciou o processo de abertura de mercado. O país tem um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 140 bilhões e uma renda per capita de US$ 3.087. O setor de serviços tem a maior porcentagem no PIB (60%), seguido pela indústria (38%) e a agricultura (5%).

A África do Sul tem a maior reserva de minerais do mundo, com 88% da platina (o maior produtor mundial), 83% do manganês, 72% do cromo, 45% do vanádio, 40% do ouro e 25% do diamante. A mineração é o principal segmento da indústria sul-africana, cuja taxa de crescimento de produção anual é de 1%.

Os principais produtos de exportação da África do Sul são ouro, diamante, metais e minérios em geral, além de máquinas e equipamentos. O país é um grande produtor de veículos e exportador agrícola, com destaque para milho, açúcar, frutas, vegetais e lã.