Jacques Diouf (*)
Artigo concedido pela Inter Press Service
Roma - Nos resultados da próxima reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) esta semana em Cancún, México, há muita coisa em jogo. Por exemplo: uma melhor economia mundial e os milhões de empregos que um comércio mais intenso criaria. Para os 840 milhões de pessoas que passam fome no mundo, há ainda muito mais em jogo. O desenvolvimento da agricultura e mais oportunidades de emprego nas zonas rurais poderiam significar a diferença entre a vida e a morte. O destino dessas pessoas pode definir se vamos viver em um mundo estável ou em um mundo devastado por economias que afundam, agitação política e caos social.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) há décadas luta para melhorar a vida dos setores rurais pobres e que passam fome, cuja situação será apresentada em Cancún. Cerca de 70% das pessoas mais pobres do planeta vivem nas zonas rurais e se mantêm principalmente da agricultura. Por isso, uma das formas mais eficazes de combater a fome é elevar o nível de vida nos países em desenvolvimento e incrementar a disponibilidade de alimentos e o acesso a estes através do comércio agrícola interno internacional. Na reunião da OMC em Doha, em 2001, os países desenvolvidos comprometeram-se a reduzir os subsídios à agricultura e a abrir mais seus mercados aos alimentos e produtos agrícolas dos países em desenvolvimento.
Em Cancún esses compromissos deveriam materializar-se. Embora alguns dos países com maior atividade comercial tenham aceitado, recentemente, reduzir os subsídios à sua agricultura, não especificaram datas nem valores das reduções. Outros países resistem mais a reduzir o que vem a ser um programa que beneficia sobretudo os agricultores mais ricos. Os subsídios à agricultura e as tarifas alfandegárias dos países ricos distorcem o mercado mundial e em muitos casos não deixam que os produtores dos países em desenvolvimento possam competir internacionalmente. Além disso, permitem que os alimentos dos países ricos sejam vendidos nas nações em desenvolvimento abaixo do preço de produção, colocando os produtores destes países em desvantagem competitiva.
É certo que alguns países em desenvolvimento aproveitaram todas as possibilidades que lhes ofereceu o acordo da Rodada Uruguai (1986-94). Poderiam investir e dar mais apoio à sua agricultura, mas não é fácil incomodar os contribuintes e os consumidores urbanos aumentando o gasto público com a agricultura ou os preços dos alimentos. Os contribuintes e consumidores dos países ricos não costumam compreender que não só estão subsidiando seus agricultores como, também, estão minando os meios de subsistência dos agricultores de muitos países em desenvolvimento.
Mas agora não se trata de assinalar nem adjetivar. Em lugar de traçar um campo de batalha na arena, é preciso uma cooperação efetiva entre o Norte e o Sul. Para que o comércio seja um motor do crescimento econômico e se reduza substancialmente a pobreza, tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento necessitam adaptar sua produção em condições de igualdade, a partir de uma competição justa. Os Estados-membros da OMC não devem permitir que Cancún se reduza a uma polarização de posturas, muitos deles tenso subscrito os objetivos de desenvolvimento do Milênio e o objetivo da Cúpula Mundial sobre a alimentação de reduzir pelo menos à metade o número de pessoas que passam fome no mundo até 2015.
Os membros da OMC poderiam começar reconhecendo formalmente que a igualdade de condições em matéria de comércio de alimentos e produtos agrícolas pode ter muito peso na redução da fome e da pobreza. Um acordo comercial para reduzir os subsídios agrícolas das nações ricas, que produzem distorções, e reduzir ou eliminar as tarifas alfandegárias para as importações agrícolas contribuiria muito para criar um regime comercial mais eqüitativo. Com a aprovação de regulamentos comerciais eficazes, simples e cuja aplicação seja de baixo custo, os países em desenvolvimento teriam a oportunidade de avançar por seus próprios meios à prosperidade.
(*) Jacques Diouf, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO)