Brasília, 9/9/2003 (Agência Brasil - ABr) - A decisão da Justiça Trabalhista de conceder ganho de causa a um grupo de servidores públicos sergipanos abriu uma nova crise entre o Executivo e o Judiciário. Na segunda-feira (08), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) divulgou nota oficial na qual classificou a União como negligente na defesa dos seus interesses por deixar que o processo da Escola Técnica Federal de Sergipe fosse julgado à revelia. A nota desagradou a Advocacia-Geral da União, responsável pela representação judicial da União, autarquias e fundações e gerou uma guerra de versões que só aumentou o mal-estar entre os dois poderes.
A decisão judicial em questão é referente ao pagamento da diferença salarial dos servidores da Escola Técnica de 84,32% referentes ao Plano Collor (1990). Iniciada em junho de 1992, o processo teve decisão favorável para os servidores em junho de 1993 e o prazo para ações rescisória – que podem anular a sentença – venceu em junho de 1995. A decisão judicial representa um prejuízo de mais de R$ 81 milhões aos cofres públicos.
A AGU considera o pagamento indevido já que existe decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual o pagamento de diferenças salariais não pode ser pago por ações judiciais. Ainda assim, como já transitou em julgado – jargão judicial usado para dizer que a decisão não pode ser anulada – a AGU entrou com recurso para tentar reduzir o valor da sentença. A AGU argumenta em seu recurso que o valor da condenação deve ser limitado ao período anterior à mudança do regime jurídico de celetista para estatutário, ocorrido em dezembro de 1990.
A guerra de notas começou no final da tarde de ontem. O vice-presidente do TST, Vantuil Abdala, reconheceu que a ação judicial foi iniciada antes da criação da AGU, mas ainda assim argumentou que o fato do processo correr à revelia fez com que a União saísse derrotada na disputa judicial. "Apesar da matéria estar pacificada no sentido de que o pagamento das diferenças salariais não é devido, a União não compareceu à Justiça em anos anteriores para se defender e acabou sendo condenada à revelia nesse processo".
Horas depois, a AGU rebateu as críticas. Em nota publicada no site da AGU, o governo argumenta que além de não sofrer a derrota anunciada pela Justiça do Trabalho - porque considera o pagamento de diferenças salariais por decisão judicial indevido - também estaria em vias de conseguir a "redução drástica" do pagamento do valor da sentença.
Os argumentos da AGU não satisfizeram o TST. Vantuil Abdala voltou a criticar os advogados da União ao dizer que o caso de Sergipe é apenas uma das ações em que a União foi derrotada por defesa mal formulada ou ausência total de defesa. "Ou se tratou de uma inexplicável negligência ou de má vontade intencional", afirmou Abdala na nota. A AGU não se deu por vencida. No final da tarde divulgou uma nova nota para dizer que ao contrário do anunciado pelo TST, "a atuação da AGU evitou que se consumasse o prejuízo aos cofres públicos".
Baseado nas datas do processo, a AGU tenta mostrar que em momento algum foi negligente. Na época em que o processo foi iniciado, "ainda não existia a AGU e a representação judicial de cada autarquia era feita por seus próprios advogados ou procuradores". Da mesma forma, quando a decisão foi determinada, a AGU ainda não era responsável pelo processo. Apesar de ter sido criada na Constituição Federal de 1988, só veio a iniciar as atividades de defesa de autarquias e fundações a partir do primeiro semestre de 2000. A responsabilidade pelos processos referentes à Escola Técnica de Sergipe só veio a partir de maio de 2000, quando não havia mais possibilidade da AGU recorrer da decisão. A AGU conta como ponto favorável o recurso para tentar reduzir a sentença. "Após o ingresso da AGU nos autos houve uma vitória, ainda que parcial, como é possível concluir no exame detalhado do processo".
Se com a guerra de notas a crise parece ter sido contornada, o mal-estar entre os Poderes não foi desfeito, ao contrário revela profundas desavenças entre o Judiciário e o governo do presidente Lula desde os primeiros meses de seu mandato. Em abril deste ano, num evento em Vitória, o próprio presidente deu início às rusgas entre os dois Poderes ao afirmar que era preciso abrir a "caixa-preta" do Judiciário para se investigar as irregularidades no poder.
Em junho, foi a vez do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício Corrêa, em sua posse criticar a reforma da Previdência e defender alguns dos privilégios dos magistrados. O presidente Lula rebateu dizendo que "não tem Congresso, nem Poder Judiciário, só Deus vai nos impedir de fazer com que o Brasil ocupe o lugar de destaque que merece", o que gerou uma nova série de declarações dos juízes.
A situação, no entanto, piorou depois da publicação de entrevista do ministro Maurício Corrêa na revista Veja, na semana passada. Na entrevista, Corrêa critica duramente o presidente Lula por suas viagens – "viaja mais que Fernando Henrique" – e diz que Lula é refém dos ministros da Casa Civil, José Dirceu, e da Fazenda, Antônio Palocci. O constrangimento foi tamanho que na cerimônia de comemoração do Dia da Pátria, no domingo de 7 de setembro, Lula e Corrêa ficaram no mesmo palanque e não trocaram uma palavra sequer.