Manifestações do Grito dos Excluídos acontem em mais de 2.500 municípios neste 7 de setembro

06/09/2003 - 15h13

Entrevista concedida pela Adital para a Agência Brasil

São Paulo - Nascido da Campanha da Fraternidade, em 1995, o Grito dos Excluídos ganhou uma dimensão bem maior nesses últimos anos. Nesta nona edição, além de atingir 2.500 localidades brasileiras, o Grito segue rompendo fronteiras e se faz ouvir em outras Américas e no Caribe, com o Grito Continental.

Numa breve avaliação, Luis Bassegio, um de seus coordenadores mais ativos, tem uma resposta simples para o aumento significativo das manifestações populares: o Grito cresceu porque cresceu também o número de excluídos em todo o mundo. Eles estão em toda a parte. São desempregados, indígenas, negros, homossexuais, portadores de deficiências mentais, os pacientes que estão no sistema manicomial e por aí vai, a lista seria extensa.

Nesta entrevista, ele fala sobre a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), do império estadunidense que passa por cima da soberania dos países mais pobres e sobre o Grito dos Excluídos – um reflexo da situação social que não é só um cenário típico do Brasil.

O grito nasceu da Campanha da Fraternidade, em 1995. Hoje tomou uma dimensão bem maior. Que avaliação você faz desses nove anos de atuação de uma dos modelos mais fortes de expressão popular?

O grito cresceu justamente como uma conseqüência também do crescimento da exclusão social, do desemprego, da falta de moradia, de terra, de educação, de saúde. Inicialmente, ele se realizou no Brasil, nos quatro primeiros anos, depois ele se estendeu para a América Latina e, finalmente, agora para as Américas e para o Caribe. Por que cresceu assim? Cresceu assim porque é uma nova foram de manifestação popular que procura escutar o grito, a dor, o sofrimento de todo excluído. E como característica importante da metodologia que eu uso, é a metodologia do símbolo. Mas do que a força dos discursos tradicionais, o que vale mais é a mística do exemplo, da participação do próprio grito que está crescendo porque cresce a exclusão e cresce o desejo dos excluídos de se fazerem ouvir.

Vocês têm dados concretos sobre o número de desempregados, que representa a massa que forma a maior parte dos excluídos?

No Brasil fala-se em mais de 10 milhões de desempregados, sendo que em torno de 35% a 40% da população vive da economia informal, quer dizer não tem direito a ter direito, a ter carteira assinada. Isso, aqui no Brasil. Se a gente for olhar para outros países a situação é pior ainda. Nós estivemos na capital do Haiti, em Porto Príncipe, as pessoas que vivem na economia informal, vendendo bugiganga nas ruas é de 92%. No país como um todo, são 64%. Na medida em que cresce a falta de trabalho, os excluídos vão gritando mais e essa forma de manifestação privilegia o protagonismo dos excluídos. E isso sem disputa de hegemonias, de movimentos sociais, de microfone. É muito espontâneo. Muitas vezes, os excluídos nem sabem falar, fazer um discurso, mas sabem se expressar. E isso é o bastante.

Para este ano como está a preparação para o dia 7 de setembro, no Brasil, a participação aumentou em relação aos anos anteriores?

Esse ano o Grito tem como tema "Tire as mãos, o Brasil é nosso chão..." e vai acontecer em 2.500 localidades. Ele certamente acontece em todas as capitais. Aqui (São Paulo) tem o grito no Ipiranga, no Dia de Independência, e o grande momento que é o de Aparecida, que a gente espera mais de 100 mil pessoas que participam do grito, e, assim, será em outros Estados. A procura do material aumentou em 20% em relação a outros anos. Isso quer dizer que ele vai ser maior ainda.

E como se deu essa expansão do Brasil para os outros continentes?

A partir do 3º Fórum Social Mundial, nos tivemos como orientação fazer reuniões de articulação nos países. Fizemos este ano na Bolívia, depois em Honduras, na América Central, agora tivemos no Caribe, com seis países. Então, o Grito Continental deve acontecer em 22 países das Américas e do Caribe e está crescendo, porque essa forma popular que nasceu no Brasil está ganhando adeptos em outros países também. Exclusão não existe só aqui no Brasil.

E o Grito dos Excluídos vai acontecer num momento delicado com a reunião da Organização Mundial do Comércio, em Cancun, no México, que vai tratar de uma temática das mais importantes que é a política agrícola, vai mexer com a soberania alimentar...

Internamente nós gritamos contra o desemprego, as desigualdades sociais, a falta de educação, de moradia, de transporte. Agora, no Continente, há algumas bandeiras centrais que todos os Gritos seguem – e não só os Gritos, outras organizações também – pelo não pagamento da dívida externa, contra a implantação Alca (Área de Livre Comércio das Américas), porque entendemos que a Alca será o fim da nossa pequena agricultura, da pequena e média indústria porque não tem condição de competir com a agricultura estadunidense.

Também gritamos contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) que quer sobrepujar a soberania alimentar de cada país, cada país tem direito de produzir seus alimentos. E de 8 a 14 ocorrem manifestações em todo o mundo, principalmente, no dia 13 contra a globalização neoliberal, contra a OMC, a Alca. E aqui no Brasil, em São Paulo, vai ter uma grande manifestação na avenida Paulista que vai terminar na embaixada norte-americana. Depois no dia 16, em Brasília, nós vamos entregar o abaixo-assinado ao presidente Lula e a vários ministérios exigindo que se faça um plebiscito oficial, para que a nação decida se deve ou não entrar na Alca. E não porque os americanos querem expandir o seu comércio.

Vocês estão preparando um boicote contra produtos dos Estados Unidos. Acredita que essa é uma forma perspicaz de ir contra o império americano?

O domínio do império americano se dá de várias formas: na Alca, na OMC, na implantação de bases militares em todo o continente, cultural também... Por isso que, depois do Grito no dia 7, de 8 a 14 nós vamos fazer um boicote aos produtos norte-americanos. À Coca-Cola, à McDonalds, à Esso e à Texaco, basicamente a esses quatros produtos. Quem sabe dessa forma o governo norte-americano entenda essa conversa do boicote, porque outras conversas ele não entende. Para eles é assim: o que é meu é meu, o que é seu é negociável. De modo que nós não podemos aceitar isso. E a intenção do boicote é justamente chamar a atenção sobre isso. Os EUA dominam 78,5% do PIB desse mercado continental. O Brasil tem 4,5%, a Argentina tem 2,2%. Tem 27 países pequenos que representam 3% do PIB. Como é que esses países vão competir com um mega mercado norte-americano?

Você não acha que os países sub-desenvolvidos estão mais organizados neste sentido, não estão mais preocupados com essa questão?

Eles estão se espelhando no Brasil. Pela questão do Grito a gente já vê isso. Na questão do plebiscito sobre a Alca também. Há oito ou 10 países que estão realizando uma consulta popular sobre a Alca. De modo que a luta está crescendo, e vamos avançar ainda mais. O Grito no Brasil agora em setembro, o Grito das Américas e no Caribe em outubro, mais toda essa programação de 8 a 14 pela ocasião da OMC em Cancun, são todos mais avanços dos movimentos sociais populares.

Até que ponto o Mercosul representa uma reviravolta desses países que não têm força econômica e que estão nesse impasse com a Alca?

A gente entende que é importante apoiar o Mercosul. Entretanto, não o Mercosul como ele estava previsto para ser apenas um tratado econômico, comercial, tem que ser um Mercosul global que inclua economia, política, cultura, a identidade dos povos, o respeito pela história de cada povo. E é bom ter cuidado para que o Brasil não seja um império na América Latina, como os Estados Unidos são nas Américas. Temos que fazer um Mercosul, mas um Mercosul justo, mais solidário, uma integração local e mais pra frente se pensar num mercado americano comum, porque por enquanto não tem como por em pé de igualdade economias tão díspares. A proposta que está sendo gestada agora é muito melhor. Tem questões maiores, por exemplo, como é que vai essa questão da ida e vinda das pessoas? Pode se transitar livremente como se faz na Europa. Como é que fica o salário mínimo nesses países? Você tem um diploma aqui, ele vai reconhecido nos outros países? Então são pontos que precisam ser levados em conta. A idéia é não ser só um mero tratado de mercado econômico. Se for se resumir só nisso não dá.

E em relação a Alca, há o exemplo do México que é marcante com o Nafta...

Temos que nos espelhar no México que fez o Nafta é se deu muito mal. E quando eles assinaram o Nafta não há uma previsão de uma revisão, não existe isso de voltar atrás. E pelo mínimo que se coloca é que depois de 3, 5 anos se reveja. Mas não é isso que nós queremos, nós queremos que se adie para 25 anos como é a proposta do projeto Saturnino Braga (deputado PSB-RJ) para que tenhamos tempos de avaliar se é bom ou não. Por enquanto, não há Alca possível. (Rogéria Araújo)