Brasília, 31/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - Para boa parte dos brasileiros, Sérgio Vieira de Mello foi um homem desconhecido até o dia da sua trágica morte no meio dos escombros do prédio das Nações Unidas em Bagdá, no atentado à bomba que matou pelo menos 15 funcionários da ONU, no último dia 19. Na sessão solene da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, o chanceler Celso Amorim, enquanto falava da carreira do amigo e Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, lembrou que poucos brasileiros chegaram a postos tão importantes no cenário internacional.
Na verdade, um grupo seleto de homens e mulheres leva a bandeira nacional aos lugares mais importantes do globo. Eles são diplomatas, juristas, pesquisadores em organismos multilaterais e até mesmo soldados que compõem forças de paz espalhadas pelo mundo.
Nas agências da ONU, Rubens Ricupero coordena a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e José Francisco Ferraz Toledo é pesquisador de genética da Embrapa que trabalha junto à Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Valter Pecly Moreira representa o Brasil na Organização dos Estados Americanos e João Augusto de Médices comanda a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Francisco Thompson-Flôres está na Organização Mundial do Comércio.
Na área do Direito, alguns de nossos renomados juristas trabalham fora do país: João Grandino Rodas (Corte Jurídica Interamericana), Sílvia Steiner (Tribunal Penal Internacional), Antônio Cançado Trindade (Corte Interamericana de Direitos Humanos) e Francisco Rezek (Corte Internacional de Justiça, em Haia), entre outros.
Já nas missões de paz, desde 1947 milhares de militares arriscam suas vidas em campos hostis, abalados por guerra. A primeira missão foi nos Bálcãs, território que foi o berço da I Guerra Mundial e se tornou conhecido como o caldeirão do mundo, pela série de conflitos ocorridos durante o século XX. De lá para cá, soldados do Exército brasileiro já assistiram, e participaram, de importantes capítulos da história mundial.
Embaixadores do Mundo
Rubens Ricúpero ganhou popularidade no Brasil quando ocupou o Ministério da Fazenda, em 1994, nos primórdios do Plano Real. No mundo, esse funcionário do Itamaraty soube conciliar suas principais habilidades – a diplomacia e os números: desde 1995 ele está cedido para a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), onde é secretário-geral.
Aos 66 anos, ele disse à Agência Brasil que este será seu último posto em organismos internacionais. "Depois vou me aposentar", planeja. O segundo mandato à frente da agência das Nações Unidas teoricamente terminaria em setembro. "Eles me pediram para ficar mais um ano, para organizar de perto a Conferência que a Unctad fará em julho do ano que vem em São Paulo", conta.
Antes de chegar a secretário-geral da Unctad, Ricupero foi embaixador da ONU em Genebra, onde vive atualmente, e passou por diversos cargos dentro do GATT, acordo que mais tarde foi ampliado e virou a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Como todos os ocupantes de cargos gerenciais das agências da ONU são submetidos a eleição da Assembléia, Ricúpero considera a participação de brasileiros no alto escalão do organismo maior do que a de outros países do porte do Brasil. "A não ser no caso de nações como os Estados Unidos, que têm muita influência nas votações, não me lembro de qualquer outra que, como o Brasil, tinha dois de seus cidadãos em cargos-chave", sustenta.
Ricupero fala com carinho do trabalho do colega Sérgio Vieira de Mello. "Embora outros brasileiros tenham ocupado cargos importantes nas Nações Unidas, o Sérgio era único, porque ele provou, ao longo da carreira, que tinha vocação natural para pacificar nações e para formar governos democráticos", ressalta.
Para ele, Vieira de Mello era a grande promessa do país para chegar ao comando do organismo. "Sérgio era fortemente apoiado pelas cinco nações que têm assento no Conselho Permanente da ONU. Ele era consenso mundial e nome forte para assumir a Secretaria Geral da ONU", comenta Ricupero.
Outro embaixador que representa interesses multilaterais é João Augusto de Médicis, secretário-geral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa há um ano. Ele acredita que chefiar a comunidade – composta por Brasil, Angola, Portugal, Timor Leste, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe – é um dos maiores desafios da carreira de embaixador. "Vejo-me cidadão de oito países e ergo oito bandeiras, que na verdade são uma só, a da comunidade", costuma dizer.
Já Francisco Thompson-Flôres ocupa o cargo de diretor-geral adjunto da Organização Mundial do Comércio, a mais poderosa instância de trocas internacionais do mundo, onde o Brasil é um dos líderes na defesa das questões de países em desenvolvimento.
Thompson-Flôres, que ainda tem mais dois anos no cargo, tornou-se conhecido nos anos 80, quando participou ativamente da construção do Mercosul e atualmente ele defende a quebra do protecionismo dos países desenvolvidos para a produção agrícola, certamente o ponto de maior discórdia entre o Brasil e seus parceiros comerciais do hemisfério norte. Há um ano, quando assumiu o cargo, o embaixador defendeu que o país precisa alargar seus espaços em organismos internacionais para participar efetivamente das decisões internacionais.
Mulher na Justiça
A participação brasileira em organismos multilaterais, no entanto, não está restrita aos diplomatas e muito menos aos homens (embora a presença feminina ainda seja tímida). A desembargadora paulista Sylvia Steiner é uma das sete mulheres entre os 18 juristas que compõem o Tribunal Penal Internacional que julga, no quesito de crimes de guerra, violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada para fins de limpeza étnica, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual.
Sylvia é apontada pelos colegas de corte como uma especialista em Direitos Humanos e diretos da mulher e da criança. Além disso, ela se destaca pela experiência em leis penais internacionais. Indicada pelo Grupo de Países da América Latina e do Caribe, a juíza tem um mandato de nove anos à frente do tribunal. Todas as cortes permanentes internacionais têm juízes nascidos no Brasil, como Antonio Augusto Cançado Trindade (juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica), Francisco Rezek (na Corte Internacional de Justiça da Haia) e Vicente Marotta Rangel (do Tribunal Internacional para o Direito do Mar).
No Front
A toga e as boas maneiras de conduzir a diplomacia, contudo, não reduzem a atuação dos brasileiros no cenário internacional a salas com ar condicionado e tribunais suntuosos. Para as horas em que não basta uma assinatura para garantir a paz em territórios em guerra, o Exército Brasileiro e as polícias militares dos estados destacam seus melhores oficiais e soldados para representarem o Brasil na nobre causa.
A mais longa missão dos verde-oliva foi no Oriente Médio: durou dez anos (1957-1967) e envolveu 600 soldados, que se revezavam em equipes. A missão, conhecida como Unef (Forças de Emergência das Nações Unidas), supervisionava a retirada dos ingleses, franceses e israelenses que, na época, ocupavam a área do Sinai, no Egito.
Na década de 90, a maior presença do Exército brasileiro foi em países de língua portuguesa: na África, em Angola e Moçambique, principalmente. A última grande força de paz brasileira trabalhou no Timor Leste a partir de 1999, quando a administração transitória do país estava a cargo do também brasileiro Sérgio Vieira de Mello.