Caso dos meninos castrados no Pará pode ter ligação com episódios em Goiás, Maranhão e Paraná

30/08/2003 - 13h09

Belém, 30/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - Os três dias de julgamento do caso dos meninos emasculados em Altamira (PA) foram acompanhados por representantes do Ministério da Justiça, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e pela procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Maria Eliane Menezes. Eles recolheram informações e provas sobre outros 14 casos que não foram incluídos no processo e vão encaminhá-las ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça.

Segundo o assessor do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Douglas Martins, esse encaminhamento pode resultar em novas investigações e levar os casos a julgamento. O governo brasileiro responde por esses crimes na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), por causa das falhas na apuração e pelo descaso das autoridades com a série de assassinatos que ocorreram entre 1989 e 1993. Os crimes tinham como característica comum a crueldade e, principalmente, a castração das vítimas.

Na época em que surgiram os primeiros casos, a polícia local insistia na versão de que os crimes eram cometidos por uma única pessoa, chamada de "monstro de Altamira". Apesar de que um dos meninos atacados, logo no início, em 1990, ter afirmado às autoridades policiais ter visto mais de uma pessoa ao acordar após cortarem seus órgãos genitais.

Vários familiares de vítimas, presentes ao julgamento de Amaílton Gomes e Carlos Alberto Santos, contaram que eram recebidos com hostilidade na delegacia quando iam registrar o desaparecimento das crianças. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Raimundo Silva. Pai de duas vítimas, uma sobrevivente e outra que continua desaparecida, ele chegou a ser acusado por policiais de não saber cuidar das crianças.

Das 19 crianças vítimas, sobreviventes ou não, apenas sete inquéritos policiais foram abertos e apenas um chegou a ser concluído. Foi o de Jaenes da Silva Pessoa, castrado e morto aos 13 anos, em 1992. O corpo de outra vítima, encontrada 46 dias após seu desaparecimento, foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) de Belém, de onde desapareceu antes que o exame cadavérico fosse feito.

De acordo com o ouvidor da SEDH, Pedro Montenegro, com as novas investigações podem surgir novos casos e envolvidos. Um dos réus, o ex-policial militar Carlos Alberto Santos, disse em seu depoimento na polícia que teria ouvido a mãe de Amaílton dizer que "se o filho caísse, muita gente grande cairia junto".

A suspeita é que as execuções em Altamira possam ter ligações com as ocorridas em outros estados, como Maranhão, Paraná e Goiás. "A característica do crime demonstra que há uma atividade permanente e que há uma associação para o crime. Os traços das práticas em Altamira surgem também em outros estados", disse Martins.

No estado maranhense, foram registradas 22 execuções muito semelhantes com as de Altamira. As emasculações no Maranhão começaram em 1993, justamente quando os casos no município paraense - por já terem ganhado repercussão - começaram a diminuir. A mulher considerada líder da seita Lineamento Universal Superior (LUS), Valentina de Andrade, que estaria por trás dos rituais em que se usava os órgãos genitais dos meninos, foi acusada no Paraná de envolvimento no desaparecimento de crianças.

De acordo com a procuradora Maria Eliane, as novas investigações devem acontecer num esquema de colaboração entre a Polícia Federal e as polícias estaduais para agilizar os trabalhos. Com isso, ela espera que mais dois casos ocorridos em Altamira e que não foram incluídos por má vontade de autoridades resulte em um novo processo. "A reabertura das investigações servirá também para fazer as investigações dos casos dos que ficaram desaparecidos, em que não foram tomadas nenhuma providência", acrescentou Maria Eliane.