Litoral sofre com poluição ''silenciosa''

29/08/2003 - 18h23

Brasília, 29/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - Um dos maiores atrativos turísticos do país - o litoral - está ameaçado. Os ambientes marinhos não são afetados apenas por vazamento de petróleo e lançamento de esgoto. Os cascos de navios, por exemplo, costumam ser recobertos por substâncias venenosas. Elas são aplicadas visando impedir a formação de uma película de organismos vivos que cresce aderida ao casco das embarcações e é indesejável para o transporte marítimo, pois aumenta o atrito com a água reduzindo a velocidade. Segundo pesquisa coordenada pelo professor Marcos Antônio Fernandez, do departamento de Oceanografia e Hidrologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), "os efeitos dessas substâncias no ecossistema marinho são terríveis".

Os problemas crônicos causados por certos produtos, como esses usados no casco dos navios, não chamam a atenção da sociedade. Em geral, só a poluição marinha aguda - caracterizada por uma toxicidade elevada, porém rápida - desperta preocupação nas pessoas, porque acarreta a morte de muitos peixes e de outros organismos. No entanto, nem sempre os danos ambientais são tão óbvios.

No caso da poluição marinha crônica - que corresponde a uma toxicidade mais baixa e prolongada -, os animais passam a crescer menos e a ter dificuldades de reprodução e de descolamento. A ação humana interfere no mecanismo de seleção natural, porque, com o passar do tempo, as espécies mais resistentes aumentam o tamanho de sua população, enquanto as mais suscetíveis podem desaparecer. Embora a morte dos organismos não seja visível, o ecossistema está sendo silenciosamente alterado. Fernandez compara a poluição crônica ao cigarro: "já foi comprovado que a nicotina pode produzir um câncer, mas o fumante nem liga, porque a toxicidade não se manifesta em curto prazo".

No Rio, o monitoramento do ecossistema marinho deveria ser feito pela Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), mas, sem verbas, esse órgão não consegue cumprir todas as suas atribuições. A poluição marinha pode ser avaliada diretamente, por meio da dosagem de substâncias tóxicas na água, ou indiretamente, pela análise dos estresses biológicos provocados pelos poluentes. Para conhecer esses estresses, é necessário comparar uma área preservada com aquela sob suspeita de contaminação.

No entanto, como a pesquisa básica no Rio e no resto do país tem sérias deficiências, não existem dados suficientes sobre as populações naturais de cada região do litoral. Sem essas informações, se torna quase impossível avaliar de forma precisa os impactos da ação humana no ecossistema marinho. As universidades, sobretudo as públicas, até tentam suprir essa carência de dados. De acordo com Fernandez, "trata-se de um esforço heróico, mas desencontrado, pois cada instituição usa o método que quer para estudar espécies diferentes em épocas do ano também distintas, o que impede a comparação dos resultados".

Para o professor, aos problemas de monitoramento do ecossistema marinho somam-se as falhas existentes na legislação ambiental. À primeira vista, as leis parecem perfeitas, mas um exame mais cuidadoso revela que elas não são realistas. Sem recursos para fazer pesquisa básica, as autoridades criaram leis que, em parte, se baseiam na experiência e no conhecimento dos países desenvolvidos. "O problema é que as espécies marinhas da zona temperada são diferentes das da zona tropical e, conseqüentemente, esses dois grupos de organismos reagem aos poluentes também de formas distintas. Assim, fica difícil avaliar a toxicidade de uma substância para uma espécie brasileira tendo como referência organismos que nem existem aqui", diz Fernandez. Na sua opinião, além da discrepância de espécies, a legislação tem outro problema ainda mais grave: seu cumprimento não é efetivamente fiscalizado. "As leis precisam ser aperfeiçoadas, mas, acima de tudo, elas têm que ser postas em prática."

Enquanto as discussões sobre poluição marinha ficam restritas às universidades, a degradação do meio ambiente avança a passos largos. Fernandez lamenta o pouco contato entre os pesquisadores e a sociedade. "Estreitar esse vínculo é fundamental, até porque a poluição marinha não vai ser resolvida apenas pelos especialistas e técnicos: sem a participação da comunidade, não vamos chegar a nenhum lugar. Acredito que os jornalistas, grandes formadores de opinião, deveriam se empenhar mais em divulgar essas questões ambientais." (Agência de Notícias Científicas - Uerj)