Brasília, 20/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - Em maio de 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso editou a Medida Provisória 2.027-38, que impede a vistoria e a desapropriação de propriedade rural nos dois anos seguintes ao registro de sua ocupação. A medida também exclui do Programa de Reforma Agrária do governo federal quem participar de conflito fundiário ou de invasão de prédio público. O objetivo da medida era inibir as ocupações dos movimentos sociais rurais. Em 1999, trabalhadores rurais ocuparam 502 fazendas. No ano seguinte, o da edição da MP, foram 236 ocupações.
Segundo levantamento divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário na sexta (15), em 1995, aconteceram 145 ocupações de terra por movimentos sociais no país. Em 1996, já eram 397. Em 1997, 455 e, em 1998, 446. Nos três anos seguintes ao pico de 1999, quando se registraram 502 ocupações, os índices passaram a cair. Reduziram-se para 236, em 2000, 158, em 2001, e 103, em 2002. Já em 2003, de janeiro a 10 de agosto deste ano, foram contabilizadas 171 ocupações. A região mais afetada nos primeiros seis meses foi o Nordeste, com 75 casos. Desse total, 55 aconteceram em Pernambuco.
Bernardo Mançano, geógrafo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do campus de Presidente Prudente - uma das maiores cidades do Pontal do Paranapanema, região do oeste paulista onde há altos índices de ocupações -, não considera que tenha havido crescimento das ocupações neste primeiro semestre. De acordo com Mançano, que organiza o Dataluta - Banco de Dados da Luta pela Terra -, a realidade vivida pelo governo Lula não é diferente da que outros governos tiveram que enfrentar. "Não houve aumento de ocupações, mas um acúmulo vindo de outros anos", explicou.
Para Mançano, a medida provisória de 2000 conseguiu diminuir as ocupações, mas gerou outro problema: criminalizou a luta pela terra. Dados do Dataluta indicam que, em 2002, 80 lideranças do MST foram presas. Para Mançano, as prisões "represaram a luta" e provocaram mais acirramento da questão. "Quanto mais se prendia, mais famílias montavam acampamentos", ressaltou.
No governo passado, 640 mil famílias foram assentadas no Brasil. Esses três milhões de pessoas se instalaram em 20 milhões de hectares de terra desapropriados. Bernardo Mançano diz que o legado deixado pelo governo anterior deve ser visto com ressalvas. Ele reconhece que o governo FH foi o que mais assentou acampados no país, mas lembra que a ação não acabou com a "luta pela posse da terra". "Eles assentaram, mas não construíram uma estrutura fundiária", disse. Segundo Mançano, falta assistência técnica e crédito para os pequenos agricultores assentados produzirem.
Quanto à concentração de terras, o saldo também não trouxe boas notícias, segundo Mançano. Em oito anos, 20 milhões de hectares foram desapropriados para assentar famílias de pequenos agricultores. Apesar dos números grandiosos, a terra permaneceu sob o comando de poucos. "Para cada hectare desapropriado, dois foram concentrados. No final das contas, o latifúndio ganhou 40 milhões de hectares", explicou Mançano.
O professor acredita que o atual governo consiga resultados positivos em relação à questão agrária. Mas lembra que a peça fundamental para a reforma agrária é a estrutura fundiária organizada, que dê condições de sobrevivência as famílias.