Seridó tem a sopa no mel contra a miséria

17/08/2003 - 11h26

Jardim do Seridó (RN), 17/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - Já na entrada da cidade, uma fila danada, solzão morrendo, o fotógrafo doido por uma boa imagem, corre, rapaz. Todo mundo de bacia ou panela na mão. Mulheres muitas, poucos homens. Sopa da Prefeitura para aplacar a fome ou a necessidade de correr desesperadamente atrás do alimento todo dia, o que acaba por não deixar tempo para cuidar da vida, dos meninos, da beleza, unhas, pés-de-galinha de tanta preocupação de poleiros sem fim. O sol morre ligeiro, aí já é tarde, a prosa da calçada ainda rivaliza com o ibope das novelas, o alto-falante da igreja reza o terço, os evangélicos, filhos de Deus, também cuidam de suas almas.

Como Acari e todas as belezas do sertão do Seridó, Jardim é limpa, limpinha, nenhum cisco nas ruas. Ainda no começo dos anos 40, o escritor paulista Mario de Andrade passou por lá, viagem para escrever "O Turista Aprendiz", e disse assim: "Uma cidadinha de Tarsila (do Amaral, pintora), toda colorida limpa e reta. Catita por demais, lembrando Araraquara por isso. Cidade pra inglês ver. Mas não tem dúvida que é um dos momentos de cor mais lindos que já tive neste aprendizado pra turista".

Cerca de duas mil pessoas se abastecem da sustança da sopa de verdura e carne _ com variações _ no município. Três vezes por semana. Um alívio para o bolso e principalmente para o juízo. A preocupação com o "de comer" endoida sertões adentro. Por isso que Jardim do Seridó está na rota do Programa Fome Zero, cartão alimentação e ações ligadas ao trabalho que vão enriquecer o sopão local.

"Sabe quantas pessoas ‘tão’ esperando lá em casa por essa sustança? Oito. Bota aí, escreva aí mesmo, oito", diz a mãe-de-família Gisalda Alves, oito bocas para alimentar. Pega a sopa, amarra em uma vasilha no bagageiro de uma bicicleta e vai. "Só não pega quem esconde a sua pobreza, quer inventar que é rico e num precisa. Depois a tripa ronca de noite", fala sobre a cerimônia de alguns moradores do município.

Muito antes do sopão, o agricultor Ezequiel Roberto de Macedo, 29 anos, havia posto o Seridó no mapa das boas invenções do país. É um criador de espécies nativas de abelhas que geram renda e ajudam a recuperar a caatinga estragada _ aquele mundo caminha para a desertificação, como boa parte do Nordeste. Criador de abelhas que não ferroam, todas de origem brasileira, o rapaz é zeloso como havia dito Mario de Andrade sobre o mundo Seridó. Vem gente de tudo quanto é canto desse mundo estudar a sua criação, em um sítio que mantém a flora da caatinga _ com suas imburanas-de-cheiro, juremas e cactos _ e serve de laboratório para professores de universidades, como a USP, e visitantes de todos os rincões.

Ezequiel enfrenta secas brabas, desde a adolescência, mas não abre mão de uma apicultura diferenciada. Em vez de explorar simplesmente a produção do mel, uma das boas alternativas da nação semi-árida para conviver com a estiagem, prefere cultivar colméias. O seu sítio é um zumbido só em caixinhas tantas. Vende abelhas para tudo quanto é canto desse mundo. Costuma cuidar das abelhas com instrumentos _ colheres, garfos, etc _ de ouro. É o suficiente para que a lenda local diga que se trata de um abençoado que encontrou uma botija (tesouros misteriosos enterrados pelos mais antigos) e se deu bem. "O povo conversa demais", diz. "Eu faço muito é trabalhar e confiar nas minhas abelhas".

(Xico Sá)