Brasília, 17/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - O grande problema que o Brasil tem pela frente para garantir à sua população o direito ao desenvolvimento é o controle das despesas, de forma a não gastar mais do que arrecada. Mas a tarefa de equilibrar o déficit público, por si só não basta - o equilíbrio fiscal deve vir necessariamente atrelado à melhoria dos indicadores sociais. O combate à fome, a melhoria da educação, o acesso à saúde para toda a população e, ainda, a propriedade da terra aos que querem dela viver, são apenas algumas das metas que o governo tem que se empenhar para garantir aos cidadãos brasileiros. Por trás de tudo - como pano de fundo - existe no Brasil a necessidade premente de maior distribuição de renda. Essas recomendações foram feitas a autoridades brasileiras pelo perito da Comissão dos Direitos Humanos sobre o Direito ao Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, professor Arjun Sengupta, que durante toda a última semana esteve no Brasil em viagem de inspeção.
Em entrevista coletiva no Itamaraty, ele explicou que a base do direito ao desenvolvimento está calcada na erradicação da pobreza; geração de renda; democracia e participação; preservação do meio ambiente e atendimento à mulher, à criança e ao adolescente. E mais: todas essas metas devem ser buscadas, sem deixar de lado o ajuste das contas públicas, o crescimento econômico e a transparência de suas ações. É um desafio, considerou Arjun. Mas, se esforçando para conseguir tudo isso - quer dizer, fazendo o dever de casa - os governos desses países "têm uma válvula de segurança". Segundo o professor, eles podem exigir ajuda dos governos mais ricos do mundo, assim como das agências e instituições internacionais, para cumprir todas essas metas. "Isso porque a comunidade internacional, formada de signatários de tratados da ONU, tem firmado acordos que exigem o cumprimento desses compromissos. As agências multilaterais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e os governos dos países mais ricos do mundo têm essa responsabilidade", observou.
A Experiência Brasil
"O esforço que o governo Lula tem feito desde que assumiu para combinar democracia, direitos sociais e progresso econômico é um exemplo perfeito de uma tentativa para garantir direito ao desenvolvimento à sua população", avaliou. Para Sengupta, se a gestão Lula for bem sucedida, ela representará uma mudança não apenas nas condições sociais brasileiras, mas também no paradigma de direitos ao desenvolvimento em todo o mundo. Por isso o interesse que a experiência brasileira tem despertado na comunidade internacional, enfatizou.
Ele considerou que o déficit brasileiro nas áreas econômica e social são "em grande parte herança de uma imensa dívida pública e estrutural que o país vem recebendo governo a governo, ao longo dos anos. "Mas, se esses problemas não forem encaminhados de forma satisfatória agora, todos avanços da área dos direitos humanos – como democracia, liberdade de expressão e participação social - estarão ameaçados", advertiu. De acordo com o professor Segunpta, levando-se em conta o pode verificar nas diversas visitas feitas a autoridades do país, é possível exigir "tratamento especial em relação à dívida externa, abertura dos mercados e ainda outras vantagens".
No Brasil, Arjun Sengupta reuniu-se com os ministros das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim; da Justiça, Márcio Thomaz Bastos; da Saúde, Humberto Costa; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan; do Trabalho e Emprego, Jacques Wagner; da Assistência e Promoção Social, Benedita da Silva, com vários secretários ministeriais, e ainda, com representantes no Brasil do PNUD, FAO, Unicef, Unesco, Bndes, Cepal, OMS, entre outros. O secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, esteve com Arjun Segunpta em vários desses encontros. Na quinta-feira, o secretário ofereceu ao professor um almoço, ocasião em que forneceu várias informações sobre a situação brasileira. Segundo Nilmário Miranda, ele informou a Sengupta que no Brasil não há mais pessoa alguma presa em razão de seu pensamento ou sua ideologia. Todos podem escolher seus partidos e votar livremente. Em tese, todos tem direito à defesa e os tribunais são públicos. Todas podem se organizar e se reunir pacificamente. "O problema do Brasil são os direitos econômicos, sociais e culturais. Estão bem atrasados e isso torna o país injusto e desigual", admitiu o secretário à Agência Brasil.
Direitos Humanos e Direito ao Desenvolvimento
Nilmário Miranda confrontou as várias discrepâncias vividas por grande parte da população brasileira. De acordo com ele, "nada adianta para os miseráveis o direito ao voto, e o expressar suas opiniões e no momento seguinte não ter o que comer, não ter casa e trabalho'. Para o secretário, o direito ao desenvolvimento é fundamental: é ele que equipara a importância dos direitos civis e políticos aos direitos econômicos, sociais e culturais. Na entrevista, o secretário indagou indignado: "Podemos aceitar com tranqüilidade o fato de 40 milhões de pessoas estar fora da Previdência? Não. Que há mais de dois milhões de crianças estejam fora da escola? De forma alguma. Que há cinco milhões de pessoas no Brasil que sequer têm o registro civil de nascimento? Sem direito de usar nome e sobrenome? Também não. Que existe cem mil crianças exploradas sexualmente?".
A Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas promulgada em 1948 não fazia distinção entre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Todos eles estavam lançados em um arcabouço comum. Alguns anos depois, com o mundo dividido entre países comunistas e capitalistas, havia aqueles que privilegiaram os direitos igualitários e negaram os direitos democráticos e os que faziam o inverso. Privilegiavam os direitos democráticos e subestimaram os direitos econômicos, sociais e culturais. No final dos anos oitenta, a dissolução da União Soviética, levou por terra também essa dicotomia. Em 1993, durante a realização da Conferência Mundial de Viena, foi postulado o óbvio: os direitos humanos são inseparáveis dos direitos ao desenvolvimento, mesmo porque a pessoa humana é indivisível. Aqui no Brasil, a Constituição de 1988 foi o marco inicial para o levantamento dessas questões, que inicialmente não foram levadas muito a sério. "Mas agora, com o advento do governo Lula, elas estarão sempre sendo levadas em conta", afirmou Nilmário. Tanto ele quanto Sengupta se mostraram convictos que o presidente está se esforçando para atender a população brasileira em todos esses direitos. Ambos esperam que o Brasil avance na conquista do direito ao desenvolvimento aliado às conquistas democráticas.
A Missão de Sengupta Pelo Mundo
O Professor Sengupta tem apresentado, desde que assumiu o cargo na ONU em 1999, contribuições significativas para a definição do conceito e do conteúdo do direito ao desenvolvimento. É um estudioso do assunto. Na sua tese de direito ao desenvolvimento, os indicadores sociais se tornam direitos concretos e com isso "as pessoas podem exigir dos seus governos cumprimento dos seus direitos, pelo simples fato de serem cidadãos de um país. E os governos têm que responder a essas demandas". Em suas inspeções, em vários países do mundo, sua missão é a de verificar o atendimento aos reclames da população com a implementação de ações concretas. E se constatar que os governos estão de fato se empenhando para cumprir suas obrigações, recomenda a busca de auxílio.
No ano passado, o professor realizou inspeções no Chile e na Argentina. Ele avaliou que o Chile é um exemplo de experiência bem sucedida do ponto de vista dos indicadores econômicos básicos. "Mas existem alguns problemas nos aspectos dos direitos econômicos, especialmente na melhoria da distribuição de renda", afirmou. Sobre a Argentina, Sengupta demonstrou bastante decepcionado. "A situação dos argentinos é exemplo de fracasso dentro do conceito de direito ao desenvolvimento. O resultado disso foi a grave crise que viveu, junto a violação dos direitos humanos", disse. Ele afirmou que a pobreza na Argentina, de 19% da população passou para 59%.
Contudo, essas avaliações ainda serão discutidas em detalhes, assim como a do Brasil, na reunião de grupos de trabalhos da Comissão dos Direitos ao Desenvolvimento que será realizada em Genebra, no início do próximo ano. Os relatórios finais e conclusivos somente serão divulgados em abril de 2004. Está prevista uma ida à Bolívia ainda este ano. No próximo mês, Sengupta estará na África para visitar Uganda, Gana e Mali. O perito da ONU já exerceu em seu país, a Índia, o cargo de secretário da Comissão de Planejamento do Governo. Cumpriu a missão de embaixador indiano junto às Comunidades Européias e atuou como assessor especial do diretor administrativo do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele afirmou que a Índia vê com extrema expectativa o que está acontecendo no Brasil e que "todos torcem desesperadamente" para que as promessas do governo sejam realizadas para servir de exemplo a vários países do mundo. Para ele, os rumos apontados pelo governo brasileiro são o caminho para os graves problemas da humanidade como a fome, a miséria, o analfabetismo, a exclusão social, a escravidão, o trabalho infantil, a discriminação e os preconceitos. "Então o Brasil é a esperança do mundo inteiro. É avançar nesse caminho de buscas de políticas igualitárias ao lado de políticas libertárias", almejou.
A visita de Arjun Sengupta ao Brasil foi realizada no contexto do convite feito pelo governo brasileiro a todos os relatores da OEA e da ONU. De acordo com Nilmário Miranda, todos foram convidados a vir o País na hora que lhes conviesse. "Nossas portas estão abertas, nosso país é transparente. Não escondemos os nossos problemas, de pobreza, de analfabetismo, miséria, de violência e de larga criminalidade", afirmou. O secretário avaliou que para enfrentar todos esses problemas é fundamental inicialmente reconhê-los. "E por isso a presença do professor Sengupta no Brasil é bem-vinda. Suas recomendações, conselhos serão atentamente analisados. Nós vamos escolher nosso próprio caminho, mas aceitamos os palpites de quem se dedica ao direito dos cidadãos ao desenvolvimento humano, econômico e social", conclui.