Brasília, 15/08/2003 (Agência Brasil-ABr) - O secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Álvaro Sólon de França, ressaltou a necessidade de inclusão no sistema, em artigo divulgado hoje, pelo ministério.
O Dilema dos Sem-Previdência
Cravada na divisa do Piauí com a Bahia, Dirceu Arcoverde é o espelho de pequenas cidades do interior que dependem da Previdência Social para garantir qualidade mínima de vida à população. O vilarejo nasceu em 1880 sob o nome de Bom Jardim. Ingressou no século XXI rebatizado, como um município de mil metros quadrados onde 6,4 mil pessoas espremem-se em meio à caatinga. No ano passado, o pagamento de benefícios na cidadezinha alcançou R$ 1.120.412,53. As contribuições, por sua vez, não ultrapassaram minguados R$ 1.472,12. Quisesse cobrir o repasse previdenciário, Dirceu Arcoverde teria de acumular 761 anos e alguns meses de arrecadação. Fica a pergunta: o que seria dos brasileiros, especialmente dos menos afortunados, sem os recursos da Previdência Social? É hora de a sociedade, legítima proprietária do sistema, preocupar-se com a resposta.
Religiosamente, mais de 21 milhões de cidadãos recebem a cada mês aposentadorias e pensões. Outros 41 milhões vivem sem proteção social. Não possuem qualquer vínculo com a Previdência. São empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria e empregadores (que muitas vezes têm seus próprios empregados registrados), entre outras distorções.
No papel são apenas números usados para dimensionar o problema social que bate à nossa porta. Fora dele, transformam-se em milhões de brasileiros e brasileiras sem os mais comezinhos direitos sociais, marginalizados, excluídos, abandonados. Para os afeitos à linguagem econômica reducionista e empolada das cartilhas neoliberais, vale a lembrança de que, frente a possíveis dificuldades, esses cidadãos pressionarão as contas públicas dos municípios, dos Estados e da União.
Tantas estatísticas servem para mostrar de maneira cristalina a nossa estratificada e perversa distribuição de renda. Os excluídos são as pessoas que, pela fragilidade de sua condição econômica, mais necessitam de proteção social. Estão, contudo, jogadas ao desabrigo dos direitos elementares da dignidade humana — ao contrário dos trabalhadores do campo segurados, por exemplo. O uso de dinheiro público para a previdência rural garante a melhoria nas condições de vida de população afastadas dos grandes centros, ao passo que impede a barbárie social. Em 2002, foram pagos em torno de 6,87 milhões de benefícios rurais, correspondentes a R$ 18,5 bilhões. Indiretamente, 24 milhões de pessoas foram beneficiadas. O valor dos benefícios é pequeno, em média R$ 240, mas serve ao orçamento doméstico, à economia local e, principalmente, à dignidade dos segurados.
A vontade de consolidar uma estrutura igualitária, na qual todos tenham garantidos seus direitos mínimos, está expressa na proposta de reforma da Previdência. O texto prevê uma lei para criar um sistema especial de inclusão para trabalhadores de baixa renda, dando a eles certeza de receber benefícios iguais a um salário mínimo. É imprescindível que a discussão acerca dos sem-previdência, porém, não seja contaminado por nefelibatas ou entre para a vala comum dos embates ideológicos, sob pena de a exclusão aumentar. Sem estabilidade social, sem justiça orçamentária, sem tentar dirimir problemas futuros o mais rápido possível, pouco adiantarão nossos esforços para sedimentar a estabilidade econômica. Além de vê-la transfigurada em cinzas na primeira reviravolta dos mercados financeiros, perderemos nossa maior conquista, a democracia. O compromisso do Ministério da Previdência Social, portanto, é com a ação.