Brasília, 14/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - O complexo industrial da Kraft Foods Brasil, subsidiária da Kraft Foods Inc. (Grupo Phillip Morris), inaugurado nesta quinta-feira (14) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Curitiba, é resultado da transferência, nos últimos três anos, de duas fábricas da Lacta (marca pertencente à Kraft) de São Paulo. Na época, a operação, que resultou da guerra fiscal entre os dois Estados, deixou como efeito colateral a demissão de 3 mil trabalhadores paulistas.
A unidade da Kraft em Curitiba, no bairro de Cidade Industrial, é hoje responsável por toda a produção de chocolates, bebidas em pó e queijo cremoso da empresa no Brasil. Recebeu investimentos de mais de US$ 120 milhões desde a transferência, em 2000.
Cerca de três mil funcionários das unidades da Lacta nos bairros paulistanos de Pinheiros e Brooklin perderam o emprego com a mudança, segundo estima o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de São Paulo, Salvador Pinheiro. Ele relata que a justificativa dada aos empregados na época foi que as unidades em São Paulo não tinham capacidade de produção.
"Nossa maior empresa era a Lacta", diz, lembrando que a empresa empregava cerca de cinco mil funcionários na Grande São Paulo. Os funcionários demitidos receberam todos os direitos trabalhistas, curso de requalificação no Senai e assistência médica por seis meses paga pela empresa. A base do sindicato, segundo Salvador, caiu de 100 mil trabalhadores em 98 para 40 mil neste ano. "São Paulo está perdendo muitas fábricas grandes para outros estados e para o interior", diz.
A Kraft Foods Brasil é uma das maiores empresas de alimentos do país - subsidiária da Kraft Foods Inc., a maior companhia de alimentos dos EUA e a segunda no mundo, com 100 anos de existência. São cerca de 200 fábricas distribuídas em mais de 150 países. Sua sede fica em Curitiba, mas, em todo o Brasil, outras 11 unidades mantêm mais de dez mil empregados.
O Estado do Paraná confirmou ter dado incentivos indiretos para a reativação da unidade da Kraft em Curitiba, por meio do programa "Paraná Mais Empresas" (na gestão atual, substituído pelo "Bom Emprego"). Outras indústrias beneficiadas por esse projeto foram Volkswagen/Audi, Renault e Chrysler. O incentivo consiste na dilatação de prazo para recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) gerado. Concedeu-se um prazo de 48 meses para o pagamento de 80% do ICMS do período de 2001 a 2005. Esse porcentual permanece em 80% no período de 2005 a 2007 e reduz-se para 50% de 2007 a 2017. Segundo dados do governo do Estado, o limite do benefício (montante das parcelas com prazo dilatado) é o equivalente a 2,5 vezes o montante do investimento.
Outras medidas de incentivo do governo do Paraná foram gestões quanto ao suprimento de energia elétrica e gás natural, implantação de linhas de transporte coletivo utilizadas pelos funcionários e visitantes e atendimento agilizado dos serviços de coleta de lixo e de limpeza pública.
A assessoria da empresa nega que a mudança tenha ocorrido em virtude de incentivos fiscais. Segundo o governo do Estado, o Paraná foi escolhido após estudos e análise sobre recursos, capacidade e potencialidades técnicas, econômicas, regionais e mercadológicas.
De acordo com o secretário da Indústria, Comércio e Assuntos do Mercosul do Estado do Paraná, Luiz Guilherme Mussi, como contrapartida, a empresa se comprometeu a gerar 4 mil empregos diretos e cerca de 10 mil empregos indiretos.
São Paulo reage
O secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Eduardo Guardia, diz que o estado tem sofrido com a guerra fiscal. "Diversos estados ainda estão concedendo incentivos e isso tem levado empresas para fora de São Paulo", afirma.
Como relação à evasão de fábricas, o governo paulista passou a cobrar o valor total do ICMS dos distribuidores de produtos fabricados por empresas que recebem incentivos fiscais de outros estados. A medida é prevista na lei complementar que regulamenta a concessão de incentivos. Os compradores de produtos que são produzidos em outros estados teriam direito a pagar somente a diferença do que foi recolhido de ICMS no estado de origem sobre o valor agregado para revenda. Como os fabricantes não recolhem o imposto por ter incentivo fiscal, os distribuidores passariam a ter que pagar o valor total do imposto.
Para driblar a medida, segundo fontes do governo paulista, as empresas costumam fechar suas linhas de produção em São Paulo, mas manter um escritório de representação. Assim, legalmente, elas não abandonaram o estado e podem escapar das sanções. Para o secretário da Fazenda, a guerra fiscal não é transparente e não há sequer dados consolidados no país para mostrar seus efeitos nos estados. "Essa é uma das características da guerra fiscal" diz. "É uma forma de se alocar recursos públicos com muito pouca transparência".
Segundo Eduardo Guardia, o governo paulista está atento para reagir caso alguma alteração do texto da reforma tributária que o governo federal enviou ao Congresso crie condições para a sua continuidade. "Em determinado momento da tramitação da reforma, percebemos algumas emendas no sentido de se perpetuar a guerra fiscal", diz. "Temos uma posição muito clara. Vamos lutar para que se elimine definitivamente a guerra fiscal."
Lúcia Nórcio, de Curitiba
Liésio Pereira, de São Paulo