Brasília, 12/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - O mundo deve decidir até 2004 novas medidas para evitar mais um problema decorrente do processo de globalização. A intensificação do fluxo de mercadorias e pessoas dos últimos anos já produziu ameaças à saúde pública como a Sars - epidemia de pneumonia atípica iniciada na Ásia que, em poucos meses, atingiu dezenas de países e deixou centenas de mortos.
Agora, os países estudam novas medidas para controlar as contaminações e invasões decorrentes da água levada no porão dos navios como lastro. O Ministério do Meio Ambiente estima que, todos os dias, cerca de 7 mil espécies, desde pequenos invertebrados marinhos até bactérias como a da cólera, viajam pelo mundo de carona nessa água.
O material utilizado para dar peso e manter a estabilidade dos navios é chamado de lastro. Durante muitos séculos, eram usadas pedras. Atualmente, os navios utilizam água como lastro. A vantagem é a facilidade de carregar e descarregar um navio, além da economia. Os tanques das embarcações recebem a água para manter estabilidade quando estão vazias. Quando o navio é carregado, a água é lançada ao mar.
Mas, essa facilidade pode custar bilhões de dólares às nações devido a ameaças sanitárias, ecológicas e econômicas. A água de lastro leva de um país para outro espécies que interferem em ecossistemas desconhecidos. De pequenos invertebrados até bactérias, são milhares de espécies. Quando o organismo não é destruído ao longo da viagem, pode estabelecer uma população reprodutora no ambiente hospedeiro. Sem competidores naturais, multiplica-se desordenadamente.
"Para alguns técnicos, o problema é irreversível", afirma o assessor do Programa de Gerenciamento Ambiental e Territorial do ministério do Meio Ambiente, Robson Calixto. Para ele, pode-se gerenciar e controlar o risco, mas a erradicação "é difícil".
Com o objetivo de discutir soluções para amenizar o impacto da água de lastro, o Brasil discute a questão, há cerca de dez anos, no âmbito do Comitê de Proteção do Ambiente Marinho da Organização Marítima Internacional (OMI), ligada às Nações Unidas.
Na última reunião, realizada em Nova York (EUA), no mês passado, os países membros do comitê aprovaram uma minuta com medidas para regulamentar o transporte marítimo. O objetivo da minuta, a ser votada em fevereiro de 2004, numa conferência em Londres, é garantir segurança e preservação dos oceanos. Os países deverão se comprometer com medidas de controle das espécies exóticas e o tratamento da água de lastro.
De acordo com Calixto, a minuta obriga os navios a trocar a água de lastro a mais de 200 km da costa. O documento também exige das embarcações a utilização de equipamentos e produtos químicos para evitar a transferência das espécies. A tendência mundial, explica o assessor, é aperfeiçoar o método de tratamento do lastro, enquanto os países discutem o desenvolvimento de tecnologias para evitar a invasão de espécies exóticas.
Prejuízo importado
O mexilhão dourado, originário do sudeste asiático, chegou ao Brasil via água de lastro há cerca de cinco anos. Instalou-se em uma vasta região do Centro-Sul. No Lago do Guaíba (RS), o molusco mudou a rotina dos pescadores. A espécie rasga as redes, entope os aparelhos e causa prejuízos para os pescadores. Na usina de Itaipu, no Paraná, o mexilhão "grudou" nas turbinas e invadiu filtros da hidrelétrica. A espécie, considerada voraz e agressiva, também interfere na reprodução das espécies nativas. No Pantanal Matogrossense, o mexilhão dourado tem sido encontrado na barriga de peixes.
No Brasil, existem mais de dez casos como esse. As espécies são trazidas para a costa brasileira principalmente pela frota petroleira que busca óleo no Oriente Médio. O movimento contrário também acontece: os navios que deixam nossos portos carregam organismos exóticos para outros países. Na década de 80, no Mar Negro - grande lago entre Europa e Ásia - foi introduzida assim a nossa "carambola do mar", uma espécie de água-viva. A invasão diminuiu a densidade de peixes na região e causou perda significativa na atividade pesqueira. Nos Estados Unidos, um mexilhão europeu infestou vias navegáveis. Quase US$ 1 bilhão foram gastos para controlar a infestação. Na Austrália, uma alga exótica expulsou comunidades nativas do solo oceânico.
Além do impacto ambiental, a água de lastro também pode causar problemas à saúde humana. De acordo com o gerente de Portos, Aeroportos e Fronteiras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Daniel Menucci, a água de lastro é um dos componentes da vigilância ambiental em saúde para o controle do cólera em áreas portuárias. Segundo ele, a agência mantém 150 funcionários em 40 portos no monitoramento e controle das embarcações. Nas áreas portuárias, resolução da Agência exige a apresentação, por todas as embarcações, de um formulário de gerenciamento da água de lastro. No documento, devem constar dados sobre onde foi coletada a água de lastro e realizada a troca, bem como a capacidade dos tanques.
Menucci lembra que a Anvisa desenvolve pesquisa para identificar o risco de proliferação do vibrião do cólera em áreas portuárias. O estudo é realizado em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e financiado pela OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde. Na primeira etapa, realizada em 2000, em nove portos, colheram-se 99 amostras em 99 embarcações. Em sete amostras foram identificados traços da bactéria. Destas, duas eram patogênicas, ou seja, tinham potencial para desencadear uma epidemia. A pesquisa agora tenta identificar a origem do vibrião, por meio de análise biomolecular.