Brasília, 12/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - Depois de 93 anos, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados declara hoje anistia "post mortem" a João Cândido e a todos os marinheiros que participaram da Revolta da Chibata. O Projeto de Lei 7198/02 foi
publicado pelo Senado Federal em 30 de agosto do ano passado. A anistia produzirá todos os seus efeitos, incluindo as promoções a que teriam direito os beneficiados, se tivessem permanecido em serviço ativo, e a pensão por morte. A matéria recebeu parecer favorável do relator, deputado Bispo Rodrigues (PL-RJ), e será votada hoje, às 15 horas, no Plenário I do Anexo II da Câmara dos Deputados.
João Cândido Felisberto nasceu em Encruzilhada (RS), em 1880. Filho de ex-escravos, entrou para a Marinha Brasileira em 1894, aos 14 anos — época em que as Forças Armadas aceitavam menores e a corporação, em particular, recrutava-os junto à polícia. Este não foi o caso de João
Cândido. Recomendado por um almirante, que se tornara seu protetor, logo despontava como líder e interlocutor dos marujos junto aos oficiais. Como marinheiro de 1ª classe, seguiu para a Europa, onde assistiu ao final da construção do encouraçado Minas Gerais. Na viagem inaugural, o navio foi aos Estados Unidos, de onde seguiu para o Brasil.
Era o primeiro ano do governo do presidente Hermes da Fonseca. Às 22 horas do dia 22 de novembro de 1910, estourou uma importante revolta de 2.000 integrantes da Marinha Brasileira em águas da Baía de Guanabara. Era liderada, justamente, por João Cândido Felisberto. O castigo de 25 chibatadas, imposto ao marinheiro Marcelino Rodrigues Meneses, um dos tripulantes do Minas Gerais, precipitou uma revolta que há muito vinha sendo tramada, pois essa punição corporal, embora abolida pelo Decreto nº 3, de 16 de novembro de 1889, continuava
em uso.
Primeiramente, os revoltosos tomaram o comando do navio encouraçado Minas Gerais. Na luta, mataram o comandante João Batista das Neves e mais três oficiais que resistiram. Depois, outros marujos assumiram o controle dos navios São Paulo, Bahia e Deodoro. Para espanto dos oficiais, os marinheiros mostraram que sabiam manobrar os navios com perícia e habilidade.
Em seguida, apontaram os canhões de bombardeio para a cidade do Rio de Janeiro e enviaram um comunicado ao presidente da República, explicando as razões da revolta, além de fazer suas exigências. Queriam mudanças no código de disciplina da Marinha, que punia as faltas graves
dos marinheiros com 25 chibatadas. Os marujos não agüentavam mais aquela punição. Além dos castigos físicos, os marinheiros reclamavam também da má alimentação que recebiam e dos miseráveis soldos.
A causa da revolta foi comunicada por um radiograma, passado pelos marinheiros revoltosos ao presidente da República e concebido nos seguintes termos: "Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos, presidente, ministro da Marinha. Queremos resposta já e já. Caso não tenhamos, bombardearemos a cidade e navios que não se revoltarem. Queremos solução imediata sobre a
abolição dos castigos corporais e aumento de soldo. Do contrário, arrasaremos a cidade. Queremos a nomeação de um parlamentar que venha a bordo para se estabelecerem as condições de rendição. - Guarnição Minas, São Paulo, Bahia."
Os cariocas mais assustados – e de posses – fugiram para Petrópolis. Os mais curiosos subiram os morros para ver melhor as manobras da frota sob o comando de João Cândido, cuja habilidade
valeu-lhe o apelido de "Almirante Negro". O governo respondeu, dentro de três dias, que iria atender todas as exigências dos marujos. Rapidamente, a Câmara dos Deputados aprovou os projetos que acabavam com as chibatadas e anistiavam os revoltosos.
Os marinheiros acreditaram no governo, fizeram festa e entregaram o navio aos novos comandantes. O governo, entretanto, não cumpriu suas promessas. Aceitas as condições
dos revoltosos, depostas as armas, o país começou a voltar à normalidade. Os revolucionários foram caçados, alguns trucidados, outros torturados e outros mandados para a Amazônia. João Cândido foi preso e colocado numa masmorra da Ilha das Cobras. Saiu da prisão meio louco.
No dia 9 de dezembro, explodiu outra rebelião de marujos. Sublevou-se o batalhão naval, aquartelado na Ilha das Cobras. Decretado o estado de sítio e reprimido o levante, que se estendera ao cruzador Rio Grande do Sul, os chefes da revolta foram absolvidos por um conselho
de guerra. João Cândido, apesar de haver assumido posição contrária a essa nova revolta, foi acusado de favorecimento aos amotinados e expulso da Marinha. Ele não abandonou o contato com o mar e passou a trabalhar no mercado de peixes na Praça XV. Morreu no Rio de Janeiro, em 6 de dezembro de 1969.
Carlos Molinari
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