Feira do Fome Zero é segurança para escapar

10/08/2003 - 10h36

Xico Sá
Enviado especial a Irauçuba e Caridade (CE)

Brasília, 10/08/2003 (Agência Brasil - Abr) - Benedito Severino da Silva, de 57 anos, morador de Várzea Redonda, povoado do município de Caridade (CE), recebeu o primeiro benefício emergencial do programa Fome Zero, e trouxe para casa, com a sua mulher, Osmarina Ferreira da Silva, 48, uma feira que não estava acostumado fazer.
"Dez quilos de açúcar, nove de arroz, dois de bolacha, três de massa de cuscuz, uma lata de óleo, dois pacotes de macarrão, dois pacotes de bolacha, pimenta, alho, três quilos de farinha, café...", recita Osmarina, quase de um fôlego só. "Tem mais umas coisinhas", diz.

O casal teve 14 filhos. Quatro se foram, antes de completar um ano. Não há diagnóstico preciso. "Começou com uma diarreiazinha...", lembra a mãe, memorial da desnutrição. "Não é querendo me gabar não, mas hoje é mais fácil viver". Seu Benedito atalha: "Escapar, né, nega?"

O inverno, como é conhecida a estação das possíveis chuvas no Nordeste, não foi lá essas coisas. "Mas até que molhou, não vamos mal agradecer não", retorna Benedito à conversa. A família plantou feijão e milho. Tirou pouco, subsistência. Um menino vem lá de dentro da casa, de onde sai um barulho de TV e de cachorro com latido de bom caçador, com a nota fiscal das compras listadas aí acima.

Família zelosa com o benefício que recebe do Mesa (Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e do Combate à Fome). "Quero ver o cabra me pegar enrolando um ser humano nessa vida". É seu Benedito de novo. "Hoje ele tá é conversador", espanta-se a mulher. "Ele é tão amuado".

Finalzinho de dia, aquele vermelhão no poente de Caridade. As antenas parabólicas _ o sertão tem parabólica, muitas delas enviadas pelos filhos migrantes em São Paulo , até na copa dos juazeiros _ chegam com as "desgraças" da capital. Haja crime. "O povo gosta de ver essa patrulha", diz Maria Zenaide, 45 anos, sobre o gosto por programas policiais. "Mas aqui a gente ainda pode dormir de porta aberta".

Um cheiro de cuscuz com feijão sobe no ar. Mais adiante, o sabor é de paçoca. "Chegue pra cá, venha comer", convidam os moradores. Os mais velhos preferem a conversa nas frentes das casas, esquecem a vida que chega pela TV. As meninas correm para a "perdição", como dizem os pais, novelística. Um caminhão passa, lá longe, com romeiros cantantes para o Canindé. Na estrada, meninos esfomeados tapam os buracos do asfalto com areia, para agradar os motoristas. Querem um troco, uma "prata", como chamam as moedas, pelo serviço. Mãos estendidas, mas não ganham nada. Pé na tábua. Caridade é apenas uma placa na poeira do retrovisor.