Brasília, 10/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - Depois da queda do regime de Saddam Hussein, as embaixadas do Iraque no mundo são o retrato do abandono. Na América do Sul, resta apenas a de Brasília. Mesmo assim, seis empregados já voltaram para o Iraque, e o único que continua no quadro funcional chega pela manhã e sai às 14h. No fim da tarde, volta para ligar os refletores que iluminam os arcos outrora bem cuidados do pequeno prédio na 616 Sul, em Brasília. As pichações e a bandeira suja hasteada na entrada comprovam as impressões dos policiais militares que fazem a guarda: há tempos não há limpeza no local, invadido pelas moscas da estação de tratamento de esgotos vizinha.
Na residência oficial - uma mansão comprada na década de 80, quando as relações comerciais com o Brasil chegavam a mais de R$ 4 bilhões - a fachada reflete a crise que começou durante o embargo comercial e se intensificou com o fim do governo Hussein. A piscina vazia e o jardim seco dão aspecto triste ao terreno de 10 mil m2 que, somado à casa, poderia ser vendido por R$ 2,5 milhões, segundo avaliação de uma imobiliária de Brasília.
O casal que hoje ocupa a residência oficial - o encarregado de negócios, Jarallah Alobaidy, e sua mulher - foge da imprensa. Alguns embaixadores que participam da Liga Árabe ajudam o colega com as despesas. A quantia, contudo, não foi confirmada pelo decano do grupo de embaixadores, o palestino Musa Amer Salim Odeh. Em rápida entrevista telefônica, Jarallah Alobaidy reconheceu que a embaixada está praticamente fechada e que, sem governo, a rotina já não existe. "Não posso dizer se vamos nos retirar do Brasil, essa é uma questão estratégica do governo em Bagdá. Não cabe a mim dizer", explicou.
O próprio Ministério das Relações Exteriores desconhece o futuro da embaixada. "O Estado iraquiano terá a garantia de que, se acabar com a representação aqui em Brasília, terá todos os bens protegidos e sua propriedade será intocada", comenta uma fonte do Itamaraty. Segundo a fonte, as boas relações diplomáticas ensinam que, ao fechar uma embaixada, o país deve comunicar a saída ao anfitrião. "Mas, nesse caso, o encarregado de negócios era um representante de Saddam Hussein. Agora o chefe não está mais no poder, e o país foi ocupado. A situação é anormal, e não dá para exigir que tenham uma postura protocolar convencional", avalia.
Seja qual for a decisão do governo iraquiano sobre o futuro da embaixada no Brasil, a situação dos 160 cidadãos do país que vivem em terras brasileiras não será modificada. Boa parte deles, segundo dados da Polícia Federal, vive no Rio de Janeiro. São Paulo, São Bernardo do Campo e Balneário de Camboriú (SC) também receberam alguns iraquianos. No Brasil, eles trabalham majoritariamente no comércio e nas áreas de informática e arquitetura. Há pelo menos 27 estudantes e 35 donas de casa. "O que vai ficar mais difícil será tirar um visto para lá, mas pouca gente pretende ir a Bagdá hoje em dia", brinca o diplomata do Itamaraty.
História
Brasil e Iraque iniciaram relações diplomáticas em 1o de dezembro de 1967. Um ano mais tarde, era aberta a embaixada brasileira em Bagdá, desativada no cumprimento brasileiro ao embargo declarado pelos Estados Unidos após a Guerra do Golfo, no início dos anos 90.
O auge das relações entre os dois países aconteceu no campo comercial, entre as décadas de 70 e 80, quando 42% do óleo cru importado pelo Brasil vinham do Iraque. Segundo o Itamaraty, em 1980, o comércio bilateral atingiu US$ 4,1 bilhões, e o Banco Brasileiro-Iraquiano surgiu nesse contexto. As compras brasileiras de petróleo iraquiano declinaram em razão da Guerra Irã-Iraque, voltando a crescer, ao fim do conflito, até atingir o percentual de 60% do total das importações brasileiras do produto. Em 1998, o Banco Brasileiro-Iraquiano entrou em regime de liquidação ordinária por causa da quebra das relações comerciais determinadas pelos Estados Unidos.