Brasília, 30/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - O planeta Terra chega a este início de século XXI com uma marca inédita na história da humanidade. Pela primeira vez, há mais gente vivendo nas cidades do que no campo. E vivendo mal. Projeções da Organização das Nações Unidas indicam que há 1 bilhão de pessoas morando em favelas, 50% disso em países em desenvolvimento, como o nosso.
No Brasil, a urbanização beira os 80%, segundo dados do IBGE, mas pode chegar a até 88% ainda nesta década, alertam os especialistas. Os problemas de infra-estrutura se acumulam nas cidades do país. Também pudera. Até os anos 50, mal tínhamos 40% de população urbana. É tanta a preocupação com temas como habitação, transporte e saneamento que o governo federal resolveu dedicar um ministério exclusivamente para as cidades.
Na semana passada, entre terça (22), e sexta (25), no Anhembi, em São Paulo, representações de pelo menos 300 prefeituras brasileiras e de cidades estrangeiras de 26 países, além de centenas de ongs, empresas e acadêmicos discutiram durante quatro dias na Feira e Congresso Internacional de Cidades - Urbis 2003, os problemas na administração pública local e as soluções para maior qualidade de vida das pessoas.
Puderam conhecer, por exemplo, a experiência dos programas públicos de habitação na África do Sul, onde a população negra demorou anos para ter acesso ao financiamento bancário para a casa própria. Os bancos privados só passaram a colaborar no setor com a intervenção do governo. Um estande da cidade de Beirute, capital do Líbano, mostrava o impressionante processo de revitalização promovido pelo poder público para eliminar as cicatrizes da guerra civil que destruiu o país na década de 80.
Capitais como São Paulo, Recife e Porto Alegre também exibiam suas experiências bem sucedidas, como os programas paulistanos de renda mínima ou o orçamento participativo da criança, na capital pernambucana. O visitante poderia até comparar o programa de reciclagem de lixo da capital gaúcha com um projeto similar que vem do outro lado do mundo, de Manila, nas Filipinas. Ou a revitalização do Pelourinho, no centro de Salvador, com o projeto desenvolvido em Lisboa, em Portugal, com o mesmo objetivo. Os paulistanos puderam avaliar, por exemplo, a viabilidade de demolir o famigerado "Minhocão" - via elevada que rasga o centro de São Paulo. Portland, capital do estado americano do Oregon, fez algo parecido, e os resultados na revitalização do espaço urbano foram bem aprovados.
Na avaliação de Raquel Rolnik, secretária-nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, era necessário definir um rumo para a política urbana do país, e isso foi feito com a criação do Ministério das Cidades. "As cidades já reconhecem a existência de vastas parcelas excluídas, mas isso é novo no Brasil", disse Rolnik, ressaltando que "a cidade não olhava para si mesma, e um pedaço dela nem estava no mapa, não existia".
Hoje, segundo ela, o quadro mudou. "Passamos para a fase do reconhecimento das cidades", disse. "A partir dessa etapa, surge o desafio de enfrentar os problemas e construir uma cidade com inclusão social, além de definir as políticas de infra-estrutura, habitacionais e de transportes", explicou.
Para a secretária, o evento, que permitiu a troca de experiências e projetos bem-sucedidos, mostrou que o desafio é o mesmo, independente do tamanho da cidade no Brasil. Ela citou o exemplo da capital de Roraima, Boa Vista, que é considerada de médio porte, mas, apesar dessa condição, tem cerca de 60 % das residências sem banheiro.
Para alterar essa realidade, Rolnik entende que é necessário criar um novo padrão de desenvolvimento urbano e a união das cidades em busca das soluções. Ela explicou que o desenvolvimento local "tem um limite", mas, quando se fala em uma região geo-econômica, o assunto muda para melhor com a associação e cooperação dos municípios.
Posição semelhante foi defendida pela prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, responsável pela organização do evento, durante a conferência em que tratou do tema. Ela enfatizou a unificação entre as redes de cidades, a Federação Mundial das Cidades Unidas, da qual é vice-presidente para a América Latina, e a União Internacional de Autoridades Locais. "A fusão dessas redes de cidades formará uma rede chamada de Cidades e Governos Locais Unidos e vai possibilitar maior espaço e voz na Organização das Nações Unidas".
A expectativa da prefeita é que a forma de organização das cidades e países irá mudar."As pessoas querem estar e estarão mais próximas dos governos locais, que estarão mais próximos do poder nacional, permitindo uma discussão ampla para solucionar as carências das cidades", disse.
O ministro das Cidades, Olívio Dutra, lembrou, durante sua participação na Urbis 2003, que cerca de 2 mil municípios brasileiros já estão mobilizados para discutir problemas como saneamento ambiental, saúde e transporte. Em outubro, será realizado, entre os dias 23 a 27, a I Conferência Nacional das Cidades. No evento, será eleito o Conselho Nacional das Cidades, que terá o objetivo de discutir parcerias entre os municípios e buscar soluções para o desenvolvimento das cidades. "As práticas e políticas adequadas são aquelas que possibilitam transparência na ação do governante e a participação direta do povo, com a promoção permanente da cidadania", afirmou o ministro.
O ministério de Dutra, aliás, baixou em peso em São Paulo para essa feira, cujo projeto inicial, assim como o da criação do Ministério das Cidades, surgiu em 2000, durante a elaboração do Projeto Moradia, no Instituto Cidadania. O projeto foi coordenado por diversos especialistas que hoje participam do ministério. A ong, coordenada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi o celeiro dos projetos que serviram como base para seu programa de governo na campanha de 2002. O governo federal esteve presente com exposições e debates em torno da implementação do Estatuto das Cidades, além dos projetos de urbanização e regularização de favelas e as novas normas de inspeção veicular.
Mais informação: www.prefeitura.sp.gov.br/urbis/2003/index.asp