Brasília, 26/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - O jornalista Cláudio Cerri faz uma análise de um dos mais importantes economistas brasileiros, Celso Furtado, que completa 83 anos comemorando a recriação da Sudene, da qual foi o primeiro superintendente.
"Além de ser um dos raros economistas brasileiros que têm vasta produção teórica, Celso Furtado é conhecido pela elegância literária de sua prosa. É fácil entender o porquê. Antes de ser economista, Furtado é um humanista, um homem do mundo. Sempre atento aos horizontes e impasses da aventura humana, ele nunca se deixou seduzir pela miopia tecnocrática daqueles que reduzem povos e nações a um exercício contábil. Foi um dos pioneiros em denunciar o esfarelamento ambiental e a diluição das singularidades culturais – dois importantes abrigos de identidade – provocados pela globalização.
Aos 83 anos de idade, sua reflexão não se calcificou. Evolui sempre. E cada vez para limites mais distantes da lógica tecnocrática. Hoje, esse paraibano de Pombal, que mistura o sertão e o mundo no seu olhar cosmopolita, encara os graves problemas nacionais – e mundiais – como um claro sintoma de crise da civilização. A lógica do lucro, diz esse weberiano (que soube injetar movimento aos seu modelos teóricos, abrindo-se à perspectiva marxista da história), deve ceder lugar a um sistema regido pela solidariedade coletiva. A evidência maior da saturação das atuais formas de viver e de produzir, no seu entender, seria o paroxismo do desperdício consumista, ao lado da desigualdade devastadora, num mundo de incessante avanço tecnológico.
O fatalismo tecnológico não o seduz. Ele simplesmente fulmina quem acredita que o empilhamento de máquinas e chips vai resolver as desigualdades sociais. Trata-se, no dizer corrosivo de um de seus escritos, de uma panacéia conservadora: "o mito do progresso".
O xis da questão vasculhado pelo seu pensamento é o desafio do desenvolvimento com justiça social numa economia periférica. Ou, mais precisamente, o desafio da luta contra o subdesenvolvimento. Sua maior elaboração teórica, o subdesenvolvimento – ou seja, o empobrecimento de vastas massas – seria um processo histórico autônomo, não uma fase passageira na formação das economias capitalistas.
Ele decorre de um paradoxo: a introdução de processos produtivos modernos em estruturas arcaicas, modernizando-as parcialmente, mas sem irradiar avanços correlatos na esfera social. Cria-se uma dinâmica perversa: a sofisticação tecnológica não gera avanços substanciais na renda e no emprego. O desenvolvimento exclui e devasta, ao mesmo tempo em que gera riqueza concentrada nas mãos de poucos. "Ilhas de Caras" ao lado de um oceano de Rocinhas.
A manutenção dessa lógica requer, necessariamente, que o privilégio de poucos seja pago com a miséria de muitos. "A elite já definiu seu projeto:é virar uma Miami. Mas isso é social, ambiental e economicamente impossível de ser generalizado", ironiza o pensador.
Sua vitalidade teórica e a presença pública marcante vêm acompanhadas de incrível capacidade de produção intelectual. Furtado escreveu 30 livros, além de centenas de artigos e projetos para o país e planos de governo. Fez o projeto da Sudene para JK, em 1959. O Plano Trienal para Jango, em 1962. É uma usina de reflexão histórica. Dá para ler o Brasil por meio de sua vida e de sua obra. Quem se debruçar sobre ela encontrará observações que confirmam o pensador rigoroso que, todavia, nunca perdeu a esperança de fazer do Brasil uma Nação justa e soberana.
Furtado escreve da ótica do homem de Estado e do intelectual orgânico, umbilicalmente vinculado ao compromisso social com a construção de uma sociedade distinta da atual. Como já afirmaram alguns dos estudiosos de sua obra, "sem exagero, dá para dizer que quem descobriu o Brasil como uma esperança de Nação foi Celso Furtado".