Trabalho doméstico absorve meio milhão de crianças e adolescentes no Brasil

22/07/2003 - 12h45

Brasília, 22/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - No Dia do Trabalho Doméstico, o Brasil não tem muito o quê comemorar. O número de crianças e adolescentes trabalhando em casas de família ainda é muito grande. Elas exercem as mais diversas atividades, são cozinheiras, faxineiras, lavadeiras e, até mesmo, babás, uma criança tendo que trabalhar como adulto e cuidar de outra criança.

No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de meio milhão de crianças e adolescentes, com idade entre cinco e 17 anos, são domésticas. Deste total, 220 mil têm menos de 16 anos, idade mínima permitida por lei para trabalhar.

A realidade dessas meninas é bem diferente daquelas que apenas brincam de casinha. As responsabilidades são muitas, a lista de tarefas é grande e nem sempre os direitos trabalhistas são respeitados. Muitas trabalham apenas em troca de comida e de uma casa para morar.

A partir dos 17 anos, a adolescente tem os mesmos direitos que um trabalhador adulto, como: carteira de trabalho assinada, salário nunca inferior ao mínimo, férias e 13º salário. Porém, na maioria das vezes, o contrato é feito de maneira informal.

Com a excessiva carga horária de trabalho, os estudos, quando consentidos pelo patrão, ficam prejudicados. Joana Reis, de 37anos, é prova disso. Joana começou a trabalhar aos 11 anos e a patroa não permitia que ela saísse de casa para ir à escola. "Ela falava que eu estava lá para cuidar das filhas dela e da casa, e não para brincar ou estudar", conta, emocionada.

Segundo Joana, muitas patroas não lhe pagavam o salário em dinheiro, mas com comida, roupas usadas, sabonetes, xampu e moradia. "Quando me davam essas coisas, achavam que era muito", lembra Joana, acrescentando que começou a trabalhar cedo porque os pais não tinham dinheiro para suprir suas necessidades básicas, como alimentação e vestuário. "Eles nunca me obrigaram a trabalhar. Eu trabalhava porque queria ter dinheiro para comprar minhas coisinhas".

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez um levantamento do perfil das crianças e adolescentes trabalhadoras domésticas no Brasil. De acordo com os dados da pesquisa, 72% não conhecem seus direitos; 64% recebem menos de um salário mínimo e trabalham mais de 40 horas semanais; 55,5% não têm direito a férias; 21% têm algum sintoma ou problema de saúde relacionado ao trabalho; 14,9% já sofreram acidente de trabalho; 74% estão estudando, de forma irregular, com alto índice de atraso escolar e 96% sabem ler e escrever.

Segundo a OIT, nos últimos 10 anos, a quantidade de meninas empregadas no serviço doméstico aumentou. Em Salvador, por exemplo, cerca de 1.900 crianças e adolescentes, com idade entre 10 e 15 anos, continuam desenvolvendo esse tipo de atividade.

Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Direitos Humanos tem como prioridade o combate ao trabalho infantil, seja ele doméstico ou não. Os parlamentares recebem denúncias de exploração de menores e entram em contato com as autoridades competentes para tomarem as devidas providências.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), relatora da CPI de Combate à exploração Sexual Infantil, lembrou que as meninas ainda sofrem abusos sexuais dos patrões. "As crianças ficam vulneráveis a essa situação porque trabalham dentro de casa e não têm como se defender". Segundo ela, a comissão parlamentar de inquérito está trabalhando para mudar a legislação, que exige o flagrante para comprovar o crime sexual. "Queremos que as marcas emocionais também sirvam como prova".

Adolescentes domésticas de todo o Brasil se reunirão com especialistas da área e instituições não-governamentais para discutir seus direitos e apresentar suas experiências. O encontro será em Brasília, nos dias 25 e 26 de agosto.