Proposta de política energética é considerada incompleta por especialistas

22/07/2003 - 18h37

Brasília, 22/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - A primeira apresentação do novo modelo do setor elétrico, feita pela ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, ontem, foi definida como incompleta por comercializadores de energia e especialistas na área.

A principal preocupação diz respeito à atração de investidores. Para o especialista da Consultoria Tendências, Armando Franco, o modelo apresentado pela ministra não estimula o investidor porque não confere garantias na distribuição de energia e fala em contratos para 20 anos sem determinar indexador. "Sem indexador, ninguém firma contrato de 20 anos no Brasil, ninguém vai investir pesado sem garantias", afirma Armando Franco.

O novo modelo do setor elétrico anunciado pela ministra de Minas e Energia vai eliminar o IGP-M, atual indexador do setor de energia, dos novos contratos entre geradoras e distribuidoras. Os novos contratos deverão ser reajustados por um índice setorial, baseado nos custos das empresas. A ministra Dilma Rousseff ressaltou que o processo de indexação ainda não está completamente definido e deve passar por uma análise de adequação.

Armando Franco acredita que o modelo usado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na regulação das distribuidoras seria a melhor saída. A Aneel adota um sistema de revisão periódica das tarifas a cada quatro ou cinco anos. As tarifas são recalculadas de acordo com a evolução da empresa e do setor elétrico.

Apesar de o novo modelo para o setor elétrico não apresentar um indexador, o Ministério de Minas e Energia vai criar a Fundação de Estudos e Planejamento Energético (Fepe), um órgão para elaborar e acompanhar dois planos setoriais. Um plano de planejamento será de longo prazo, por um período de 20 anos, e outro de médio prazo, por um período de 10 anos.

O plano de longo prazo, que vai avaliar os estudos sobre recursos energéticos, de mercado, ambientais e de interligações, será revisto a cada quatro anos. Já o planejamento de médio prazo, que dará prioridade a estudos de viabilidade e projeto básico, será revisto anualmente. O portfólio de projetos elaborados pela fundação será colocado à disposição dos investidores quando o governo decidir realizar uma licitação por carga, já com licença ambiental e os encaminhamentos elementares aprovados.

Outra mudança, que não agrada os especialistas no setor, diz respeito à licitação de novas hidrelétricas. Para Franco, a regra de que ganha a empresa que oferecer menor tarifa pela energia vendida não é garantia de menor tarifa para o consumidor e pode gerar conluio entre os investidores. "No modelo anterior, ganhava quem pagasse o maior preço pela concessão, o que gerava receita para o governo e podia servir de subsídio para os consumidores de baixa renda. Agora, o governo abre mão da receita e possibilita acordos entre os licitantes para fixar um preço não tão baixo. A Eletropaulo, por exemplo, passa por investigação no Ministério Público devido a uma denúncia de acordo entre as empresas", destaca o economista.

Na opinião dele, o novo modelo para o setor elétrico apresenta retrocesso ao estabelecer uma administradora de contratos. "É colocar o poder nas mãos de um órgão que ainda vai ser criado. Um órgão que terá muito poder para dizer quanto cada empresa terá que pagar e pode afastar o investidor. Tira o risco do mercado e coloca o risco do governo", destaca Armando Franco. O economista afirma que a transição para o novo modelo está mal explicada, principalmente em relação à operacionalização dos contratos, ao pool de compra e venda de energia e à possível redução das tarifas de energia a médio e longo prazos, anunciadas pela ministra Dilma Rousseff. "Se a venda de energia acontecer em leilões, o preço será de mercado e o preço baixo desaparece. Se for transferência de um pool, descapitaliza os geradores federais, ou seja, a hidrelétricas de Furnas e Eletronorte", diz Franco.

Segundo ele, existe ainda o risco de o novo modelo atrair apenas as empresas estatais, o que levará à restrição orçamentária. "É pouco provável que um produtor de energia aceite tarifa abaixo da de Furnas. O problema é se Furnas, por exemplo, ganha a licitação e fica sem ter como construir hidrelétrica depois", enfatiza.

Abracel

A Associação Brasileira dos Agentes comercializadores de Energia Elétrica (Abracel) defende que o governo não tenha papel intervencionista no setor, mas de planejador no processo de reforma no setor elétrico. Os comercializadores querem que a política adotada na área de energia siga o mesmo tipo de política da área agrícola. "O setor agroindustrial vai bem porque tem o mínimo de intervenção do estado. É o único setor que vai bem na economia. Além disso, o novo modelo assusta os investidores porque não há regras claras", ressalta o diretor-executivo da Abracel, Maurício de Castro Correia.

Na opinião de Maurício Correia, o segmento de comercialização será impactado porque as distribuidoras não sabem dimensionar quais serão os mercados delas. Maurício critica também a alteração do modelo de energia para o consumidor livre. "O consumidor livre, as indústrias e grandes consumidores acima de 3 MegaWatts, são uma conquista do mercado. Faltou sensibilidade aos elaboradores da proposta no tratamento dado aos consumidores livres", destaca o diretor da Abracel.

O novo modelo estabelece que o consumidor cativo que pretenda ser livre tem que dar aviso prévio de cinco anos. De acordo com Maurício de Castro Correia, quando o consumidor deixa de ser cativo, a energia estabelecida nos contratos custa 30% menos que quando ele era cativo de uma distribuidora. "Isso engessa o processo, antes era resolvida em semanas. Agora, nenhum consumidor livre vai querer voltar a ser cativo", ressalta.

O diretor da Abracel afirma que a associação reconhece o esforço da ministra Dilma Rousseff para tentar melhorar o setor elétrico e aguarda que as diretrizes básicas aprovadas no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sejam discutidas detalhadamente nos próximos dias.