Benvinda Severina é resumo da vida semi-árida

06/07/2003 - 9h13

Brasília, 6/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - No velho fogão à lenha, só cinza no borralho e panelas enfumaçadas sem nada dentro. Essa é a imagem, comum em muitas casas no Vale do Jequitinhonha, que deixa as mães de família em tempo de perder o juízo. "Agora estou mais calma, mas já corri doida nessas horas, me largava a pedir cachaça nas vendas para esquecer tudo", conta Benvinda Severina, cujo nome completo não tem mesmo sobrenome, mas já diz tudo.

Tem "uns 30 anos", diz, sem a menor vontade ou paciência para exatidões. Filhos, soma 14, mas perdeu três, ainda "anjinhos". Ri, pois estão no Céu. Difícil é aqui embaixo, vida semi-árida, município de Carbonita, sertão das Minas Gerais. "E nunca dei nenhum (filho) a ninguém, mesmo vivendo sem marido", orgulha-se. Entende-se: dar uma criatura para uma pessoa "com condições" é ato banal na região.

Benvinda Severina sustenta os meninos com a bolsa-escola de uma filha e a ajuda de vizinhos e do "véi", como chama um aposentado do distrito de Abadia, na zona rural, que passa o final de semana com ela. "Hoje a fornalha não tem um caroço de feijão, mas hei de arrumar", conta enquanto mostra o fogão. O relógio da igreja bate as pancadas do meio-dia.

Há tempos atrás, relata, já estaria bêbada pelas calçadas. "O que comer ninguém dá assim fácil, mas cachaça a gente arruma correndo", lembra. Diz que está com o juízo no lugar. Beber não adiantava nada. "Na volta pra casa, era um inferno do mesmo jeito, coisa do belzebu". E se benze, bate na madeira três vezes.

Vida fácil nunca teve mesmo. Antes de morar na cidade _ não sabe há quanto tempo _ viveu debaixo de árvores ou lona, dormindo com crianças em cima de duas esteiras de palha de banana. Depois que as coisas melhoram, fez uma promessa: nunca mais reclamar da vida.

Em pouco mais de uma hora nos arredores da casa de Benvinda Severina, a reportagem colheu várias narrativas sobre trajetórias semelhantes. Embora os pais se preocupem, a cabeça materna é que endoida diante do fogo morto sob as panelas. "Muitos cabras safados dão no pé, não agüentam a situação, vão embora e deixam tudo nas nossas costas", diz ela.