Brasília, 26/6/2003 (Agência Brasil - ABr) - O secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, classificou como suicídio o afastamento do Ministério Público das investigações criminais, principalmente no caso do crime organizado, segundo prevê projeto aprovado ontem na Câmara dos Deputados. O secretário recebeu a notícia com "muita preocupação e muita tristeza", e espera que o texto não passe no Senado. "Tenho esperança de que isso seja revertido. Nós precisamos que o Senado intervenha, precisamos que a sociedade se mobilize e compreenda que o que está em jogo é muito sério. Estaríamos abdicando de um instrumento muito poderoso, importante e confiável. Se aquela decisão se confirmar nós estaremos mutilando a democracia e a sua capacidade de defesa contra as injustiças e as violências".
Para o secretário, a aprovação do projeto atende interesses corporativistas e a sua transformação em lei representaria a redução das possibilidades de controle externo sobre a Polícia Civil. "Imagino que o lobby da polícia tenha sido fortíssimo. Infelizmente nós temos alguns grandes lobbys no Brasil, que não necessariamente são a favor da democracia, da eficiência, da cidadania; são lobbys corporativos que resistem às mudanças em nome dos poderes já constituídos e preservados por alguns grupos profissionais no interior de algumas instituições", criticou o secretário. "Não podemos ficar reféns desses lobbys", alertou.
Soares chamou a atenção para os efeitos que o chamado "lobby reativo defensivo" poderá ter sobre a própria corporação. "Isso vai gerar uma contradição, isolar a Polícia Civil, vai desnudar diante da sociedade as limitações, que hoje são profundas, estruturais da instituição e vai acabar produzindo efeitos mais negativos para os profissionais, para a instituição do que se eles se abrissem, com flexibilidade, com espírito democrático, para as necessidades das mudanças", observou Soares.
Ele lembrou que a Polícia Civil atravessa um momento difícil, com taxas de esclarecimento de crimes baixíssimas, o que, no seu entendimento, não se deve à incompetência individual, mas a deficiências da instituição como um todo.
O futuro procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, que tomará posse na próxima segunda-feira, manifestou a mesma preocupação de Soares, e considerou a aprovação do projeto na Câmara um retrocesso. Fontelles lembrou que a atribuição constitucional do MP é "acusar seres humanos em condutas individuais e em condutas coletivas" diante do Judiciário. "Se eu posso diante do Poder Judiciário acusar pessoas, tipificar condutas e pedir a punição – e isso é gravíssimo –,como é que eu não posso atuar na etapa necessariamente precedente de me dotar de dados para cumprir com essa missão?", questionou.
Cláudio Fontelles esclareceu que seu posicionamento diante da questão não se trata de "postura corporativista", explicando que tomou como base as normas legais. E enfatizou que a atuação do Ministério Público não implica renegar o papel da polícia. "Ninguém quer com isso eliminar o trabalho policial, que é vital. O que nós queremos é ter legitimação também para, em determinados casos, investigarmos. O ideal, até, é que investiguemos juntos", observou.
Em relação ao controle externo, disse ser a favor de que seja feito apenas sobre o trabalho investigatório realizados pelos policiais. O futuro procurador-geral da República defendeu ainda que a polícia de investigação seja ligada ao Ministério Público, e não ao Executivo.
Cláudio Fontelles e o secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, abriram hoje, ao lado do procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Guimarães Marrey, seminário para debater o controle externo da polícia por parte do Ministério Público.