Brasília, 25/6/2003 (Agência Brasil - ABr) - O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) deverá criar uma força-tarefa para investigar as denúncias de prática de tortura e de desaparecimentos de pessoas ocorridos no Entorno do Distrito Federal. De 1999 até 2003, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados recebeu mais de cem denúncias relacionadas à região, segundo o advogado da comissão, Augostino Pedro Veit.
Segundo ele, os municípios com maior concentração de casos são Novo Gama, Águas Lindas, Valparaíso e Luziânia, cidades em que há suspeita da existência de grupos de extermínio. "O próprio IML de Luziânia entregou para a comissão um catálogo com mais de cem corpos que foram desovados no Entorno", informou Veit, destacando que até hoje esses crimes não foram desvendados.
Preocupados com o alto número de ocorrências de tortura no entorno do DF, membros da Subcomissão Permanente do Sistema Prisional, Grupos de Extermínio, Tortura e Trabalho Forçado da CDH decidiram levar a proposta da criação do grupo ao ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que preside o conselho. "São vários tipos de denúncias: ameaças, arbitrariedade da polícia e também de tortura e de desaparecimentos e execuções de pessoas", informou o relator da subcomissão, deputado Geraldo Thadeu (PPS-MG), durante reunião do conselho, no Ministério da Justiça.
Segundo o deputado, fariam parte da força-tarefa representantes do Ministério Público, da Polícia Federal, da Comissão de Direitos Humanos, do CDDPH, e da Secretaria de Segurança Pública do estado de Goiás. "Queremos o afastamento imediato de todos os envolvidos em denúncias, policiais, delegados, servidores", afirmou Geraldo Thadeu.
O secretário de Segurança Pública de Goiás, Jônathas Silva, afirmou que, após ter tomado conhecimento das denúncias, cinco delegados do Entorno foram substituídos e cinco corregedores foram enviados à região para apurar os casos.
Para o advogado da comissão, só a atuação conjunta das autoridades públicas poderá desvendar os crimes de tortura e coibir a prática no Entorno. Veit afirmou que o número de denúncias não corresponde aos índices reais, uma vez que o medo é o principal fator que leva a vítima ou sua família a não denunciar o caso. "Cem denúncias parece um número grande, mas, na verdade, devemos ter milhares e milhares de outros casos que não chegam à comissão. As pessoas temem porque sabem que muitas vítimas já estão desaparecidas", disse Veit.
É o caso do filho de Rosália de Souza Barbosa, moradora de Luziânia, que, segundo relato da mãe, foi raptado enquanto brincava na porta de casa, no mês passado. Segundo Dona Rosália, o fato ocorreu por volta do meio-dia, na presença de vizinhos e de colegas do garoto, de apenas 13 anos. A mãe disse não ter nenhuma pista sobre o paradeiro do filho, mas suspeita que ele tenha sido levado de casa por ter denunciado à Justiça que foi vítima de tortura. "Ele foi levado para a delegacia porque estava brigando na rua e acabou sendo espancado por policiais. O estranho é que ele foi raptado cerca de 10 dias antes de depor contra esses policiais", disse Rosália.
O ministro Nilmário Miranda lembrou que, em grande parte dos casos, existe a ligação entre a tortura, a polícia e a corrupção. "Tortura, além de ser um instrumento ilegal e cruel, é um instrumento totalmente superado. Polícias que usam tortura são polícias corruptas, ineficazes, incompetentes, que não conseguem cumprir sua missão. É preciso que se estabeleça esse vínculo para propor o afastamento e a expulsão do serviço público e o processo criminal contra essas pessoas criminosas infiltradas no aparelho policial", defendeu o ministro.
Nilmário Miranda destacou que a Lei de Tortura, de 1997, não vem sendo aplicada como deveria. "Existem muitas denúncias desse crime hediondo, o Ministério Público chega a formalizar as denúncias, originando processos judiciais, mas há poucas condenações", avaliou.
O assunto será discutido amanhã (26), Dia Mundial de Combate à Tortura, quando autoridades estaduais e federais do Executivo e do Judiciário assinarão, no Superior Tribunal de Justiça, protocolo ao pacto de combate à tortura. Segundo Nilmário Miranda, o objetivo do documento é somar esforços em busca da erradicação dessa prática criminosa no Brasil. "Esse pacto é no sentido de realizar a capacitação de operadores do Direito, para discutir por que a lei da tortura tem tão baixa aplicabilidade", explicou o ministro.
Uma das medidas a serem anunciadas amanhã é a criação de um grupo móvel de combate à tortura para atuar nos estados, nos casos mais graves, auxiliando as autoridades locais e realizando blitze em lugares onde há denúncia da prática criminosa.