Brasília, 25/6/2003 (Agência Brasil - ABr) - O discurso de retratação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no anúncio da convocação extraordinária do Congresso Nacional não surtiu o efeito esperado pelo Planalto junto aos senadores da oposição. Enquanto na Câmara os líderes dos PSDB e PFL consideravam o assunto encerrado e o diálogo entre governo e Legislativo restabelecido, no Senado os parlamentares foram à tribuna para protestar contra o viés autoritário das palavras de Lula na Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O primeiro a ocupar a tribuna foi o tucano Arthur Virgílio Neto (AM), que acusou o presidente de "artificializar emoções às custas do Congresso Nacional". Para o senador, o "recuo e a autocrítica" do presidente foram louváveis, sem no entanto serem suficientes para consertar o estrago feito com as declarações de que nem o Congresso Nacional, nem o poder Judiciário, mas só Deus impediria o país de ocupar o lugar que merece. "Entre Lula e Deus há mais instâncias que possa imaginar quem ousa desrespeitar os poderes", afirmou.
Tradicionalmente em lados opostos, Virgílio e o senador Jefferson Peres (PDT/AM) revelaram a mesma preocupação com as declarações de Lula. Ambos temem que, no futuro, o presidente volte a usar mão da propaganda contra o Parlamento para justificar os erros e limitações de seu governo. "O presidente erra ao fomentar a luta de classes, erra quando tenta lançar a opinião pública contra o Congresso e contra o Judiciário. As declarações me lembram a idéia de um autoritarismo que deve ser morto no nascedouro", disse Virgílio. "Sei que o mundo não dá lugar a ditaduras formais, mas receio que o presidente amanhã, não dê um golpe de Estado, porque temos mecanismos para impedir isso. Receio que ele apele para a população jogando-a contra o Congresso à la Hugo Chavez com salvacionismo. Se não mudar essa postura, ele vai criar, mais cedo do que pensa, uma crise institucional", alertou o pedetista.
O líder da minoria, Efraim Moraes (PFL/PB), engrossou o coro que classificou o presidente como autoritário e citou Hitler, Stálin e Mussolini em seu discurso. "Antigamente, quando não se queria reconhecer o direito de alguém, dizia-se simplesmente: ‘Vá se queixar ao bispo’. Lula tornou mais complexo esse recurso. Em vez do bispo, manda os insatisfeitos queixarem-se a Deus. Haja autoritarismo". Efraim ainda lembrou que não é a primeira vez que o presidente diz uma coisa e depois "a desdiz" alegando ser mal-interpretado. Ele lembrou as declarações sobre a cotação do dólar feitas por Lula na missa do 1º de Maio, quando uma "quase pane no sistema financeiro" obrigaram o presidente a "recuar".
O único senador a reduzir o tom das críticas foi José Agripino Maia (PFL/RN). O pefelista afirmou que mesmo depois das declarações manteve a disposição de ir ao Planalto hoje de manhã, porque acreditou que as declarações tinham sido analisadas fora de contexto. Ao ler os jornais hoje cedo, no entanto, avaliou que o presidente "entrou em rota de colisão com o Judiciário e com o Legislativo embora desminta ao dizer que não teve a intenção de ferir os poderes".
Na Câmara, os líderes da oposição receberam com mais tolerância ao pedido de desculpas. O líder do PSDB na Casa, deputado Jutahy Jr. (BA) disse que chegou a preparar um discurso para rebater as declarações de Lula, mas, depois da retratação, deu o assunto por encerrado. "Foi um discurso inadequado para uma pessoa que lutou tanto pela democracia. Era um conceito simplista de que ‘O Estado era ele’, agredindo o Legislativo e o Judiciário. Felizmente, ele compreendeu o equívoco, pois era uma frase incompatível com o padrão democrático brasileiro. Ele pediu desculpas e, para mim, o assunto está encerrado", disse.
O líder do PFL, José Carlos Aleluia, confirmou a volta do diálogo com a oposição na Câmara, mas não abriu mão de subir à tribuna para registrar seu protesto. "Não há dúvidas de que ficou demonstrado que no fundo da alma, o espírito do presidente não é absolutamente democrático", afirmou. Apesar de considerar encerrada a polêmica, o deputado avaliou as declarações podem atrapalhar o andamento das reformas. "Traz prejuízos, mas espero que não sejam muitos", afirmou antes de chamar o presidente Lula de "neo-reformista". "Reformistas de primeira ordem é a oposição que só não aprovou as reformas porque o partido do presidente não deixou", resumiu.
Ao mesmo tempo em que os líderes se revezavam para protestar contra as declarações de Lula ou para dizer que já estava tudo esclarecido, cerca de 300 empresários que foram ao Congresso para pedir mudanças na reforma tributária amenizavam a gravidade da situação. "O presidente está defendendo as reformas com a ênfase necessária para que elas possam ter tramitação rápida, em função do compromisso que o governo assumiu de viabilizá-las, porque são fundamentais para a consolidação das finanças do Estado", disse o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Gabriel Jorge Ferreira.
Organizador da marcha dos empresários a Brasília, Jorge Gerdau Johanpetter, avaliou que o presidente "pôs para fora todo o seu sentimento na busca de que as reformas tenha sucesso", embora tenha criado uma situação de conflito. A mesma interpretação foi feita pelo presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio Oliveira Santos. Para ele, o discurso de Lula foi "uma demonstração de vontade política do Executivo" de fazer as reformas necessárias, vontade inexistente no governo anterior. Raquel Ribeiro e Marcos Chagas