Brasília, 24/6/2003 (Agência Brasil - ABr) - Os gastos com a criminalidade consomem hoje até 5% do Produto Interno Bruto (PIB) de três das principais cidades brasileiras - Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo -, com a destinação de recursos para o tratamento das vítimas e prevenção da violência. Esse valor também engloba os gastos indiretos, que são aqueles relacionados ao que deixa de ser produzido em função da existência da criminalidade.
Levantamento realizado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, e apresentado hoje pelo ministro Márcio Thomaz Bastos durante seminário sobre Segurança Pública, na Câmara dos Deputados, mostra que, em 1999, a criminalidade custou
R$ 9,4 bilhões ao município de São Paulo. No mesmo ano, na capital mineira, foram gastos cerca de R$ 900 milhões em decorrência de crimes, e, em 1995, o custo da violência no Rio de Janeiro foi da ordem de R$ 2,5 bilhões.
O diagnóstico da criminalidade apresentado por Thomaz Bastos também revelou que, entre 1980 e 1995, a incidência de homicídios no Brasil dobrou: a relação de 11 ocorrências para cada grupo de 100 mil habitantes passou para 23 casos, a cada 100 mil indivíduos. Se comparada a de outros países, a taxa de homicídios no Brasil só é superada pela da Colômbia, África do Sul, Jamaica e Venezuela. O ministro lembrou que esse aumento no índice brasileiro não pode ser observado em todo o território nacional, destacando que, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, o quadro é mais agudo.
O estudo traz outro dado preocupante, que mostra a concentração espacial da criminalidade em cidades com grande população: metade dos casos verificados no Brasil em 2001 ocorreu em apenas 27 municípios, o que representa menos de 1% do total de municípios brasileiros. Na maioria dos casos, a vítima é do sexo masculino e tem entre 17 e 23 anos.
Em relação ao uso de armas, os dados da Senasp também são alarmantes. Em 1998, de um total de 41.838 homicídios registrados no país, 25.603 foram praticados com armas de fogo, o que equivale a 61,2% do total de casos. "Esse é um tema crucial e fundamental que tem que ser discutido e resolvido no Brasil", observou Thomaz Bastos, acrescentando que o aumento da incidência do uso de arma nos últimos anos também é verificado em outros tipos de crimes, como roubo, que se concentram principalmente no sul, onde "a situação sócio-econômica da população é significativamente melhor que nos estados do norte do país".
No que se refere aos custos sociais da violência, o ministro destacou a redução da intensidade das relações sociais e da qualidade de vida, seguidas do aumento da sensação de insegurança na população. "Fatos como deixar de ir a certos locais, evitar usar certas roupas, evitar sair de casa à noite ou gastar altas somas de dinheiro na compra de equipamentos privados de segurança são indicadores desse fenômeno", destacou Thomaz Bastos, que relacionou esses comportamentos à aquisição de armas de fogo em busca de proteção.
Sobre a proibição do porte de armas no País, ele informou que, em duas semanas, a posição do governo estará fechada. "É uma questão complexa, que tem gradações. É preciso calma, para não cometer erros nem por precipitação nem para fazer aquilo que se chama legislação de pânico", explicou.
O ministro reiterou que para combater a criminalidade no país é necessária a integração de várias medidas fortes e duras, em várias frentes de atuação, que envolvam governo, Legislativo, Judiciário, como apoio da sociedade. "Essa não é uma luta fácil, não é uma luta que nós vamos ganhar no primeiro minuto do jogo, numa comparação futebolística do gosto do presidente da República. É uma luta talvez que a gente vá ganhar no último minuto do jogo, mas precisamos jogar os 90 minutos. Temos que jogar cada minuto como se fosse o primeiro, como se fosse o único ", disse o ministro, enfatizando que a questão da segurança pública no Brasil é dever do governo atual. "Não queremos jogar a responsabilidade para governos anteriores ou deslizá-las exclusivamente para os governos estaduais".
Segundo o ministro, o fundamental nesse processo é alterar as ferramentas de que o Estado dispõe para transformar a realidade, por meio do enfrentamento da violência. "Na hora em que a gente conseguir ter uma polícia eficiente, integrada, capaz de desvendar os crimes rapidamente; um Poder Judiciário que tenha uma resposta pronta, que condene; e um sistema prisional que não seja simplesmente um depósito de pessoas, mas que tenha critério, que não tenha discriminação, que mantenha em regime duro àqueles que precisam e que mantenha fora da cadeia aqueles que só estão lá para serem massas de manobra; na hora em tivermos essa linha de produção voltada para o combate à criminalidade, acredito que aí conseguiremos a vitória que não podemos deixar de ter", ressaltou.
Sobre o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), Thomaz Bastos afirmou que, no máximo, até o fim de agosto, os 26 estados e o Distrito Federal deverão ter assinado com o governo federal o convênio de adesão ao sistema, que prevê a ação integrada das polícias. Até agora, dez estados já aderiram ao Susp: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Alagoas, Rio Grande do Norte, Piauí e Mato Grosso do Sul. "Acredito que menos pelo dinheiro que se repassa, e mais pela possibilidade de trabalho conjunto, de trabalho perto um do outro, de simplificação de esforços, de serviços de inteligência do estaduais falando com os federais, vamos ter grandes ganhos e grandes êxitos nessa luta contra criminalidade", avaliou.
Para o combate ao crime organizado, Thomaz Bastos também destacou a reestruturação da Polícia Federal, a construção de cinco penitenciárias federais de segurança máxima e a adoção de uma série de medidas contra a lavagem de dinheiro, entre elas a criação de um cadastro único de correntistas no Banco Central e a reestruturação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf),órgão do Ministério da Fazenda.
O ministro voltou a falar sobre os perigos da chamada legislação de pânico, que seria criada em decorrência da onda de criminalidade, medida que também foi criticada pelo presidente da Câmara dos Deputados, deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Ao abrir o seminário, o presidente da Câmara disse que o tema da violência não pode ser esgotado por meio de leis. "É verdade que todos os projetos que ajudem a combater a violência e melhorar a questão da segurança, nós vamos fazer. Agora não é essa a razão primeira.Temos um entendimento na Casa de que não é somente com o aumento das penas ou com a vontade feroz de penalizar cadavez mais que vamos resolver o problema da segurança", salientou.
Já o diretor-executivo da Organização Não-Governamental Viva Rio, Rubem César Fernandes, destacou que, pela primeira vez, a instituição percebe em um governo federal a disposição de enfrentar o problema da violência, com a implantação do Susp. Fernandes fez um alerta para o surgimento de um grupo de risco formado por jovens 15 a 24 anos que deixaram a escola antes de completar o ensino fundamental e que não são atendidos por políticas de inclusão social, especialmente as educacionais. "Precisamos prioritariamente, se queremos enfrentar o crime, de uma política de educação para adolescentes e jovens que estão fora da escola", defendeu.(Juliana Andrade)