Ouro Preto (MG), 21/04/2003 (Agência Brasil – ABr) – No dia em que o Brasil comemora o Dia de Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira, o berço do histórico movimento de independência do país pede socorro. A cidade de Ouro Preto, palco da Inconfidência e hoje patrimônio mundial da humanidade, sofre com o descaso das autoridades e com uma série de problemas que ameaçam destruir parte da história viva do Brasil.
Ao caminhar pelas ruas de Ouro Preto é fácil observar os danos provocados pelo tempo nos prédios históricos. Além da fragilidade das construções, a cidade enfrenta problemas causados pela ocupação desordenada das encostas, tráfego pesado no centro histórico, estrutura de saneamento precária e obras irregulares. Segundo a Associação de Amigos do Patrimônio
Cultural e Natural de Ouro Preto (AMO Ouro Preto), a cidade já tem hoje 25% do seu patrimônio descaracterizados.
Na semana passada, um incêndio num casarão do século XVIII, na Praça Tiradentes, coração histórico de Ouro Preto, reacendeu as discussões sobre a fragilidade da cidade. Sem estrutura adequada do Corpo de Bombeiros para apagar as chamas, o casarão foi destruído e o fogo se alastrou por construções vizinhas. Graças à ajuda dos moradores e de bombeiros de cidades próximas, o centro histórico não foi afetado. "A gente conta com a sorte e com os deuses que o povo crê em Ouro Preto para que não aconteça tão logo outra tragédia. Se acontecer, outras edificações serão destruídas", alerta o sub-tenente do Batalhão Contra Incêndio de Ouro Preto, Geasi Isidoro.
A cidade de 40 mil habitantes possui hoje apenas seis hidrantes em toda a sua extensão, dos quais só um está em condições ideais de funcionamento. O Corpo de Bombeiros da cidade atende, além de Ouro Preto, a outros 26 municípios vizinhos com equipamentos antigos e defasados. Além disso, em Ouro Preto não há nenhuma representação da Defesa Civil para que os moradores da cidade possam ser alertados em caso de riscos de novos incêndios ou desabamentos. Em dezembro de 2002, um casarão tradicional desabou e matou uma pessoa. "O risco aqui é constante. Ele não acaba nunca", resumiu o sub-tenente.
O incêndio e o desabamento não foram os primeiros sinais de alerta dos riscos que o patrimônio mundial da humanidade vem sofrendo. No final do ano passado, um caminhão em alta velocidade destruiu um dos principais chafarizes da cidade, ao lado da tradicional Igreja dos Pilares. O episódio é até hoje lembrado com muita tristeza pelos moradores, e abre uma interrogação sobre o convívio entre a modernidade e o tradicional – marcas de uma Ouro Preto do século XXI.
A comerciante Maria Imaculada Dias, dona de uma pensão ao lado do casarão incendiado, foi uma das vítimas da precariedade em que se encontram as instalações da cidade. O fogo do casarão se alastrou para sua pensão no momento do incêndio e parte de seus hóspedes – a maioria estudantes que moram em Ouro Preto – perdeu tudo. Três quartos da pensão foram totalmente destruídos e um pedaço do prédio ainda ameaça desabar. "A casa está inutilizada. Tenho medo até de cair um pedaço dela. Fiquei sem o meu trabalho e perdi muito com tudo isso. Se as autoridades não derem um jeito, não terei como me manter", desabafou dona Maria, que estima em R$ 25 mil o seu prejuízo com o incêndio.
Uma semana antes do fogo, o Comitê do Patrimônio Mundial de Paris enviou um emissário para avaliar o estado de conservação da cidade. A Unesco também mandou representantes e, em 90 dias, será divulgado um relatório com recomendações ao governo brasileiro para reverter o processo de descaracterização da cidade-patrimônio. Se os problemas persistirem, Ouro Preto poderá ser incluída na lista do patrimônio mundial em perigo.
Caso isso aconteça, a cidade corre o sério risco de perder o título de patrimônio cultural da humanidade que recebeu em 1980. A Unesco também já anunciou a liberação de R$ 20 mil para trabalhos de prevenção que serão feitos por voluntários em Ouro Preto como forma de minimizar os estragos já registrados em todo o seu centro histórico. A prefeita da cidade, Marisa Xavier, preferiu não se manifestar sobre o incêndio nem sobre os riscos que ameaçam a história da cidade.
Mesmo diante de tantas dificuldades, Ouro Preto continua encantando uma multidão de turistas que lotam suas ruas para ver de perto um capítulo vivo da história do Brasil. Durante as comemorações da Semana Santa, que terminam hoje com a celebração do Dia de Tiradentes, cerca de 30 mil turistas terão passado pela cidade. Gente como a contadora carioca Mônica Pessoa, que reuniu a família para comemorar a Páscoa na cidade mineira, e resume o sentimento de tantos turistas que visitam Ouro Preto: "A prefeitura e os governantes devem ter mais cuidado para manter a cidade como nosso patrimônio histórico. Afinal de contas, mesmo com tantos problemas, Ouro Preto continua linda".