Lula: cada povo deve definir seu destino

21/04/2003 - 18h32

Ouro Preto (MG), 21/4/2003 (Agência Brasil - ABr) - Ao discursar hoje, nesta cidade, nas solenidades que marcaram o Dia da Inconfidência, que lembra a figura histórica de Tiradentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a resposta de Vila Rica, gravada no coração de todos foi definitiva: "apenas o próprio povo pode definir o seu destino". O Brasil, em suas lutas emancipatórias forjou a consciência coletiva de que não é possível construir-se como nação sem afirmar a sua soberania, o que implica negar toda e qualquer forma de tutela e subserviência. E, só é efetivamente soberana a nação que assume em plenitude a interdependência dos povos e que se empenha em promover relações universais de cooperação e solidariedade, disse Lula.

Para Lula, ficaram obsoletas duas idéias defendidas nas últimas décadas, como se fossem verdades incontestáveis. A primeira, é que o estado nacional deve ser mínimo e, em consequência, fraco. A segunda, é que tudo pode ser deixado por conta do mercado, como se ele resolvesse automaticamente todos os problemas. "Nós dissemos durante a campanha que era preciso superar essas visões equivocadas. Agora, no Governo, estamos trabalhando para mudar essa situação; estamos atuando em todas as frentes possíveis para garantir que a promessa de uma globalização com justiça social que semeie oportunidades e compartilhe seus frutos, transforme-se de fato em realidade", afirmou o presidente.

A integração que serve ao país e ao bem estar do povo "não é a inserção passiva e subalterna em uma ordem mundial assimétrica e excludente; é uma integração ativa e criativa de um país independente, em que os valores e os interesses nacionais sejam preservados, sem que para tanto tenhamos que desconsiderar as demais nações". "Nós acreditamos que é possível realizar uma integração competitiva na área externa, sem que dela resulte a desintegração social interna. Só assim a União Européia pôde ser construída e a globalização poderá ser economicamente equilibrada e socialmente justa.

O presidente lembrou que nos contatos bilaterais em fóruns internacionais "temos questionado as barreiras que os defensores do livre mercado impõem às nossas exportações, enquanto subsidiam fortemente as suas. O Brasil é a favor do livre mercado, segundo Lula, desde que todos os países tenham oportunidades iguais de competir, desde que todos os países tenham o acesso igualitário aos mercados consumidores.

O presidente disse que as reformas vão ser feitas com amplo diálogo social e que temos avançado muito no debate com os movimentos de trabalhadores rurais em torno de um verdadeiro plano nacional de reforma agrária. Os projetos das reformas da Previdência e Tributária vão ser encaminhados ao Congresso e o governo está confiante de que o "maior fórum democrático" cumprirá o seu papel neste momento-chave da história.

A íntegra do discurso do presidente é a seguinte:

"Primeiro, vamos às boas notícias, porque Ouro Preto merece receber de todos nós um carinho por aquilo que representa para a nossa história. Amanhã, em Brasília, o nosso ministro da Cultura, Gilberto Gil, lançará um edital de seleção para financiamento da restauração de imóveis privados dentro dos sítios históricos, tombados pelo IPHAN. Uma iniciativa pioneira de intervenção do estado no patrimônio histórico.

Entre os dias 28 e 29 deste mês, o ministro da Cultura estará em Minas Gerais, com a sua equipe, e virá aqui, a Ouro Preto, para anunciar outras ações: a restauração do Museu da Inconfidência e do Palácio dos Governadores e a reforma e ampliação do Museu do Aleijadinho.
Além disso, o Ministério da Cultura já está investindo cerca de 12 milhões de reais na recuperação do patrimônio histórico e cultural de Ouro Preto, por meio do programa Monumenta.
O mesmo programa prevê novos investimentos na recuperação de imóveis privados nos sítios históricos tombados pelo IPHAN. Mais ainda, quando eu soube do incêndio, eu pensei em vir aqui anunciar a restauração, mas, graças a Deus, o proprietário, o empresário Omar Perez, comunicou, numa carta a mim, ao governador do estado e ao ministro da Cultura, que ele próprio vai reconstruir o casarão incendiado. O governo Federal, naquilo que for possível, certamente irá contribuir.

Uma outra notícia boa, esta eu acho que vai alegrar muita gente: o companheiro Roger Agnelli, presidente da Vale do Rio Doce, comunicou a todos nós, aqui e agora, que vai começar a recuperação da estrada de ferro Ouro Preto-Mariana, para que a gente possa passear nela.
Agora, eu gostaria de pedir um favor para vocês. Eu não posso vir todo dia a Ouro Preto. Eu gostaria de pedir que os companheiros e companheiras que estão com faixas, aqueles que estão contra ou a favor, aqueles do Cruzeiro, do Atletico, por favor baixem as faixas para que a gente possa ver a fisionomia das pessoas e que elas possam nos ver. Eu dou muita importância para os companheiros que vão aos atos públicos com as suas faixas, mas eu acho que, além de mostrar a faixa para as autoridades é extremamente importante respeitar o povo que quer ver o palanque. Então, eu queria ponderar aos companheiros, inclusive da gloriosa Liga Operária, que, de operário mesmo que é bom...

Companheiros e companheiras, esta é uma data e este é um lugar que nos dão a oportunidade de refletir sobre os legítimos interesses nacionais e sobre o papel do Brasil no mundo de hoje. Muitas vezes ficamos presos aos compromissos e desafios do dia-a-dia e deixamos um pouco de lado o debate sobre os rumos do país, sobre o caminho que estamos seguindo, sobre os nossos pontos de partida e de chegada. Lá se vão 211 anos da Inconfidência Mineira, como já foi lembrado aqui. As idéias, a luta e o sacrifício de Tiradentes e dos revoltosos de Minas Gerais marcaram a nossa História e nos iluminam até hoje

Há uma pergunta que eles se fizeram e que permanece válida para todos os povos: quem pode decidir sobre os destinos de um país? A resposta de Vila Rica, gravada no coração de todos os brasileiros e brasileiras, foi definitiva. Apenas o próprio povo pode definir o seu destino. Uma nação não é apenas a soma de pessoas que ocupam o mesmo território, e mais, muito mais que isso, é uma comunidade de destino. A soberania é justamente a possibilidade social, historicamente construída, de um povo decidir o seu destino.

A soberania não é um ornamento de retórica, não se terceiriza nem se delega, e principalmente não se impõe; é uma conquista de cada povo, e nunca é definitiva. Como a liberdade, é sempre uma conquista do presente para garantir também o futuro. O Brasil, em suas lutas emancipatórias, forjou a consciência coletiva de que não é possível construir-se como nação sem afirmar a sua soberania, o que implica negar toda e qualquer forma de tutela e subserviência. Afirmar a soberania nacional não é simplesmente reconhecer a identidade de um povo, é também respeitar a sua diversidade e criar as condições para que todos, em suas diferenças, sejam titulares dos mesmos direitos.

Afirmar a nossa soberania é ainda, e necessariamente, reconhecer a soberania dos demais povos - reconhecimento que não é meramente formal, e que significa a aguda consciência de que a humanidade comunga de um mesmo destino. E, se é assim, só é efetivamente soberana a nação que assume em plenitude a interdependência dos povos e que se empenha em promover relações universais de cooperação e solidariedade.

Acredito que a questão social é a grande fronteira a ser defendida e ampliada no mundo globalizado. Quem sabe esteja ai a missão superior do estado nacional do século XXI. Acabar com a fome e a pobreza, gerar trabalho digno e paz social, avançar nesse sentido é um desafio e tanto, requer o aprofundamento da dimensão republicana da democracia, significa criar uma forte co-responsabilidade social, aperfeiçoando cada vez mais a democracia representativa e envolvendo toda a sociedade na definição das políticas públicas e do modelo de desenvolvimento.

A verdade é que existe um fosso profundo entre a parcela da humanidade beneficiada pela globalização e a grande maioria que, além de não se beneficiar, ainda se sente ameaçada por ela. Duas ideias defendidas nas últimas décadas, como se fossem verdades incontestáveis, já revelaram sua inconsistência, e estão sendo superadas em boa parte do mundo: a primeira é que o estado nacional deve ser mínimo e, em conseqüência, fraco; a segunda idéia é que tudo pode ser deixado por conta do mercado, que resolve automaticamente todos os problemas. O mercado é, sem dúvida, uma alavanca necessária na vida econômica e deve ser dinamizado ao máximo. Mas nós sabemos que há valores que não podem e não devem estar subordinados à lógica mercantil. O direito à vida e a tudo o que ela implica não pode ser objeto de compra e venda.

Nós dissemos, durante a campanha, que era preciso superar essas visões equivocadas. Agora, no governo, estamos trabalhando para mudar essa situação, estamos atuando em todas as frentes possíveis para garantir que a promessa de uma globalização com justiça social, que semeie oportunidades e compartilhe seus frutos, transforme-se, de fato, em realidade. E, para isso, a opção que se coloca não é o isolamento, não é a xenofobia. Não se trata sequer de discutir se devemos ou não integrar o país ao mundo. Isso já está resolvido na sociedade brasileira.

Hoje, a pergunta que devemos nos fazer é: mas qual integração? Qual é a integração que serve ao nosso país e ao bem-estar do nosso povo? Certamente não é a inserção passiva e subalterna em uma ordem mundial assimétrica e excludente, é uma integração ativa e criativa de um país independente, em que os valores e os interesses nacionais sejam preservados, sem que para tanto tenhamos que desconsiderar as demais nações.

Nós acreditamos que é possível realizar uma integração competitiva na área externa, sem que dela resulte a desintegração social interna. Só assim a União Européia pode ser construída, só assim a ALCA, só assim a globalização será economicamente equilibrada e socialmente justa. E meu governo tem agido incansavelmente na defesa desses princípios. Em contatos bilaterais em fóruns internacionais, questionamos as barreiras que os defensores do livre mercado impõem às nossas exportações, enquanto subsídiam fortemente as suas. Somos a favor do livre mercado, desde que todos os países tenham oportunidades iguais de competir, desde que todos os paises tenham o acesso igualitário aos mercados consumidores.

Com as novas diretrizes da nossa política externa, aceleramos as negociações com os parceiros do Mercosul. Demos nossa contribuição para ajudar a solucionar institucionalmente a grave crise política da Venezuela. Intensificamos a aproximação com os paises do Pacto Andino.
Estamos requalificando e expandindo nossas relações com a África e dando uma importância inédita as parcerias com a China, Índia, Russia, África do Sul, entre outros paises em desenvolvimento. O Brasil já está exercendo um novo papel, sem arrogância nem hegemonismo na América Latina e também no plano mundial. Não podemos tudo, mas podemos muito mais.

O imobilismo a que ficou relegado o Estado brasileiro nos últimos anos e a atrofia que lhe foi imposta devem ser revertidos. Para mudar essa situação, estamos resgatando o papel coordenador e de planejamento estratégico que o estado precisa ter e fazendo parcerias sólidas com a sociedade civil. Essas são condições necessárias para a retomada do desenvolvimento. Tudo isso requer políticas, estratégias e sintonias finas, decisão e cautela. Assim como estamos elevando cada vez mais as exportações, queremos também expandir a poupança e o mercado interno, valorizando, em especial, as pequenas e médias empresas brasileiras. Sem isso, não reduziremos a nossa vulnerabilidade, e novos gargalos poderão impedir a retomada do crescimento. Sem isso, o país continuará a contrair dívidas novas para pagar juros da dívida velha, num circulo vicioso que sufoca e imobiliza.

Herdamos essa delicada transição, mas viemos preparados para dar conta desse tremendo desafio. E já conseguimos, nesses cento e poucos dias, resultados animadores. É preciso persistir e avançar mais. Afastamos o país de uma situação crítica. Estamos recuperando a confiança nacional e internacional. Mas ainda há muito por fazer. Mais do que apenas ajustes técnicos nas variáveis econômicas, o país carece de autênticas reformas estruturas. As reformas são imprescindíveis para que o Brasil supere a estagnação e retome o caminho do desenvolvimento sustentado, para que o nosso país volte a crescer, gerando emprego e distribuindo renda.

Faremos a reforma com amplo diálogo social, compartilhando com todos os setores a responsabilidade pela construção de um novo país. Temos avançado muito no debate com os movimentos de trabalhadores rurais em torno de um verdadeiro plano nacional de reforma agrária, e já adiantamos bastante a construção de consenso em torno dos pontos básicos da reforma da previdênca e da reforma tributária. A parceria com governadores, prefeitos e com movimentos sociais está sendo essencial nesse processo. Vamos encaminhar os projetos das reformas ao Congresso e estamos confiantes de que o nosso maior fórum democrático cumprirá com o seu papel neste momento-chave da nossa história.

Recordo aquí as palavras, a um só tempo simples e profundas, do mestre Celso Furtado: o desenvolvimento é ser dono do seu próprio destino.

Duzentos e onze anos depois da morte de Tiradentes, os ideais que inspiraram os inconfidentes, bem como os sonhos igualitários e republicanos de todas as épocas e latitudes, estão cada vez mais presentes e vigorosos entre nós.

Cabe-nos agora dar novos passos consistentes e ousados, e é o que estamos fazendo e vamos fazer, governo e povo brasileiro juntos.

Muito obrigado".