Brasília, 21/4/2003 (Agência Brasil - ABr) - A história entre o médico mineiro Ernesto Silva, 88 anos, e Brasília começou sete anos antes da inauguração da capital federal. Em 1953, ano em que a Comissão de Localização da Nova Capital foi instituída, o médico foi convidado a integrar a equipe encarregada de analisar os cinco melhores sítios de mil quilômetros quadrados identificados numa área de 52 mil do Planalto Central por uma empresa norte-americana. O convite partiu do presidente da comissão, Marechal José Pessoa.
O papel de Ernesto Silva na construção de Brasília não pára por aí. Além de ser o primeiro médico a chegar à região onde, em três anos, seria erguida a capital federal, ele se tornou homem de confiança do presidente Juscelino Kubitschek. Depois de eleito, JK pediu que Silva assumisse a presidência da comissão até que a lei de criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) fosse sancionada, em 19 de setembro de 1956. "Na mesma data, lancei o concurso para o Plano Piloto, cujo vencedor foi o urbanista Lúcio Costa", lembra, orgulhoso, o médico pioneiro, hoje aposentado.
As memórias foram publicadas no livro "História de Brasília", obra em que Ernesto Silva relata que muita gente não compreendeu porque, entre 26 participantes, Lúcio Costa venceu o concurso, já que apresentou apenas um "traçado simples da cidade, em esboço, acompanhado de um memorial, enquanto os demais candidatos entregaram volumes de plantas, estatísticas e planejamentos". Segundo o médico mineiro, Lúcio Costa expôs em seu trabalho o traço básico da cidade, "tudo muito simples como convém às grandes obras e às grandes idéias", destaca Silva, nomeado por Juscelino para ser um dos diretores da Novacap. "Entrei por mérito, sem indicação política de ninguém, porque Juscelino sabia que eu vinha da comissão e que conhecia bem a região", frisou.
Na época, Ernesto Silva e outros diretores e engenheiros da Novacap moravam no Catetinho, construção de madeira finalizada em apenas dez dias, que foi a primeira residência oficial de Brasília. O médico lembra que seu quarto ficava ao lado do que era ocupado pelo presidente quando ele vinha a Brasília. "A gente trabalhava demais, e acordava cedo, às seis da manhã, com o vento frio entrando pelas frestas na tábua", recorda. "Mas o trabalho era bom, porque a gente se esforçava para terminar a cidade até a data marcada para a inauguração", diz.
As lembranças da grande festa popular que marcou a inauguração da nova capital emocionam o pioneiro até hoje. Mas ele admite que, em meio às comemorações e à alegria de ter desempenhado um papel importante na construção, sentiu a perda da cidade, como se um ente querido estivesse indo embora. Para Ernesto Silva, a concretização do sonho de construir Brasília, de certa maneira, "acabava com a luta trepidante e começava a rotina sem gosto de heroísmo".
Pelas contas do médico, dos 28 ocupantes de cargos de chefia na época, apenas ele e o arquiteto Oscar Niemeyer estão vivos. "Tenho 88 anos, mas me sinto com tivesse 60. A gente calcula a idade verdadeira pela capacidade de trabalho, pelos sonhos, pelo bom-humor", ensina Ernesto Silva, que faz questão de manter contato com outros pioneiros. Para ele, cada um dos personagens que ajudaram a levantar a cidade, seja engenheiro, carpinteiro, pedreiro, arquiteto ou diretor, é um pouco dono da capital.
Em 1992, Silva fundou a Associação dos Candangos Pioneiros de Brasília, que já teve mais de 1,6 mil membros. "Considero pioneiro quem chegou aqui até o dia da inauguração da cidade, e enfrentou poeira, lama, desconforto, mas com muito idealismo e solidariedade", observa o mineiro, que pretende reunir histórias dos pioneiros e publicá-las em um livro.
O amor pela capital do país faz com que Ernesto Silva compre várias brigas em defesa da cidade, principalmente quando constata que o projeto original de Lúcio Costa é modificado, com a invasão de espaços públicos por áreas comerciais e a instalação de outdoors e de publicidade sem critérios, por exemplo. "Estão destruindo Brasília, que é a única cidade moderna do mundo tombada. Trabalhei muito e agora defendo a minha cria", protesta Silva, que integra o Conselho de Gestão da Área Preservada, criado em janeiro