Porto Alegre, 27/1/2003 (Agência Brasil - ABr) - O deputado boliviano Evo Morales lamentou não estar em Porto Alegre, por meio de uma carta lida, hoje, por dois conterrâneos, enviados por ele. A carta, uma denúncia da morte de trabalhadores, vítima de confrontos com soldados do exército, foi também um desabafo do desprezo pela cultura de seu país, por parte das potências do hemisfério Norte e também da mídia, que sequer registrou as mortes que vêm ocorrendo. Morales participaria, hoje, do 3° Fórum Social Mundial (FSM), na conferência que tenta responder como enfrentar o imperialismo.
As estradas bolivianas estão ocupadas por 100 mil homens do exército. Além disso, centros de saúde e escolas foram transformados em quartéis. Morales denunciou que trabalhadores estão morrendo por lutar pelos recursos naturais bolivianos. Nove deles morreram assassinados por soldados do exército desde o dia 13 de janeiro, quando os trabalhadores passaram a bloquear as estradas em forma de protesto. Outros onze trabalhadores aposentados morreram, num acidente provocado durante uma manifestação, segundo Morales. Além disso, várias pessoas tem sido torturadas.
Deputado pelo partido Movimento ao Socialismo e candidato mais votado à Presidência, na eleição do ano passado, realizada em março, Morales foi derrotado no segundo turno, que é feito em votação indireta, no Congresso. Ele defende a causa dos cocaleros e, em sua carta, aos participantes do 3° FSM, ele disse que a luta dos trabalhadores é também contra a demonização que se faz contra a folha de coca, símbolo das culturas andinas há milhares de anos.
O povo boliviano tem na sua formação os povos indígenas quechua, aymara e guarani, e outros 30 povos indígenas, que usam a folha de coca para enfrentar os efeitos do frio e da altitude. "Não queremos ver destruída nossa cultura. A folha de coca é símbolo da solidariedade nas culturas andinas, mas está sendo perseguida e demonizada como se fosse causa do vicio das drogas", disse na carta. Morales afirmou que a luta contra as drogas, liderada pelas potências do hemisfério Norte, não passa de pretexto para militarizar os territórios latino-americanos.
A luta dos trabalhadores na Bolívia, relatou, é para retomar o gás. "Temos as maiores reservas de gás natural da América do Sul. Queremos que nosso gás de volta, porque ele é nosso futuro", disse. Na tentativa de lutar pelos seus recursos naturais, os deputados que defendem a causa indígena, conseguiram recentemente derrotar uma lei que permitia a venda de recursos subterrâneos de água, do Norte do país, para transnacionais do ramo da mineração, conforme relatou Morales.
Morales classificou a situação atual da Bolívia como um estado de sítio de fato, já que o governo não se pronunciou sobre os conflitos que vêm ocorrendo. Ele disse que o movimento social age em defesa da água, do gás, dos recursos naturais do país, mas também contra o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca). "A Alca representará o etnocídio do nosso povo. Não queremos ser colônia. Não queremos esse tipo de globalização, queremos a integração que acontece nesse fórum", afirmou. Outra bandeira dos bolivianos, contou Morales, é construir uma frente latino-americana e mundial contra a dívida externa. Os trabalhadores da Bolívia defendem o regime democrático da Venezuela, defendem o governo cubano e o estado independente da Palestina.