Brasília, 1/12/2002 (Agência Brasil - ABr) - A construção institucional da República é um processo que não se completou inteiramente no Brasil e ainda hoje, após as interrupções do governo de Vargas - décadas de 30 e 40 - e dos militares - décadas de 60 e 70 - prossegue neste caminho. De acordo com o pensamento da professora Lúcia Avelar, chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília, e expresso em entrevista à Radiobrás, provavelmente pelo fato de a Proclamação da República ter se constituído uma iniciativa das elites brasileiras, sem a participação popular, "quase uma surpresa para a maioria", ainda hoje o povo brasileiro se ressente da conclusão de sua implantação completa.
"É interessante notar que República vem de 'rés-pública', que tem o sentido de coisa pública que não é usufruto privado de grupos e significa ainda que as pessoas são indistintas perante o Estado e a Lei", afirmou. "A República tem esse sentido de igualdade, mas que somente pode ser exercida na medida em que os indivíduos tenham as mesmas oportunidades", completou Lúcia.
O Brasil foi colonizado pelo grande proprietário de terra e, desta forma a estrutura e a constituição do governo do país foram sendo formadas ao longo dos anos pelos grandes latifúndios e pelas elites. "Em nossos primeiros anos de República o poder foi exercido pelos coronéis do grande interior do Brasil, que detinham o poder da terra. A terra era tudo e os coronéis eram quem davam emprego, que sustentavam as famílias, eram o poder jurídico", disse a professora. Ela explicou que mesmo havendo já uma estrutura jurídica já constituída ela se confundia com o poder local do proprietário da terra. "Os primeiros presidentes da República eram quase reféns dessas oligarquias", lastimou.
Segundo a professora, a instauração da República nos Estados Unidos, em 1776, e na França, em 1792, exerceu influência em quase todos os países do mundo, e especialmente naqueles de forte colonização, como foi o Brasil. "Mas aqui teve um forte diferencial: naqueles países a República foi estabelecida a partir da vontade da população, enquanto em nosso país ela foi a expressão da vontade da elite que a proclamou. Uma elite militar, letrada e política diferente da maioria. Essa é a nossa herança", salientou a entrevistada.
No entanto, a professora frisou que o povo brasileiro ganha a cada ano maior consciência política. "Desde o período da proclamação, no final do Século XIX até os primeiros anos do Século XXI, nós estamos fazendo essa construção, e hoje já sabemos que não é mais possível conviver com as desigualdades que marcaram a proclamação da República em nosso país", ressaltou.
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