Serviço de C&T

01/03/2002 - 8h33

Cetem apresenta produtos para orientação da pesquisa na mineração

- Documento apresenta as ações e desafios que governo e o setor devem implementar para que a mineração deixe de ser vista apenas como atividade devastadora.

Brasília, 1 (Agência Brasil – ABr) – A mineração certamente será, este ano, pauta de discussões científicas, políticas e ambientais no que depender de Maria Laura Barreto, pesquisadora do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) da área de direito dos recursos naturais. Coordenadora de dois projetos de envergadura ousada, ela apresenta, no próximo dia 8, os primeiros resultados de trabalhos desenvolvidos ao longo de 2001, numa solenidade na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, onde está a sede do centro de pesquisas ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Batizado com o nome de "Mineração e Desenvolvimento Sustentável: Desafios para o Brasil", o evento terá a presença do vice-presidente Marco Maciel, pessoa sempre interessada em assuntos ligados ao desenvolvimento científico e tecnológico. É um ganho político para o lançamento dos produtos que, em resumo, servirão para "mostrar a cara da mineração para a sociedade, sem medo algum, e para que o setor enfrente os problemas que existem", sintetiza Maria Laura.
O título do evento é o mesmo do livro produzido dentro do âmbito de um dos projetos coordenados pela advogada - o Mineração, Minerais e Desenvolvimento Sustentável (MMSD), uma iniciativa de empresários britânicos, do setor, que atua em rede mundial de parceiros. Na América do Sul, os participantes são Brasil, Chile, Peru, Bolívia e Equador. O objetivo do MMSD, este ano, é apresentar o Informe Global sobre o Setor Mineral na Cúpula da Terra, também chamada de Rio+10, por ter sido convocada, 10 anos depois, para rediscutir pontos analisados na Convenção sobre o Meio Ambiente, a Rio 92. A reunião será em setembro, em Joanesburgo (África).
O informe sobre o Brasil traz, segundo Maria Laura, mais que o aspecto formal de traçar um panorama da situação mineraria no país, quanto aos seus aspectos legais, econômicos, ambientais, políticos e locais. "As agendas, imbuídas de compromissos a serem cumpridos, são o filet mignon do informe brasileiro, porque apresentam os grandes desafios para o setor mineral", explica.
Cerca de 20% da Amazônia brasileira é composta por áreas indígenas e, os participantes que colaboraram nas discussões sobre os temas do informe (universitários, sindicalistas, funcionários públicos, membros de organizações não-gorvernamentais) concordaram que é preciso definir os critérios que permitam ou vedem a mineração nas áreas indígenas e também nas áreas de proteção ambiental. Desde 88, a extração de minério nas áreas indígenas está proibida, mas os requerimentos continuam em curso.
Qualquer tipo de empreendimento do setor, seja pequeno, médio ou grande, deve atentar para a adoção de tecnologias modernas, principalmente as ditas limpas e sustentáveis. Esse é outro desafio apontado no informe brasileiro. "As tecnologias adotadas têm que visar à minimização dos impactos ambientais, ao aproveitamento máximo e eficiência dos bens minerais, à geração de menos rejeitos na matriz produtiva e também na transformação do mineral, o que implica em atividades da metalurgia e da siderurgia", esmiuça Maria Laura.
A constatação de que a insalubridade é presença generalizada no setor fez com o desafio da qualidade do emprego fosse enumerado no informe. "O setor tem altos índices de mortalidade e incapacidade, por isso estabelecemos que é preciso estudar o que está acontecendo", disse a advogada. Para ela, o governo precisaria, para ampliar sua ação nesse campo, criar um programa de saúde ocupacional específico para o setor mineral.
Um desafio que engloba tanto o poder público, como o poder privado, e também, na outra ponta, a sociedade diz respeito à imagem da mineração em todo o mundo. A atividade carrega o estigma de ser degradadora do meio ambiente e insalubre para os que nela trabalham, por isso, o documento aponta como primordial a promoção de uma política de "portas abertas". Ou seja, o setor teria que passar da conduta passiva para a ativa, criando organismos e mecanismos que permitam a sociedade civil participar dos processos decisórios. "Também achamos que a sociedade civil deve se organizar para responder a esse desafio", completou.
Outras questões apontadas no documento são a regulamentação incidente sobre o setor ambiental e mineral (as metais seriam simplificar a legislação, unificando-a e integrando-a, sem tirar seu rigor); dotar de melhor infra-estrutura os órgãos que fiscalizam o setor, bem como capacitar o pessoal que neles trabalham, inserir a mineração nos planos chamados Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), importante instrumento de política ambiental; disseminação massiva de informação e indicadores; tirar a pequena mineração da informalidade (aqui incluídos os agregados, minerais para uso na construção civil e minerais industriais, metálicos ou de gemas – ouro e pedras; e a criação de regulamentação específica para o fechamento de minas.
No entendimento da equipe coordenada por Maria Laura, ouvidos os devidos atores que versam sobre as questões do setor, é preciso criar procedimentos e processos para o fechamento já na fase de licenciamento. "O atual código de mineração é falho nesse sentido e o novo que está em discussão no Congresso, apesar de inovador por incluir um capítulo sobre fechamento, ainda é tímido quanto ao assunto", opinou.
Também foi apontado como desafio o estabelecimento de processos certificadores específicos para o setor, para que motivem o empresariado, tanto o grande como o pequeno. (Lana Cristina)

Mapas do Cetem mostram a situação mineira na Amazônia, hoje

- Um deles aponta que os projetos de reflorestamento na Amazônia são tímidos e que ainda se extrai minério em áreas indígenas, apesar da proibição.

Brasília, 1 (Agência Brasil – ABr) – A percepção de que a Amazônia é de suma importância não só para o Brasil, como para o mundo, impulsionou a criação de um programa, no âmbito do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. É o Desafios da Sustentabilidade da Mineração na Amazônia Brasileira, que aborda a representatividade do tema biodiversidade para o setor.
Desse programa, surgiram os produtos que serão apresentados no dia 8, na Cidade Universitária da Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, como parte da programação do evento Mineração e Desenvolvimento Sustentável: Desafios para o Brasil. Um deles é o Sustemin-Região Amazônica, um banco de dados, cuja pretensão é reunir todo o acervo de informações públicas sobre a região, abordando as mais diferentes variáveis, sócio-econômicas, ambientais, minerais etc.
"Pela importância da região Amazônica, constatamos que precisaríamos oferecer informação de boa qualidade, rápida e acessível", disse Maria Laura Barreto, pesquisadora do Cetem, que coordena o programa. Devido à complexidade do banco de dados, será apresentado apenas seu protótipo. De acordo com ela, a versão final será oferecida no futuro ao público em geral. Por enquanto, o protótipo do Sustemin está concretizado na confecção de três mapas que serão mostrados no evento.
Um deles ilustra a relação desmatamento versus uso do solo, enfocando todos os tipos de atividade desenvolvidas na Amazônia e sua contribuição para o desmatamento. Observa-se por esse mapa que a agricultura e a pecuária são as que mais contribuem. "A mineração tem uma participação residual nesse índice", garantiu a pesquisadora. Outra conclusão advinda da análise do mapa é que as ações de reflorestamento na Amazônia são muito tímidas.
Outro mapa aponta a distribuição dos títulos minerários nas terras indígenas e nas áreas de proteção ambiental. O interesse por esse mapa se justifica pela grande quantidade de requerimentos para exploração nesses locais. "As informações contidas nele podem colaborar na definição de uma política mais clara sobre a mineração nas terras indígenas, já que os requerimentos não estão impedidos e sim as novas autorizações", explicou. Há projeto de lei para regulamentar a exploração mineira nessas condições, em tramitação no Congresso. O mapa mostra também projetos antigos, anteriores a 1988 (quando se instalou a proibição), em operação.
O mapa geológico, também produzido pela equipe do Sustemin, sobrepõe as áreas indígenas com as protegidas e identifica as minas presentes nessas áreas. É um mapa técnico, que não revela o potencial mineral, mas cujos dados podem ser usados para inferir esse potencial, por apresentar a formação geológica da região.
Outro produto gerado pelo programa Desafios da Sustentabilidade da Mineração na Amazônia Brasileira é o Sustemin-Biblio, que reúne toda a bibliografia referente ao tema específico da mineração, bem como de assuntos que sustentam a questão, como a abordagem social, ambiental, política e industrial. Esse banco de dados reúne 90% da bibliografia existente no país sobre a mineração em terras amazônicas, e livros relacionados a temas mais gerais como a biodiversidade. Ali, estão informações tais como o índice dos títulos, onde encontrá-los, seus autores, e as referências sobre o documento. "Há poucos estudos sobre a mineração na região amazônica e, quando um pesquisador se interessa pelo assunto perde muito tempo na busca de literatura já produzida sobre o assunto porque essa bibliografia está dispersa", justificou Maria Laura.
Até um recente título, a ser incluído no Sustemin-Biblio, será lançado também como parte da programação do evento da próxima 6ª feira. O livro Ensaios sobre a Sustentabilidade da Mineração no Brasil traz artigos de pesquisadores de várias áreas de formação, com reflexões conceituais sobre os principais desafios do setor. A grande pergunta que se faz, na obra, é: "A mineração é sustentável?", em paralelo com a apresentação dos desafios para concretizar essa meta, e de sugestões que podem oferecer os instrumentos que permitirão o equacionamento da premissa mineraçãoxsustentabilidade. (Lana Cristina)

Cyted criará rede de pesquisa para o tema patrimônio mineiro

- Programa iberoamericano reúne esforço de pesquisadores das mais variadas áreas para promover ações em defesa do patrimônio geológico e mineiro

Brasília, 1 (Agência Brasil – ABr) – A iniciativa Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento, que toma a sigla em espanhol Cyted, criará em breve uma rede específica para que os pesquisadores dos 21 países iberoamericanos interessados na temática do patrimônio geológico e mineiro troquem experiências relativas a valorização desse patrimônio. A decisão foi tomada na Declaração de Santa Cruz e Potosí, documento elaborado ao final da I Jornada Iberoamericana sobre o Patrimônio Geológico e Mineiro, semana passada, na Bolívia.
O evento foi promovido pelo Cyted-XIII, segmento do programa que trata de questões relativas à mineração e à metalurgia, com apoio da Agência Espanhola de Cooperação Internacinal (Aeci), em sua sede boliviana em Santa Cruz. As discussões sobre o patrimônio antecedem ao próprio evento e remontam à época de criação da Sociedade Espanhola para a Defesa do Patrimônio Geológico e Mineiro (SEDPGYM), em 1994, quando um grupo de pesquisadores percebeu a importância da valorização da herança deixada, em vários pontos da Espanha, pela mineração.
Algumas dessas explorações tiveram início há mais de cinco mil anos, às margens do Rio Tinto, na região da Andaluzia. Dali, foram extraídas toneladas de cobre até bem pouco tempo atrás. Hoje, o rio está comprometido ambientalmente, mas as cidades encravadas próximas à sua margem vivem do turismo cultural e histórico. A Fundação Rio Tinto, complexo que engloba museus, restaurantes, hotéis recebe 50 mil visitas anualmente. "Poderia ser mais, talvez com a criação de outros atrativos que fizessem com que o turista permanecesse mais tempo na cidade", comenta Domingo Carvajal da Universidade de Huelva.
O argumento que sustenta as conclusões do evento ocorrido na Bolívia é a de que a valorização do patrimônio mineiro, intrinsecamente ligado ao geológico, reside no fato de que desde que o homem habita a Terra usa mineração em seu benefício. Os artefatos mais antigos registrados nas populações dos primeiros habitantes, seja para uso culinário ou para fins de guerra, eram feitos de ferro. Hoje, a presença dos produtos minerais no dia a dia das pessoas é maciça. Não há computador sem mineração, já que muitos de seus componentes levam silício e alguma parte de fios de ouro. Maçanetas, fios de cobre que transmitem a corrente elétrica, componentes dos chips de celulares, jóias, e também as próprias habitações (devido ao uso de areia e outros minerais na confecção de materiais de construção) são produto da extração de minerais.
De acordo com Roberto Villas Boas, coordenador do Cyted-XIII no Brasil, a proteção do patrimônio tangível e intangível, ligados à atividade mineira, é importante não só para a preservação da memória, como também pode levar a um melhora ambiental. Cada região mineira gera uma cultura que envolve os elementos dessa dita atividades. A Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (Unesco) criou o conceito de patrimônio intangível, para a preservação da cultura de um povo, expressada na música, no folclore, nas crenças e ritos religiosos. Os pesquisadores envolvidos na criação da rede de pesquisa sobre o patrimônio mineiro e geológico querem aproveitar esse viés para sensibilizar sociedade, entidades privadas e autoridades públicas para a importância da preservação desse legado.
O presidente da SEDPGYM, o catalão Josep Mata, conta que as reuniões científicas da sociedade, promovidas desde sua criação, em cidades espanholas e portuguesas, envolvem a população local, justamente para que ele se sinta protagonista do processo de preservação. "Eles participam das discussões. E, para mostrar que sua cultura é valorizada, promovemos um grande baile com música e danças locais. Esses bailes costumam durar até o dia seguinte. Já houve vezes de eu sair do salão de dança, tomar um banho no hotel e me dirigir ao local onde se realizam as discussões científicas", contou. O interesse pela preservação do patrimônio mineiro foi tão grande na Espanha, segundo conta o geólogo, da Universidade Politécnica da Catalunha, que em oito anos de atividades, a SEDPGYM passou a reunir mais de 500 sócios.
Dentre as conclusões tiradas do encontro na Bolívia, uma foi considerada prioritária, a criação de linguagem e metodologias comuns dentro da temática. Esboço nesse sentido foi traçado pelo geólogo Luiz Sanchez da Escola Politécnica (Poli), da Universidade de São Paulo (USP). Ele considerou que o patrimônio mineiro contém ingredientes dos patrimônios cultural e do natural. Os conceitos tangível e intangível estariam dentro do primeiro e, o segundo, englobaria os aspectos geológico, geomorfológico, biológico e genético.
Assim, foram listados como patrimônio mineiro e geológico as escavações subterrâneas e a céu aberto, os escombros da atividade mineira, os edifícios das mineradoras e suas instalações de apoio, arquivos com fotos e mapas (seja das empresas ou do governo), a cultura mineira (com sua linguagem própria, danças, celebrações, crenças e mitos), além do conhecimento técnico-científico relacionado à mineração.
O grupo que se reuniu em Santa Cruz de la Sierra visitou também a cidade mineira de Potosí, na porção sudoeste da Bolívia, a 800 quilômetros de La Paz. Cercada por montanhas da cordilheira dos Andes que passa pelo Chile e Argentina, Potosí gerou imensa riqueza para a coroa espanhola nos séculos 16, 17 e 18. A visita de campo de dois dias serviu para fazer um diagnóstico do patrimônio mineiro do chamado Cerro Rico de Potosí (cerro em espanhol significa morro), uma montanha que já foi riquíssima em prata, de onde até hoje mineiros cooperativados extraem o que restou de prata, além de estanho, chumbo e zinco.
Eles decidiram, assim, incluir Potosí numa lista de localidades mineiras emblemáticas dentro do contexto do patrimônio mineiro e de sua representatividade perante a economia mundial, bem como a Mina de "El Cobre", localizada na província de Santiago de Cuba, na ilha cubana. A lista faz parte da Declaração de Santa Cruz e Potosí que será divulgada para organismos governamentais dos países que integram o Cyted, para entidades ligadas ao turismo e à cultura, e também para os serviços geológicos e mineiros e as universidades. (Lana Cristina)

Potosí é um patrimônio a ser preservado

- A cidade boliviana sustentou a coroa espanhola até o início do século 18.

Brasília, 1 (Agência Brasil – ABr) – Potosí, cidade boliviana que está a mais de quatro mil metros do nível do mar, pode ser comparada a Ouro Preto, em Minas Gerais, que, no ciclo do ouro (nos séculos 17 e 18), teve papel primordial na economia portuguesa. As duas cidades têm momentos distintos. Potosí foi fundada em 1545, algum tempo depois que o índio Diego Huallpa encontrou um veio riquíssimo de prata no morro chamado Cerro Rico.
O nome lhe cabe como uma luva. O Cerro Rico de Potosí sustentou a coroa espanhola por três séculos até sua decadência no final do século 18 e início do século 19, por questões estruturais, econômicas e políticas. Na época, a produção de prata declinava, o minério começava a perder seu valor no mercado mundial e a Bolívia, antes chamada de Audiência de Charcas ou Alto Peru, se tornava independente em 1825. A jornalista Ana Maria Araníbar, especializada em questões mineiras, conta que em menos de meio século, entre o ano de fundação e 1690, foram enviadas à Espanha cifras iguais a US$ 139 milhões de dólares de hoje, ou 62 milhões de pesos.
Toda essa quantia não inclui, claramente, o desvio de minério beneficiado e das moedas cunhadas a partir de 1773 na Casa da Moeda de Potosí, material que era enviado de mula até o porto do Peru em direção à Europa. Diz-se que a prata brotava do solo como a nascente de um rio, como o mato que nasce nas encostas. No veio descoberto em 1551, chamado de La Descubridora, a prata que saía dali era tão branca, contam os historiadores, que os mineiros espanhóis presentearam o imperador Carlos V com uma porção dela.
A Casa da Moeda de Potosí foi, na época, a terceira em volume de produção e de dinheiro na América, só ficando atrás das casas da moeda do México e de Lima. Como ocorre até hoje, em todas as atividades ligadas ao minério, Potosí atraiu milhares de pessoas interessadas nas suas ditas riquezas. Conta-se que no século 17, a cidade contava com mais de 150 mil habitantes, num tempo em que Paris, a cidade européia mais importante, não tinha mais de 30 mil. Para quem chegou a ouvir a expressão Vale um Potosí!, aí está a explicação. A riqueza era tanta, que na Europa do século 16 se dizia isso quando se tratava de algo realmente valioso.
Já bem mais tarde, no final do século 19, a produção de prata de lugar à exploração de estanho. Hoje, Potosí tem uma reserva que deve se estender a mais dez anos de atividade mineira. Dali, saem a prata, o zinco, o estanho e o chumbo. Se na época da colônia, eram mais de cinco mil minas, hoje não passam de cem. Acredita-se que mais de 150 mil pessoas, entre índios e alguns negros trabalhavam no Cerro Rico diariamente, no auge da exploração da prata, pela colônia.
A exploração mineira em todo o país, a partir de 1952, passou a ser gerenciada pela empresa estatal Corporación Minera de Bolívia (Comibol), que dá as concessões. Os mineiros se reúnem em cooperativas e dividem os ganhos com o proprietário da concessão. Cerca de 1% ou 2% da produção bruta é do estado. Cerca de oito mil mineiros trabalham nas galerias cavadas ao longo do morro, num trabalho extremamente insalubre e desgastante, para não dizer desumano. Dali, tiram 1500 toneladas diárias de minério.
Silvio Villagra tem 38 anos de idade e trabalha desde os 12 anos extraindo minério do Cerro Rico. Seu salário mensal não passa de US$ 30. Em moeda local, o boliviano, é algo em torno de 200. Ele tem seis filhos e, apesar de ter começado a trabalhar ali ainda menino, garante que proporcionará um futuro melhor a seus filhos. "Estão todos na escola, não quero que trabalhem nesse serviço duro como eu", conta. Serviço que inclui ficar até 12 horas ininterruptas dentro das galerias, sem parar sequer para comer. É comum encontrar crianças, filhas de mineiros, às portas das galerias, vendendo exemplares de pedras contendo estanho, sultato de cobre, zinco, prata e chumbo como "souvenir" à turistas e pesquisadores que visitam as minas, como forma de complementar a renda familiar.
Para agüentar o desgaste físico, o mineiro masca algo em torno de 200 gramas de folha de coca, hábito comum em toda região alta da Bolívia, Argentina e Peru. A mastigação, para os estrangeiros acostumados a alturas menos severas, serve para evitar o mal de altura, caracterizado por falta de ar, enjôo, náusea e, em casos mais extremos, desmaio. Para o mineiro, a folha de coca é questão de sobrevivência. Ele vai mastigando aos poucos, até formar um bolo, que é reservado no canto da boca. Para potencializar o efeito, usa catalizadores, que podem ser cinzas de quinoa, cereal comum na América espanhola, ou anis misturado com banana. Só com a folha de coca, ele consegue suportar a fome e o cansaço.
Há outros ingredientes que fazem parte do seu dia-a-dia de trabalho. A banana de dinamite, a pólvora e um detonador são sempre usados quando há necessidade de abrir outros caminhos pelas galerias. O cigarro artesanal, composto de anis e folha de coca, é muito consumido entre os mineiros. Antes de começar a extração do minério, eles tomam álcool puro, a 96%. Reza a tradição que, pelo menos, uma vez por semana, eles façam um ritual ao Tio, misto de Deus-Diabo que, hoje em dia, é considerado o protetor das minas.
Eles oferecem cigarro, folha de coca e, claro, um trago de álcool ao Tio, como reverência por cuidar de suas almas durante o trabalho. A figura do diabo como protetor se originou da estratégia usada pelos espanhóis que, na época da colônia, não entravam nas galerias. Para controlar o desvio de mineral, eles inventaram a figura do diabo que é dono de todas as coisas sob a Terra, assim como Deus é o senhor de tudo que está sobre a Terra.
Os indígenas, então amedrontados pela figura do diabo criada pelos espanhóis, passaram a chama-lo de Tio. O nome vem de Dios, que é Deus em espanhol, cuja letra "d" passou a ter o som surdo porque não existe como fonema na linguagem indígena quéchua. As tribos quéchua ainda existem na Bolívia e sua língua é falada entre eles. Nas ruas de Sucre, por exemplo, cidade a 300 quilômetros de Potosí, índias quéchua vendem amendoim e outras guloseimas. Como são muito pobres, outras andam pelas ruas pedindo esmolas.
Se, por um lado, a atividade mineira de Potosí já viveu dias melhores, tampouco sua herança ambiental é menos trágica. O rio La Rivera, que corta a cidade, está poluído já que às suas margens, estão instaladas 42 usinas de engenho, separação (flotação) do minério e pré-beneficiamento. A água usada em todo processo é lançada no rio, que, mais à frente de seu curso, encontra-se com o principal rio boliviano, o Pilcomayo e, mais ao sul, com o Rio da Prata, na Argentina.
Além disso, montanhas de escória proveniente da extração do minério no Cerro Rico se amontoam aos pés do morro, contaminadas por sulfeto de ferro e enxofre. O material é inerte e não tem aproveitamento algum. Segundo trabalho apresentado por Ana Maria Araníbar, há projetos para dar curso à exploração racional em Potosí, um deles o San Bartolomeu, que prevê investimentos de US$ 70 milhões.
Por seus valores intrínsecos como cidade mineira, Potosí foi incluída na lista de sítios emblemáticos a serem preservados como patrimônio de uma cultura secular, criada pelos pesquisadores iberoamericanos presentes na I Jornada sobre o Patrimônio Geológico e Mineiro, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, depois de uma visita de campo de dois dias, que incluiu a ida a uma de suas minas. (Lana Cristina)

Patrimônio mineiro de Ouro Preto está ameaçado pela ocupação desordenada

- Área conhecida como Morro da Queimada tem ruínas que contam a história da mineração do Ciclo do Ouro.

Brasília, 1 (Agência Brasil – ABr) – Características semelhantes unem Ouro Preto à cidade boliviana, Potosí. O crescimento populacional na cidade de Minas Gerais também foi gerado, no século 18, pela rica produção de ouro, que marcou o chamado Ciclo do Ouro, durante a exploração do Brasil pela coroa portuguesa. Os historiadores registram que Ouro Preto teve 80 mil habitantes em 1740.
O auge da exploração do minério se deu entre 1694 e 1780. Mas até a década de 60, havia jazidas de ouro exploradas ali. A empresa responsável pelo último registro de mineração em Ouro Preto foi a Companhia da Passagem, que hoje vive do turismo. Segundo o engenheiro geólogo, Júlio César Mendes, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a exploração do turismo, por parte da companhia, é desorganizada. "Não foram feitas adaptações para a visitação turística. As pessoas descem de carrinho até onde o ouro era explorado e visitam as instalações da usina. As ruínas da antiga mineração do ouro, que ficam a 2 km da sede da empresa, que são o verdadeiro patrimônio mineiro, sequer são mostradas", contou.
Situação dramática está presente, no entanto, na área de exploração do Ciclo do Ouro, conhecida como Morro da Queimada. Trabalho coordenado pelo engenheiro geólogo da Ufop, Marco Antônio Fonseca, entre 97 e 2000, mostra que a ocupação urbana desordenada poderá acabar com os poucos vestígios da exploração mineira de Ouro Preto. São ruínas que representam a casa dos escravos que trabalham na extração do minério, as edificações onde o ouro era represado para separação (mundéus) e os poços profundos onde os negros permaneciam, algumas vezes, durante todo o dia. Nesses poços, é possível comprovar sua presença humana, nas pegadas que ficaram marcadas por causa da posição mantida por horas. Ali, eles se apoiavam para catar o minério e seus pés moldavam a estrutura ferruginosa do poço.
Publicado no início de 2001, na revista britânica Cities, especializada em urbanismo, o trabalho prova que, se a ocupação continuar nos níveis atuais, a área atual do Morro da Queimada terá todo seu patrimônio mineiro destruído, em curto espaço de tempo. "Está claro que não é culpa da população, mas da ausência de políticas públicas habitacionais. As pessoas constroem ali, porque ninguém as impediu", esclarece Fonseca. O geólogo fez uma previsão negativa "todo o conjunto de ruínas vai desaparecer em oito anos".
O estudo usou as bases de dados mais antigas disponíveis e mapas cartográficos, imagens aéreas da ocupação urbana de Ouro Preto, em anos distintos, 59, 69, 86 e 98. A conclusão é de que a taxa de utilização hoje é de 1,45%, o que por si já provocaria o fim do patrimônio, já que os moradores desmontam as ruínas para usar o que foi retirado como material de construção. Além disso, 68,2% dos 250 mil hectares que compreendem o Morro da Queimada estão ocupados.
"É preciso criar urgentemente leis de proteção mineira, mecanismos legais de proteção a exemplo do título que garante a preservação da cidade de Ouro Preto", opina. Para Fonseca, Ouro Preto deve ser incluída na lista de sítios mineiros emblemáticos elaborada pelos pesquisadores que se reuniram, na semana passada, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Ciente do apelo cultural presente na preservação do patrimônio mineiro, Júlio César Mendes, se une ao colega na defesa das ruínas de Ouro Preto. "Não podemos deixar que poemas como o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, percam o sentido para as atuais gerações. É o que acontecerá se ninguém souber de suas origens, que em Ouro Preto, são mineiras por excelência", disse. (Lana Cristina)

Paleopatologia revela que algumas doenças de hoje já vitimavam populações primitivas

- Modos e ambiente de vida de comunidades primitivas ampliam conhecimento sobre comportamentos e padrões de enfermidades.

Brasília, 1 (Agência Brasil - ABr) - Há três mil anos a tuberculose já causava mortes no norte do Chile e no sul do Peru. Provavelmente, a enfermidade, ao lado de muitas outras, também vitimava antigos habitantes do Brasil. A reunião da medicina e da arqueologia, ou paleopatologia, resgata no passado quais doenças atingiam as comunidades primitivas, ao mesmo tempo em que revela como modos de vida favoreciam o aparecimento das mesmas.
Assim como existem enfermidades surgidas hoje, a paleopatologia relaciona condições de vida e características ambientais do local onde se encontravam as populações para o aparecimento de determinadas enfermidades. A diversidade de combinações mostrou, pela análise de ossadas em sítios arqueológicos, que o grupo humano que habitou a Furna do Estrago, em Pernambuco, tinha mais vértebras na região lombar em conseqüência de casamentos co-sanguíneos.
Segundo a pesquisadora titular do Departamento de Endemias da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Sheila Ferraz Mendonça, além dos males próprios a cada grupo, é comum encontrar em todas as comunidades analisadas doenças infecciosas provocadas por fraturas. "De modo geral, percebe-se sinais de acidentes ou lesões traumáticas causada pelo esforço físico que essas populações faziam", afirma.
Por conta do modo de vida mais rústico, as atividades que os integrantes dos grupos realizavam ocasionavam desde doenças nas articulações a problemas de coluna. Já os acidentes nem sempre eram conseqüência de duelos na comunidade, embora as lutas fizessem parte da história de algumas populações. Sheila explica que o próprio meio de transporte, como cavalos ou trenós eram os responsáveis pelas danificações.
Já em uma comunidade que viveu em Pernambuco há 1.600 anos, muitos dos acidentes nada tinham a ver com transporte. Os pesquisadores concluíram que as fraturas encontradas, predominantemente na coluna vertebral, eram resultado de quedas das palmeiras (que circundavam a região) depois de encontrarem objetos de adorno e restos de alimentos provenientes de materiais retirados da planta.
O conhecimento de outras alterações, patologias, sua evolução e impacto nas populações anteriores, só não é maior no Brasil pelos poucos grupos de profissionais, concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro, como também por aspectos que transcendem os recursos humanos: a própria conservação dos restos mortais.
Normalmente, os pesquisadores encontram nos sítios arqueológicos só as partes do organismo que demoram mais tempo para se desintegrar, ou seja, ossos e dentes. "No Brasil, o clima dificulta a conservação do corpo, o que nos impede de fazer um estudo detalhado", informa Sheila. A condição restringe o estudo às doenças que se manifestam nos ossos (sífilis, hanseníase, anemia), dificultando os estudos as que são causadas por vírus, por exemplo.
Segundo Sheila, a grande maioria das viroses, como sarampo, catapora, varíola e dengue, não deixa marca. "Não conhecemos reflexos diretos das infecções virais, embora algumas deixem sinais indiretos de seus efeitos, como a poliomelite, que causa paralisia, e com o passar dos anos leva a atrofias e deformidades nos ossos e articulações na região do corpo afetada", explica.
Com o material que têm em mãos, os pesquisadores são capazes de detectar doenças traumáticas, degenerativas ou anomalias congênitas a exemplo da displasia fibrosa, que provoca alterações no tecido ósseo. Nos dentes, os estudiosos identificaram problemas que apesar do tempo ainda não desapareceram, como o tártaro.
Para expandirem seus conhecimentos, os pesquisadores muitas vezes viajam a países que possuem corpos mais bem conservados. Sheila revela que um dos locais mais ricos academicamente é o Deserto do Atacama, considerado o lugar mais seco do planeta. Assim como as regiões bastante áridas, os locais muito frios também desaceleram a decomposição do organismo. "Há várias condições climáticas que favorecem a conservação dos materiais biológicos. Quanto mais rápido for detido o processo de putrefação, por ação dos microorganismos, melhor", comenta.
De acordo com Sheila, entre as referidas características estão os locais de alta temperatura com baixa umidade (áreas desérticas quentes), os de baixa temperatura associada à baixa umidade (gelo, neve), os de baixa temperatura com baixa umidade (desertos frios), os ambientes nos quais há falta de oxigênio (pântanos e turfeiras na Europa) e as áreas com grande concentração de sal. "A conservação geralmente é melhor em lugares frios e úmidos como os pântanos e geleiras porque não há nem a contração por desidratação dos tecidos", aponta.
Em outros casos, a região não se encaixa exatamente em uma das condições, mas oferece um atrativo diverso. É o caso do Egito, que não tem a peculiaridade climática do Chile, mas também atrai os estudiosos por ter cadáveres conservados pelas técnicas de mumificação. Os pesquisadores puderam fazer um estudo detalhado da arterosclerose, doença que obstrui as artérias, possível apenas porque o corpo embalsamado ainda tinha o coração.
As incursões, às vezes, revelam mais que o estado dos corpos. Os estudos em terras egípcias mostraram conhecimentos médicos avançados para a época. "Existem cadáveres que apresentam várias perfurações no crânio, o que demonstra que o indivíduo foi operado por trepanação mais de uma vez", observa a pesquisadora.
O trabalho para chegar às conclusões é cuidadoso e necessita de uma equipe formada por diversos profissionais, do arqueólogo (que faz a escavação), ao antropólogo e paleopatologista. Sheila explica que o material recolhido passa por análises de DNA, exames de radiografia, tomografia e histologia, que fornecerão as bases para a descoberta das doenças que as comunidades primitivas enfrentavam.
Apesar de, em um primeiro momento, as doenças serem relacionadas à morte e conseqüente extinção de comunidades, Sheila alerta que é preciso ter cautela com o assunto. "Temos que ter muito cuidado com essa idéia porque o fato de
"desaparecerem" algumas culturas não quer dizer extinção", pontua. De acordo com a médica, a mudança de local é um fator que explica melhor as pistas que os pesquisadores perderam para ampliar os estudos.
A Petrobrás expoe, a partir de 1º de abril na entrada do edifício da Avenida Chile, no Rio de Janeiro, uma exposição sobre Paleopatologia, que já esteve no Museu Nacional (vinculado à UFRJ) e que atualmente se encontra no Museu Arqueológico do Xingó, em Canindé do São Francisco, em Sergipe. A mostra leva ao público ossos, arcadas dentárias, tecidos mumificados, materiais usados em arqueologia e painéis com imagens de coleções pessoais e instituições de pesquisa. (Fabiana Vasconcelos)