PCBR https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil//taxonomy/term/171220/all pt-br Acusado de participar da morte do jornalista Mário Alves nega crime, mas admite tortura em interrogatórios https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil//noticia/2013-08-14/acusado-de-participar-da-morte-do-jornalista-mario-alves-nega-crime-mas-admite-tortura-em-interrogato <p>Vin&iacute;cius Lisboa<br /> <em>Rep&oacute;rter da Ag&ecirc;ncia Brasil</em><br /> &nbsp;</p> <p>Rio de Janeiro &ndash; O coronel reformado do Corpo de Bombeiros Valter da Costa Jacarand&aacute; admitiu hoje (14), em audi&ecirc;ncia p&uacute;blica na Comiss&atilde;o Estadual da Verdade, que, na &eacute;poca da ditadura militar (1964-1985),&nbsp; participou de interrogat&oacute;rios em que foram usadas pr&aacute;ticas de tortura, como pau de arara, espancamentos e aplica&ccedil;&atilde;o de choques el&eacute;tricos. A reuni&atilde;o desta quarta-feira foi marcada para ouvir quatro militares acusados pelo Minist&eacute;rio P&uacute;blico de sequestrar, torturar e matar o jornalista e secret&aacute;rio-geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucion&aacute;rio (PCBR) M&aacute;rio Alves, mas apenas Jacarand&aacute; prestou depoimento.</p> <p>Jacarand&aacute; disse que houve excessos. &quot;Negar isso seria uma tentativa v&atilde; de tapar o sol com a peneira&quot;, reconheceu o bombeiro. Em outra parte do depoimento, ele explicou que os excessos a que se referia eram as torturas.</p> <p> Sobre ter ele pr&oacute;prio cometido tais crimes, Jacarand&aacute; respondeu: &quot;Devo ter cometido. No calor dos interrogat&oacute;rios, pode ter acontecido, mas eu n&atilde;o sa&iacute;a com o esp&iacute;rito de fazer isso.&quot; O militar admitiu que interrogou o jornalista Cid Benjamin e que pode tamb&eacute;m ter participado do interrogat&oacute;rio de outras pessoas que depuseram na comiss&atilde;o, mas disse que n&atilde;o se lembra delas, nem de qualquer outro nome, inclusive o de M&aacute;rio Alves. O jornalista morreu em 1970, em consequ&ecirc;ncia de hemorragia causada por empalamento com um cassetete revestido de estrias met&aacute;licas, ap&oacute;s uma madrugada de tortura no quartel da Pol&iacute;cia do Ex&eacute;rcito, no Rio.</p> <p>&quot;Pode at&eacute; ter acontecido [de eu cometer &#39;excessos&#39;, ou tortura]. Como vou dizer que n&atilde;o fiz isso? &Eacute; interessante lembrar que [na &eacute;poca] as press&otilde;es eram muito grandes. Quando digo que n&atilde;o lembro, devo ter desenvolvido um mecanismo de defesa&quot;, disse Jacarand&aacute; aos jornalistas depois da audi&ecirc;ncia.</p> <p>Mesmo ap&oacute;s insistentes perguntas do presidente da Comiss&atilde;o Estadual da Verdade, Wadih Damous, o coronel sustentou que n&atilde;o se lembrava de absolutamente nada referente a M&aacute;rio Alves nem do per&iacute;odo que o jornalista passou no Destacamento de Opera&ccedil;&otilde;es de Informa&ccedil;&otilde;es do Centro de Opera&ccedil;&otilde;es de Defesa Interna (DOI-Codi). &quot;N&atilde;o tive qualquer participa&ccedil;&atilde;o na tortura do M&aacute;rio Alves.&quot;</p> <p>Jacarand&aacute; disse que s&oacute; tomou conhecimento do que aconteceu ao jornalista depois da abertura pol&iacute;tica e ressaltou que, nem nos corredores do DOI-Codi, nunca ouviu coment&aacute;rios sobre a tortura ou a pris&atilde;o de Alves. Apesar de afirmar que n&atilde;o sabia quem era Alves e que n&atilde;o se lembrava de nenhum interrogado, ele se disso seguro de n&atilde;o ter participado da sess&atilde;o de tortura ao jornalista.</p> <p>O coronel, que na &eacute;poca era major, contou que, no Servi&ccedil;o de Informa&ccedil;&otilde;es, trabalhou na captura e na elabora&ccedil;&atilde;o de perfis dos presos e que participou de poucas sess&otilde;es, nas quais sua fun&ccedil;&atilde;o era dar informa&ccedil;&otilde;es aos interrogadores, assessorando-os com base nas investiga&ccedil;&otilde;es que realizava.</p> <p>Jacarand&aacute; lembrou que foi para o DOI-Codi ap&oacute;s desentendimentos com seu antigo chefe no Corpo de Bombeiros e porque era&nbsp; especializado em desarmar bombas dos militantes contra a ditadura. Para o coronel, os militantes eram erroneamente chamados de terroristas e deviam ser classificados de revolucion&aacute;rios. Insatisfeito com a resposta, Damous perguntou por que ele havia escolhido especificamente o DOI-Codi para trabalhar, j&aacute; que acabou exercendo ali a fun&ccedil;&atilde;o de interrogador. O coronel respondeu: &quot;O que me atraiu foi a aventura de entrar em uma guerra. Vejo todo esse movimento como uma a&ccedil;&atilde;o contrarrevolucion&aacute;ria.&quot;</p> <p>Damous quis saber se Jacarand&aacute; considerava sua miss&atilde;o patri&oacute;tica e ele disse que sim. &quot;Fidel Castro torturava e matava em Cuba. Stalin, na R&uacute;ssia. Mao, na China. E essas pessoas [militantes] tinham toda uma ideologia, talvez n&atilde;o propriamente isso, mas ideias imersas nessas ideologias.&quot;</p> <p>Dos sete depoimentos de hoje, dois foram contundentes nas acusa&ccedil;&otilde;es ao bombeiro. O jornalista &Aacute;lvaro Caldas acusou o coronel de ter&nbsp; girado a manivela do instrumento de choques el&eacute;tricos durante sua tortura. Caldas lembrou que o bombeiro usava uma bota de cano longo para chutar as v&iacute;timas. Maria Dalva Leite tamb&eacute;m disse que foi barbaramente espancada por Jacarand&aacute; em uma sess&atilde;o de tortura que durou 72 horas. No fim da audi&ecirc;ncia p&uacute;blica, Maria Dalva ficou frente a frente com o coronel e perguntou se ele n&atilde;o se lembrava de t&ecirc;-la torturado. Ele negou.</p> <p> A entrevista foi interrompida por uma pessoa que disse ter sido levada por Jacarand&aacute; a jacar&eacute;s que ficavam no quartel, amea&ccedil;ando dar a m&atilde;o dela para os animais comerem. Em resposta, o coronel reafrimou que n&atilde;o se lembrava, olhou para as m&atilde;os dela e perguntou: &quot;Eu dei sua m&atilde;o para o jacar&eacute; comer?&quot;</p> <p>O coronel reformado falou &agrave; comiss&atilde;o estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em sess&atilde;o conjunta com a Comiss&atilde;o Nacional da Verdade, que ouviu sete v&iacute;timas de crimes cometidos no quartel da Pol&iacute;cia do Ex&eacute;rcito. Os outros militares convocados para depor, os ex-tenentes Luiz M&aacute;rio Correia Lima, Roberto Duque Estrada e Dulene Garcez, foram representados por um advogado, segundo o qual os tr&ecirc;s j&aacute; tinham falado &agrave; comiss&atilde;o, por meio de um grupo de trabalho, e respondem administrativa e judicialmente pela morte do jornalista.</p> <p>No entanto, os tr&ecirc;s militares foram citados nos depoimentos. Correia Lima foi mencionado como algu&eacute;m que espancou uma jovem de 19 anos e que se vangloriava das pr&aacute;ticas de tortura ao apresentar suas v&iacute;timas para outros militares. Sylvio Medeiros disse que Dulene Garcez sugeriu, na sala de tortura, que ele colaborasse ou terminaria empalado como M&aacute;rio Alves. Maria Dalva afirmou ter ouvido a mesma amea&ccedil;a.</p> <p>Para o presidente da Comiss&atilde;o Estadual da Verdade, havia uma expectativa maior em rela&ccedil;&atilde;o ao depoimento do coronel Jacarand&aacute;, que, mesmo assim, foi esclarecedor em v&aacute;rios aspectos investigados na tortura e morte de M&aacute;rio Alves e em outros casos. Wadih Damous informou que foi enviada ao Minist&eacute;rio P&uacute;blico representa&ccedil;&atilde;o para que os outros acusados sejam coercitivamente conduzidos para depor em outra data e respondam pelo crime de desobedi&ecirc;ncia.</p> <p>L&uacute;cia Vieira, filha do jornalista M&aacute;rio Alves, disse que n&atilde;o esperava informa&ccedil;&otilde;es novas com o depoimento de Jacarand&aacute;, mas n&atilde;o acredita que o militar s&oacute; tenha sabido do caso de seu pai ap&oacute;s a abertura pol&iacute;tica. &quot;Ele n&atilde;o tem como negar. Eles at&eacute; se orgulhavam de dizer os crimes que cometeram. Todos falavam em M&aacute;rio Alves. Os pr&oacute;prios presos tamb&eacute;m&quot;, ressaltou.</p> <p> Apesar disso, L&uacute;cia manifestou confian&ccedil;a nos trabalhos da comiss&atilde;o. &quot;[A comiss&atilde;o] teve um per&iacute;odo de fogueira das vaidades, mas agora parece que est&aacute; funcionando melhor. Estou com esperan&ccedil;a de que a coisa ande. Est&aacute; havendo mais empenho e mais cobran&ccedil;a porque mais pessoas est&atilde;o interessadas na verdade.&quot;</p> <p><em>Edi&ccedil;&atilde;o: N&aacute;dia Franco</em></p> <p><em>Todo conte&uacute;do deste site est&aacute; publicado sob a Licen&ccedil;a Creative Commons Atribui&ccedil;&atilde;o 3.0 Brasil. Para reproduzir a mat&eacute;ria, &eacute; necess&aacute;rio apenas dar cr&eacute;dito &agrave; <strong>Ag&ecirc;ncia Brasil</strong></em></p> Alerj CNV Comissão da Verdade ditadura militar DOI-Codi Exército Justiça Mário Alves pau de arara PCBR tortura Wed, 14 Aug 2013 21:19:31 +0000 nfranco 728079 at https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/