Ánuar Nahes https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil//taxonomy/term/156997/all pt-br Risco é constante, diz embaixador brasileiro no Iraque https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil//noticia/2013-03-20/risco-e-constante-diz-embaixador-brasileiro-no-iraque <p> <em>Da BBC Brasil</em></p> <p> Bras&iacute;lia &ndash; H&aacute; cerca de um ano no Iraque, o embaixador brasileiro &Aacute;nuar Nahes diz que ainda enfrenta um cotidiano de risco constante em Bagd&aacute;, dez anos ap&oacute;s a invas&atilde;o militar do pa&iacute;s liderada pelos Estados Unidos.</p> <p> Por mais de 20 anos, desde a primeira Guerra do Golfo, o Brasil ficou sem representa&ccedil;&atilde;o diplom&aacute;tica no Iraque. Por motivos de seguran&ccedil;a, a embaixada brasileira em Bagd&aacute; foi fechada em 1991 e, em 2006, os assuntos diplom&aacute;ticos entre os dois pa&iacute;ses passaram a ser conduzidos por um escrit&oacute;rio na Jord&acirc;nia.</p> <p> A situa&ccedil;&atilde;o s&oacute; mudou no in&iacute;cio do ano passado, pouco depois de as &uacute;ltimas tropas americanas deixarem o Iraque ap&oacute;s os anos de guerra que se seguiram &agrave; invas&atilde;o do pa&iacute;s, em mar&ccedil;o de 2003.</p> <p> O escolhido para assumir o comando da nova miss&atilde;o diplom&aacute;tica foi o embaixador &Aacute;nuar Nahes, de 60 anos, que j&aacute; serviu como embaixador em Doha e em 1995 chefiou a Divis&atilde;o do Oriente Pr&oacute;ximo do Minist&eacute;rio das Rela&ccedil;&otilde;es Exteriores. Paulista de Santa Ad&eacute;lia, Nahes assumiu a Embaixada em janeiro de 2012, mas s&oacute; se mudou para o Iraque em mar&ccedil;o do mesmo ano.</p> <p> Em Bagd&aacute;, entre gest&otilde;es para reaproximar os dois pa&iacute;ses que foram grandes parceiros comerciais nas d&eacute;cadas de 1970 e 1980, Nahes vive e trabalha em um pr&eacute;dio fortificado, com vigias armados e prote&ccedil;&atilde;o especial contra explos&otilde;es. Assim como os outros diplomatas, ele &eacute; obrigado a restringir suas sa&iacute;das para eventos sociais por motivos de seguran&ccedil;a.</p> <p> &quot;H&aacute; risco constante&quot;, disse Nahes em entrevista concedida por telefone &agrave; durante uma passagem do diplomata por S&atilde;o Paulo, no &uacute;ltimo s&aacute;bado. Confira abaixo os principais trechos da conversa com o embaixador.</p> <p> <strong>BBC Brasil</strong> - O senhor tem uma grande experi&ecirc;ncia com o Oriente M&eacute;dio, foi chefe da Divis&atilde;o do Oriente Pr&oacute;ximo do Itamaraty e serviu no L&iacute;bano, na Tun&iacute;sia e em Doha. Como o senhor avalia a situa&ccedil;&atilde;o do Iraque agora, dez anos depois da invas&atilde;o americana?<br /> <strong>&Aacute;nuar Nahes</strong> - O Iraque ficou ocupado at&eacute; o final de 2011. A invas&atilde;o do Iraque teve por objetivo derrubar a ditadura de Saddam Hussein. Isto &eacute;, o objetivo expl&iacute;cito [era esse], os que estavam por tr&aacute;s da ideia s&atilde;o discutidos at&eacute; hoje. Mas o objetivo expl&iacute;cito era derrubar Saddam e restaurar a democracia no Iraque. Nesses primeiros anos, houve uma esp&eacute;cie de democracia imposta e somente agora, a partir da retirada dos americanos, &eacute; que o Iraque est&aacute; exercendo esta democracia sozinho, sem tutela.</p> <p> Ent&atilde;o voc&ecirc; pode imaginar, [como] em qualquer processo pol&iacute;tico, h&aacute; agora a ocupa&ccedil;&atilde;o dos espa&ccedil;os vazios deixados pelos americanos e, sobretudo, em um momento em que as elei&ccedil;&otilde;es provinciais, marcadas para 20 de abril, est&atilde;o chegando. H&aacute; sim uma briga pol&iacute;tica ferrenha no Iraque e, por causa da hist&oacute;ria recente do pa&iacute;s, de viol&ecirc;ncia, muitas pessoas recorrem &agrave; viol&ecirc;ncia para tentar desarticular e descarrilar o processo democr&aacute;tico, muita gente n&atilde;o quer o processo democr&aacute;tico.</p> <p> O Iraque tem hoje ent&atilde;o esse problema de viol&ecirc;ncia interna, por fatores internos e motivado tamb&eacute;m por fatores regionais. Mas est&aacute; indo, democracia &eacute; uma coisa dif&iacute;cil de consolidar, &eacute; preciso paci&ecirc;ncia, de concess&otilde;es. N&oacute;s no Brasil sabemos muito bem como &eacute; que &eacute; isso. O Iraque na verdade est&aacute; caminhando com suas pr&oacute;prias pernas faz um ano apenas. Os americanos sa&iacute;ram de l&aacute; em dezembro de 2011. Um ano e tr&ecirc;s meses, foi h&aacute; pouco tempo.</p> <p> <strong>BBC Brasil </strong>- Pelo que o senhor pode sentir, qual &eacute; a avalia&ccedil;&atilde;o da popula&ccedil;&atilde;o em geral sobre a guerra e a invas&atilde;o, dez anos depois?<br /> <strong>Nahes</strong> - &Eacute; uma mistura de amor e &oacute;dio. Por um lado, a maioria da popula&ccedil;&atilde;o &eacute; grata pelo final da ditadura de Saddam. Mas, por outro lado, acredito que essa n&atilde;o fosse a inten&ccedil;&atilde;o, [mas] direta ou indiretamente, os Estados Unidos acabaram fazendo muito mal ao Iraque.</p> <p> Primeiro, na guerra para tirar o regime de Saddam do Kuwait, [antes] na Guerra Ir&atilde;-Iraque &ndash; quando os ocidentais armaram ambos os lados &ndash;, e [depois] na invas&atilde;o de 2003, quando os americanos em um primeiro momento foram bem recebidos, mas quando se tornaram os administradores do Iraque, tomaram certas medidas das quais os iraquianos se ressentem hoje. Eles se ressentem da desestrutura&ccedil;&atilde;o do Estado iraquiano feita durante o tempo do Paul Bremer [ex-diplomata americano que chefiou a Autoridade Central da Coaliz&atilde;o no Iraque entre 2003 e 2004], ele acabou com as institui&ccedil;&otilde;es.</p> <p> Agora, passados tantos anos, a gente pode dizer que no calor do momento, quem sabe qual seria a melhor atitude a se tomar? H&aacute; essa ambival&ecirc;ncia por parte dos iraquianos. Se por um lado os americanos os livraram de Saddam, por outro, o pa&iacute;s que eles deixaram ao se retirar &eacute; um pa&iacute;s dividido, um pa&iacute;s violento. Ent&atilde;o h&aacute; um misto de amor e &oacute;dio.</p> <p> <strong>BBC Brasil</strong> - Este m&ecirc;s fez um ano que o senhor se mudou para Bagd&aacute;. Como &eacute; a vida no Iraque? Voc&ecirc;s t&ecirc;m um esquema de seguran&ccedil;a especial?<br /> <strong>Nahes</strong> - Fez um ano no dia 1&ordm; de mar&ccedil;o. N&oacute;s temos duas casas, um local no qual h&aacute; a resid&ecirc;ncia de representa&ccedil;&atilde;o, h&aacute; o escrit&oacute;rio &ndash; que &eacute; a chancelaria &ndash;, e h&aacute; a resid&ecirc;ncia do resto do pessoal. Como toda resid&ecirc;ncia de certa import&acirc;ncia no Iraque, &eacute; toda cercada por uma camada dupla de blocos de concreto para amenizar o impacto de uma explos&atilde;o. N&atilde;o que a explos&atilde;o venha a ser feita contra a embaixada do Brasil, n&atilde;o h&aacute; raz&atilde;o. Mas, de repente, ali perto.</p> <p> N&oacute;s temos uma empresa brit&acirc;nica que cuida da guarda, s&atilde;o quatro profissionais supervisores e todos os demais s&atilde;o iraquianos. Temos tamb&eacute;m tr&ecirc;s carros blindados. Ent&atilde;o h&aacute; uma seguran&ccedil;a, de prote&ccedil;&atilde;o, seguran&ccedil;a armada. Olha, a gente s&oacute; sai mesmo para uns poucos eventos sociais em embaixadas, s&atilde;o poucos eventos, sa&iacute;mos para ir a reuni&otilde;es do governo, mas at&eacute; o governo tem risco. Por exemplo, voc&ecirc; viu a&iacute; [o atentado] no Minist&eacute;rio da Justi&ccedil;a [s&eacute;rie de atentados a bombas e com armas de fogo que deixaram mais de 20 mortos no &uacute;ltimo dia 14]? Se n&oacute;s tiv&eacute;ssemos fazendo uma visita, ter&iacute;amos sido colhidos pela explos&atilde;o, pelo tiroteio. Ent&atilde;o h&aacute; um sempre um risco, h&aacute; risco constante.</p> <p> <strong>BBC Brasil</strong> - Quantas pessoas trabalham na embaixada?<br /> <strong>Nahes</strong> - Temos tr&ecirc;s diplomatas, contando comigo, e mais dois funcion&aacute;rios do quadro n&atilde;o diplom&aacute;tico e dois funcion&aacute;rios locais.</p> <p> <strong>BBC Brasil</strong> - O senhor j&aacute; se sentiu pessoalmente em risco nesse per&iacute;odo?<br /> <strong>Nahes</strong> - Toda vez que voc&ecirc; sai, quando voc&ecirc; para em um <em>checkpoint</em> [bloqueio], voc&ecirc; olha para o lado e est&aacute; cercado de carros, &eacute; um tr&acirc;nsito intenso, e um deles pode estar carregado com uma bomba e explodir. Ent&atilde;o, toda vez que voc&ecirc; sai, voc&ecirc; est&aacute; com medo. Bom, n&atilde;o &eacute; medo, eu n&atilde;o tenho medo, voc&ecirc; sai com a possibilidade ao seu lado. Por exemplo, como eu te falei, onde aconteceu o atentado, ali no Minist&eacute;rio da Justi&ccedil;a, &eacute; em frente ao Minist&eacute;rio das Rela&ccedil;&otilde;es Exteriores. Ora, uma vez por semana eu vou ao Minist&eacute;rio das Rela&ccedil;&otilde;es Exteriores.<br /> N&oacute;s j&aacute; passamos por lugares onde no dia anterior houve uma explos&atilde;o. Eu at&eacute; comento com os meninos que trabalham comigo, eles s&atilde;o diplomatas jovens e dizem &quot;embaixador, j&aacute; pensou se a gente estivesse passando aqui &agrave;quela hora?&quot;. Eu digo, &quot;pois &eacute; meu filho, voc&ecirc; teria visitado Deus mais cedo&quot;. Ent&atilde;o &eacute; isso, &eacute; um risco.</p> <p> <strong>BBC Brasil</strong> - H&aacute; outros brasileiros morando no Iraque?<br /> <strong>Nahes</strong> - Olha, h&aacute; 35 brasileiros no Iraque, n&oacute;s conseguimos descobrir isso, a maior parte deles no Curdist&atilde;o, no Norte. H&aacute; alguns jogadores de futebol, h&aacute; alguns pastores religiosos, porque h&aacute; uma comunidade crist&atilde; no Curdist&atilde;o. E h&aacute; tamb&eacute;m cidad&atilde;os de dupla nacionalidade, uma brasileira casada com iraquiano.</p> <p> <strong>BBC Brasil</strong> - O Iraque foi um grande parceiro do Brasil nos anos 1970 e 1980. H&aacute; espa&ccedil;o para o Brasil no futuro do Iraque?<br /> <strong>Nahes</strong> - S&oacute; pelo movimento natural, de redemocratiza&ccedil;&atilde;o e abertura econ&ocirc;mica, presen&ccedil;a de embaixadores, o com&eacute;rcio hoje gira em torno de US$ 1 bilh&atilde;o por ano. Mas o que entrava um pouco esse com&eacute;rcio? &Eacute; a instabilidade pol&iacute;tica e a situa&ccedil;&atilde;o securit&aacute;ria no Iraque por um lado. Por outro, h&aacute; empresas brasileiras j&aacute; interessadas em participar dos trabalhos de reconstru&ccedil;&atilde;o no Iraque, que ainda v&atilde;o demorar 20 ou 30 anos, j&aacute; que o pa&iacute;s todo precisa ser refeito e reestruturado. Se voc&ecirc; anda em Bagd&aacute; hoje voc&ecirc; v&ecirc; uma cidade com a infraestrutura dos anos 1970.</p> <p> Mas hoje em dia o com&eacute;rcio n&atilde;o &eacute; mais feito por interm&eacute;dio de agentes estatais, ent&atilde;o muita coisa que o Brasil poderia exportar para o Iraque, a Turquia exporta, porque est&aacute; ali. Voc&ecirc; tem o fator China. Por exemplo, o Brasil exportou muito [o autom&oacute;vel] Passat. Quando o Brasil quis retomar a exporta&ccedil;&atilde;o de Volkswagen para l&aacute;, o tal do novo Passat, a Alemanha falou, &quot;muito bem, s&oacute; que quem vai exportar o Passat seremos n&oacute;s&quot;, porque a Alemanha tamb&eacute;m precisa exportar, a matriz tamb&eacute;m precisa exportar. Ent&atilde;o os dois pa&iacute;ses mudaram, mas &eacute; crescente o n&uacute;mero de empresas e empres&aacute;rios iraquianos indo para o Brasil. Eles gostam do Brasil, o Brasil n&atilde;o tem passado colonial, h&aacute; um bom nome deixado pela nossa presen&ccedil;a l&aacute; nos anos 1970 e 1980.</p> <p> <strong>BBC Brasil </strong>- Quais s&atilde;o os caminhos para que o Brasil aumente esse com&eacute;rcio com o Iraque? E quais s&atilde;o os gargalos?<br /> <strong>Nahes</strong> - Os gargalos principais s&atilde;o a viol&ecirc;ncia interna no Iraque, a instabilidade pol&iacute;tica, consequentemente a instabilidade econ&ocirc;mica e a fragilidade institucional. No Iraque, quando chega uma carga at&eacute; a ag&ecirc;ncia de inspe&ccedil;&otilde;es, nem sempre uma se coordena com a outra. Ou seja, o Iraque tamb&eacute;m tem que reconstruir suas institui&ccedil;&otilde;es, suas ag&ecirc;ncias, seus &oacute;rg&atilde;os de controle.</p> <p> Sobre o Brasil, neste momento o nosso mercado interno est&aacute; aquecido, assim como regionalmente, ou na &Aacute;frica Ocidental, na Europa, quer dizer, o Iraque &eacute; um parceiro novo. Ent&atilde;o a gente tem &ndash; a nossa embaixada no Iraque e a embaixada do Iraque no Brasil &ndash; pouco a pouco sensibilizado pessoas a visitarem, a virem. J&aacute; houve duas reuni&otilde;es da Comiss&atilde;o Mista Brasil-Iraque, j&aacute; houve uma miss&atilde;o empresarial para o Iraque. Duas empreiteiras brasileiras j&aacute; foram l&aacute;, uma est&aacute; l&aacute; e outra querendo entrar no Iraque. A C&acirc;mara de Com&eacute;rcio Iraque-Brasil est&aacute; querendo realizar uma miss&atilde;o empresarial iraquiana no Brasil. H&aacute; (tamb&eacute;m) miss&otilde;es t&eacute;cnicas.</p> <p> O Iraque quer aderir &agrave; OMC [Organiza&ccedil;&atilde;o Mundial do Com&eacute;rcio], ent&atilde;o n&oacute;s vamos organizar um curso de informa&ccedil;&atilde;o para os iraquianos, o Iraque ficou interessado em nosso sistema de vota&ccedil;&atilde;o eletr&ocirc;nica, mandou uma delega&ccedil;&atilde;o ao Brasil, quer aproveitar esse sistema para as elei&ccedil;&otilde;es do ano que vem em uma zona eleitoral piloto.</p> <p> A gente est&aacute; tentando diversificar, mas h&aacute; o fator dist&acirc;ncia tamb&eacute;m, o Brasil &eacute; longe, a passagem &eacute; cara. A embaixada faz seu trabalho pacientemente, n&atilde;o apenas o comercial, n&atilde;o &eacute; s&oacute; isso e toma tempo. O importante agora &eacute; que o Iraque mantenha o calend&aacute;rio eleitoral, fa&ccedil;a a elei&ccedil;&atilde;o [provincial] em abril, fa&ccedil;a a elei&ccedil;&atilde;o [parlamentar] de 2014, a popula&ccedil;&atilde;o vai votar. A popula&ccedil;&atilde;o est&aacute; muito cansada, quer ter uma vida normal.</p> Ánuar Nahes Embaixada do Brasil Estados Unidos Guerra do Golfo Internacional invasão Iraque Wed, 20 Mar 2013 14:56:24 +0000 julianas 716458 at https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/