Coluna da Ouvidoria - As reclamações e suas consequências

17/12/2013 - 11h41

Brasília - Uma pesquisa feita pela Ouvidoria sobre as reclamações enviadas pelos leitores no decorrer de 2013, referentes às matérias publicadas pela Agência Brasil (ABr), descobriu 16 demandas para as quais as respostas da Diretoria de Jornalismo (Dijor) indicaram que as observações dos leitores seriam levadas em conta em possíveis futuras reportagens. Não se trata de erros factuais que foram imediatamente corrigidos, senão de abordagens que, na opinião dos leitores, foram prejudicadas por omissões ou distorções. O propósito da coluna desta semana é analisar o desfecho dessas respostas, a começar com os seis casos que produziram resultados concretos.

Em janeiro, um leitor reclamou do título de uma matéria sobre o balanço de novos empregos em 2012: “Criação de empregos formais em 2012 é a pior dos últimos três anos, aponta Caged” [1]. Segundo o leitor, o negativismo do título transmite uma mensagem antigovernista, semelhante à observada em alguns veículos da grande mídia privada. A Dijor respondeu: “Reconhecemos que poderíamos ter dado outra manchete à reportagem. O alerta do leitor ajudou a reportagem feita pelo Repórter Brasil sobre os números do Caged, [na qual só os aspectos positivos são apresentados]. Como pode ser visto no seguinte link [2]”. Essa demanda e a questão do dilema de interpretar resultados que se prestam às versões “copo meio cheio/meio vazio” foram temas da Coluna da Ouvidoria em fevereiro [3].

Uma matéria publicada em maio sobre uma doença transmitida por gatos levou uma leitora a reclamar que o título (“Aumentam casos de doença transmitida por gato no Rio de Janeiro”) alimenta o preconceito e poderia motivar pessoas que não lessem o texto completo a abandonar seus animais [4]. Ela também apontou que nenhum veterinário foi consultado na preparação da matéria. A Dijor respondeu que não houve erros na matéria e que um pesquisador com conhecimento cientifico sobre o assunto tinha sido consultado. No entanto, acolheu a crítica e se comprometeu a ampliar a cobertura, ouvindo mais fontes. O compromisso resultou na publicação de outra matéria na qual apresentou-se o ponto de vista das associações protetoras de animais [5].

Em julho, um leitor reclamou que na cobertura da lei, aprovada pelo Congresso e depois vetada pela presidenta Dilma Rousseff, extinguindo a multa de 10% sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nas demissões sem justa causa, a ABr só ouviu o lado dos patrões, favoráveis à medida. [A bem da verdade, em algumas matérias ministros do governo tinham se manifestado a favor do veto]. A Dijor agradeceu o alerta e informou que fez outra reportagem com a classe trabalhadora como fonte, comentando o veto da presidenta [6].

Em agosto, a Ouvidoria recebeu uma demanda, que foi mais um pedido de informação do que uma reclamação, mas que vale a pena citar, porque demonstra como o atendimento a um pedido pessoal pode se transformar em reportagem, como acontece com frequência nos programas das emissoras de rádio. O leitor, interessado em anúncio que viu na internet, de um contemplado de consórcio que queria vender seu contrato, encontrou uma notícia da ABr de 2002, onde constava que a liquidação desse consórcio tinha sido decretada pelo Banco Central. O leitor queria averiguar a idoneidade da oferta. Em vez de considerar a demanda irrelevante do ponto de vista dos conteúdos jornalísticos do veículo, a Dijor aproveitou a ocasião para produzir uma matéria sobre os consórcios, inclusive fornecendo um contato para os leitores tirarem suas dúvidas [7].

Em setembro, uma matéria sobre a decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de proibir faixas e limitar o número de visitantes na Casa [8] provocou o protesto de uma leitora sobre a ausência de opiniões de parlamentares contrários à medida. Na resposta, a Dijor informou que a falta do contraditório se explica pelo costume da ABr de publicar os fatos rapidamente, ainda sem as repercussões, mas se comprometeu a desenvolver uma pauta mostrando como a decisão foi recebida pelos parlamentares. Quando a segunda matéria foi publicada, a Dijor avisou à leitora que, diante do fato de apenas um dos integrantes da Mesa se opor à decisão, como foi registrado na primeira matéria, a pauta foi redirecionada para uma repercussão com cientistas políticos (um a favor, o outro contra a decisão) [9]. O assunto, colocado na perspectiva das crises de representação, foi tema de uma Coluna da Ouvidoria [10].

Em outubro, a Ouvidoria recebeu a correspondência de uma leitora que reclamou de informações veiculadas em uma matéria sobre a utilização de animais em pesquisas e ensino [11]. Além de observar que os argumentos contrários a essas práticas não foram considerados e que as novas diretrizes promulgadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação precisavam ser questionadas, ela alertou que “está, neste momento, havendo uma grande mobilização de ativistas pedindo o fechamento de uma instituição que faz uso de animais, o Instituto Royal, em São Roque/SP, e seria importante que essa agência informasse devidamente o assunto”. A Dijor informou que ia tomar providências, que uma reportagem maior estava sendo preparada, “com informações detalhadas sobre o uso de animais em pesquisas científicas, e que o objetivo é ouvir o maior número possível de atores que possam estar envolvidos nessa questão - juristas, entidades contrárias ao uso de animais, entidades favoráveis à atividade”. A invasão do Instituto Royal e a libertação de animais mantidos lá já tinham começado a chamar a atenção da mídia e a ABr produziu uma série de 23 matérias sobre o assunto, com uma diversidade de posições representadas. Porém, um dos pontos frisados pela leitora não foi aproveitado na cobertura. Segundo ela: “Antes, esses animais eram cuidados pelo Ministério do Meio Ambiente e agora [desde 2008] são cuidados por aquele setor do Estado que só vê o lado da ciência e das empresas!”

As demais demandas atendidas com respostas que sinalizavam a possibilidade de aproveitamento em futuras reportagens, mas sem um desfecho concreto, tratavam dos seguintes temas: a cobertura dos impactos das obras da Copa (uma leitora observou que as reportagens só ouviam o discurso oficial, os protestos da classe média sobre a transparência dos gastos e, quando muito, os especialistas, sem ouvir a voz dos cidadãos); o fechamento de uma boate em Santa Maria (RS) antes da tragédia da Boate Kiss (um leitor considerou a matéria uma defesa do desempenho do prefeito da cidade na sua atuação fiscalizadora); a cobertura da relação de preços entre gasolina e álcool sem focar as consequências ambientais; a utilização do termo “norte-americano” em vez de “estadunidense” para se referir aos cidadãos dos Estados Unidos (a Dijor respondeu que a questão seria levada para os responsáveis pela elaboração do novo manual de redação, mas quando o manual foi divulgado em abril, não tinha uma seção com orientações sobre a utilização de termos específicos); a cobertura das campanhas antitabagistas (um leitor reclamou duas vezes que o outro lado não foi ouvido, inclusive para contestar afirmações sobre os supostos efeitos nocivos do fumo passivo); a cobertura da visita da jornalista e blogueira cubana, Yoani Sanchez, ao Brasil (um leitor criticou a cobertura por desqualificar os adversários da visita, não questionar as ideias, os motivos e as fontes de financiamento da visitante e não reconhecer os apoios dados a ela por políticos ligados ao governo); uma matéria que relata as conclusões de um estudo que mostra que o aumento de infecções pelo vírus HIV depois de datas festivas como o carnaval é um mito (um leitor teme que uma má interpretação do resultado leve ao relaxamento das campanhas preventivas nessas épocas); a utilização da expressão “ciganos” em uma matéria sobre o tráfico de pessoas; e a cobertura do caso da empresa Telexfree (um leitor reclamou de uma matéria sobre a multa aplicada à empresa pela Anatel, embora haja outras empresas que também comercializam sistemas de voz sobre internet - Voip - sem a autorização daquele órgão).

Quando se analisam os desfechos, fazendo um cruzamento com as demandas (se elas se referiram a uma matéria específica ou à cobertura do assunto em geral) e as respostas (se a Dijor reconheceu que houve erro e se apresentou defesa do conteúdo), assinalam-se duas tendências. A primeira é um aumento na probabilidade de um desfecho concreto quando as demandas se referem a matérias específicas. A segunda é uma redução na probabilidade de um desfecho concreto quando na resposta da Dijor não houve reconhecimento de erro. Esses resultados sugerem que os desfechos concretos dependem principalmente da especificidade e da adequação da demanda, o que reforça a importância do papel da Ouvidoria na qualificação do público leitor.

Além disso, convém assinalar a importância das demandas para a ABr. Elas servem tanto para quebrar a rotina da pauta quanto para lembrar os editores a retomar fios da meada que, de outra forma, tenderiam a desaparecer na velocidade e na rotatividade do processamento dos fatos. Para ajudar na recuperação dessas pendências, recomenda-se à Ouvidoria sempre lembrar a ABr das demandas para as quais as respostas indicavam um possível aproveitamento no futuro, de não poupar esforços para atender às solicitações feitas e comunicar à Ouvidoria quando as considerações dos leitores forem aproveitadas, para que possa repassar as informações aos cidadãos e, com isso, fidelizar o público e garantir o atendimento de excelência.

Boa Leitura!

 

[1]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-25/criacao-de-empregos-formais-em-2012-e-pior-dos-ultimos-tres-anos-aponta-caged

 

[2]http://tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil-noite/episodio/brasil-criou-mais-de-1-milhao-de-empregos-em-2012

 

[3]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-02-18/coluna-da-ouvidoria-sem-contexto-analise-vira-julgamento

 

[4]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-23/aumentam-casos-de-doenca-transmitida-por-gato-no-rio-de-janeiro

 

[5]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-27/associacoes-protetoras-de-animais-temem-abandono-e-morte-de-gatos

 

[6]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-27/trabalhadores-querem-continuidade-de-multa-de-10-sobre-saldo-do-fgts

 

[7]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-08-17/consorcio-ajuda-planejar-compra-futura-mas-exige-atencao-do-consumidor

 

[8]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-09-10/camara-proibe-faixas-e-limita-numero-de-visitantes

 

[9]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-09-24/cientistas-politicos-divergem-sobre-limitacao-de-acesso-dependencias-da-camara

 

[10]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-10-02/coluna-da-ouvidoria-crises-de-representacao

 

[11]http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-09-25/ministerio-publica-normas-sobre-cuidados-com-animais-em-pesquisas-e-ensino