Abrigos devem permitir convívio das crianças com familiares, defendem especialistas

22/09/2013 - 14h30

Flávia Villela
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – Os abrigos para atender a crianças e adolescentes precisam ser adaptados para cumprir o papel de cuidar e proteger os direitos desse público. A avaliação é de profissionais que trabalharam diretamente com crianças e adolescentes no Rio de Janeiro. Para a diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), Ivone Ponczec, os abrigos para bebês devem possibilitar que mães ou parentes possam conviver com as crianças para estabelecer e fortalecer os vínculos afetivos. “Esse convívio pode até estimular as mães a largar o vício”, ponderou ela.

A psicanalista disse, ainda, que é preciso proporcionar recursos financeiros, assistenciais e psicológicos a essas mulheres para que tenham condições de assumir a maternidade, já que muitas moram na rua e não têm contato com a família.

A chefe da Assistência Social do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), na zona norte do Rio, Dayse Carvalho, explicou que, em geral, essas mães têm famílias que se distanciaram delas e não estão dispostas a se envolver ativamente na criação do bebê. “A gente entende, também, que é uma grande responsabilidade, que muda a vida das pessoas como um todo. Algumas famílias já criam filhos de parentes e ficam reticentes em aceitar mais uma criança, sabendo que essa mãe continua na rua e pode ter mais filhos”, comentou a especialistas.

Ela reconheceu que a decisão de enviar o bebê para o abrigo é difícil e delicada pois, em tese, a mãe não fez nada contra a criança. “Mas o foco dela [mãe] não é a criança, é a droga. Então essa criança pode estar sofrendo algum tipo de violência. A contradição é que ela não quer abrir mão da criança, via de regra”, disse ao lembrar de uma adolescente que recentemente fugiu do abrigo com seu bebê que necessita de cuidados médicos.

“Há casos de mulheres que se drogaram a noite toda, passaram por diversas situações e chegam aqui parindo”, contou a médica. “Essa situação faz com que, primeiro, a gente veja a rede familiar, que quase sempre é inexistente e se não tiverem nenhuma referência encaminhamos os bebês para a Vara da Criança e do Adolescente”.

Dayse Carvalho lembrou que muitas mães acham que perderam seus filhos quando eles vão para os abrigos. A lei garante à mãe seis meses, prorrogáveis por mais seis meses, para reaver a guarda da criança que estiver no abrigo. “Ela não perdeu o filho, ela está afastada dos cuidados diretos da criança, mas isso não quer dizer que a mãe não possa visitar, ir às consultas, inclusive, ela tem que fazer isso para tentar reaver a guarda”, explicou a chefe da assistência social do Hupe.

A médica do Programa Consultório na Rua, Valeska Antunes, criticou a falta de abrigos para mães grávidas também, além de abrigos para casais. O programa é voltado exclusivamente ao atendimento de pessoas em situação de rua. “Muitas vezes o casal não quer se separar. Ao separar a mulher grávida do companheiro estamos enfraquecendo, talvez, o único vínculo que essa pessoa tenha”, esclareceu ela.

Na região onde a médica trabalha, em Manguinhos, zona norte, onde há muitos dependentes de crack, a maioria das mulheres grávidas atendidas pelo programa tinha parceiro fixo. “Não são necessariamente [gravidezes] planejadas, mas muitas acontecem com pessoas que mantém relações estáveis. Algumas gravidezes são planejadas” comentou.

Valeska explicou que ao contrário do senso comum, a população de rua dependente de crack é diversa e heterogênea e, por isso, os tratamentos devem ser individualizados. “Já tivemos grávidas que pariram e conseguiram se reorganizar no núcleo familiar, algumas conseguem se manter abstinentes durante a gravidez, outras não conseguem ficar abstinentes. Agora, dá muito trabalho ajudar essas pessoas a se reorganizarem”, ressaltou a médica.

A médica disse que é preciso fortalecer o trabalho de assistência no território e ampliar ainda mais o Programa Saúde da Família, já que há muitas mulheres usuárias de drogas que não estão nas áreas de concentração e muitas que não estão nas ruas.

A Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura do Rio foi contatada para se manifestar sobre os abrigos e as ações voltadas para crianças e adolescentes. Até o fechamento da matéria, o órgão não respondeu às perguntas feitas pela Agência Brasil.

Edição: Marcos Chagas

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