Arqueólogos lamentam falta de acesso dos brasileiros a bens arqueológicos

14/09/2013 - 15h29

Flávia Villela
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – Arqueólogos lamentam a falta de acesso, por parte dos brasileiros, a bens arqueológicos e à história que os cercam. Para o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o arqueólogo Pedro Paulo Abreu Funari, a divulgação de informações sobre artefatos ligados a pré-história e às culturas indígenas e afro-brasileiras é incipiente no Brasil, o que gera desconhecimento do que realmente seja a arqueologia e sua utilidade.

“Quando você vê um edifício, uma pirâmide, um vaso de cerâmica, você tem uma visão do passado mais fácil de ser acessada e de ser sentida do que a história narrada apenas oralmente. A materialidade da arqueologia ajuda também as pessoas a refletirem sobre as criações e os comportamentos humanos”.

Funari lembrou que a arqueologia está geralmente associada a pesquisadores aventureiros e grandes monumentos de países distantes. “Se você perguntar a qualquer um na rua, ninguém vai saber o que é um sambaqui, por exemplo”, ponderou ele, em referência às acumulações formadas por conchas, utensílios e restos de alimentos, habitadas por povos no litoral do Brasil, entre 9 e 3 mil anos atrás.

Ele ressaltou que não basta estudar o material encontrado. “Ele precisa ser socializado, sobretudo, para a comunidade onde esse material foi encontrado. A população local precisa saber que ali existiu uma fazenda, uma tribo indígena, que usavam tais tipos de ponta de flecha para caçar etc.”

A opinião do professor da Unicamp é compartilhada pela diretora do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional (Iphan), Rosana Najaar. Ela lembrou da indignação que sentiu ao ver o desenho de um índio norte-americano apache para ilustrar a cultura indígena brasileira em um livro de história do filho: “As crianças não aprendem arqueologia na escola, nem aprendem direito o papel sobre quem estava aqui antes dos portugueses chegarem, os índios. Então fica muito difícil convencer o cidadão brasileiro de que é importante preservar um caco de cerâmica”, lamentou Rosana. “Não basta divulgar, precisamos educar. E formar os educadores. Os grandes projetos de educação patrimonial são de longa duração,” declarou ela.

Rosana explicou que o Iphan vem buscando, em parceria com o Ministério da Educação, integrar cada vez mais a arqueologia à educação dos brasileiros. “Faz-se arqueologia no Brasil desde os anos 50, o problema é que esse conhecimento não sai do Iphan, não sai da comunidade de arqueologia, mas pretendemos ampliar o canal de divulgação, produzir um conteúdo adequado para os livros didáticos e fomentar esse conhecimento”, explicou.

Para a diretora do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Claudia Rodrigues Carvalho, a arqueologia permite a continuidade da memória social de uma cultura. “Tudo o que somos, o que fazemos, tem uma conexão direta com nossas experiências. Nossas lembranças pessoais definem parte do que somos”, disse ela. “Num país construído e marcado pela colonização, temos dificuldade de reconhecer parte importante de nosso passado como nossa própria herança, mas ela existe. A arqueologia tem papel fundamental na recuperação dessa identidade e dessa noção de pertencimento”.

A especialista em sambaquis, Madu Gaspar, do Museu Nacional, defende que os pesquisadores sejam estimulados a contribuir para a produção de livros didáticos. “Existe uma certa ruptura entre a comunidade acadêmica e a produção de livros escolares no Brasil. Somos avaliados pela produção acadêmica, especialmente, em meios de divulgação internacionais, quando deveríamos ser instados a produzir conhecimento para as escolas e ganhar uma pontuação especial por isso”. A arqueóloga acredita que a elaboração de todos os livros didáticos deveria ser assessorada por um conselho consultor com especialistas nos assuntos abordados. “Alguns erros encontrados nesses livros são absurdos”, lamentou ela.

Outra demanda dos arqueólogos é que seja criada uma disciplina para o estudo da arqueologia nos cursos de pedagogia, para que os futuros professores possam passar esse conhecimento nas escolas.

Para a vice-presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Marcia Bezerra, embora o número de exposições de artefatos arqueológicos seja ainda pequeno no país, nos últimos dez anos essa realidade vem mudando, desde a criação da Portaria 230/2002 do Iphan que trata dos projetos arqueológicos e recomenda um trabalho de educação patrimonial. “Vimos uma multiplicação de projetos educativos envolvendo patrimônio arqueológico no Brasil inteiro. Esses projetos geralmente se dão nas escolas locais, muitas vezes se desdobram na organização de pequenas exposições, na construção de museus regionais ou locais, elaboração de materiais didáticos distribuídos nas redes de ensino, uma série de ações educativas que nos últimos anos cercam a arqueologia brasileira”.

Marcia, que também trabalha no Iphan como coordenadora de Normas e Acautelamentos, apontou que o resgate do passado por meio da arqueologia tem gerado legitimações de identidades e reivindicações de direitos na região. “Tem sido muito interessante ver nas últimas décadas na América Latina, mas também no Brasil, comunidades que se apropriam do patrimônio arqueológico e desse passado para reivindicar direitos a cidadania e a territórios, como é o caso dos coletivos indígenas”.

Marcia comemora o fato de que alguns sítios arqueológicos empoderaram comunidades tradicionais que atualmente não apenas se apropriaram do patrimônio como também buscam produzir seus próprios discursos e narrativas sobre a história deles e do local onde habitam. “São histórias que têm tanta importância quanto as histórias que nós pesquisadores contamos, elas só operam em uma outra lógica”, explica a arqueóloga. “Então o esforço da arqueologia contemporânea é fazer com que as narrativas das comunidades de origem e da ciência possam estabelecer um diálogo”, completou.

Edição: Denise Griesinger
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