Mesmo com 2,6 médicos por mil habitantes São Paulo enfrenta desafio de má distribuição

19/08/2013 - 10h33

Camila Maciel
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - O estado paulista concentra 110,4 mil dos 338 mil médicos existentes no país, representando 28,4% dos profissionais cadastrados no Conselho Federal de Medicina (CFM). Em termos proporcionais, são 2,64 médicos para cada mil habitantes. A taxa é similar à meta traçada pelo Ministério da Saúde para o país, definida em 2,7. A má distribuição desses profissionais no território, no entanto, que já é constatada em diversas regiões do país, também se reflete na realidade estadual.

Quase 50% dos médicos que atuam em São Paulo, ou 50.740, estão na capital. Em relação aos habitantes, a proporção é 4,48 profissionais por mil. Os dados constam no estudo Demografia Médica Brasileira, do CFM, lançado em fevereiro deste ano. Dentro do próprio município, entretanto, também são observadas desigualdades na distribuição.

É o caso da Assistência Médica Ambulatorial (Ama) Tito Lopes, no bairro São Miguel Paulista, extremo leste da capital. Segundo a organização social (OS) Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (APDM), que administra a Ama do Sistema Único de Saúde (SUS), existem 11 vagas para médicos. Entre as razões apontadas para a falta de profissionais, está "a localização das unidades de saúde, em grande parte periféricas", assinala a nota da entidade.

Embora nunca tenha deixado de ser atendida na Ama Tito Lopes, a agente de pesquisa Jaqueline da Silva, 29 anos, reclama da demora por uma consulta. "Quando resolvo esperar, sou atendida, mas isso pode levar quatro, cinco horas. São poucos médicos no plantão", criticou. Na manhã do dia 6 de agosto, ela buscou atendimento às 8h15 e conseguiu ser atendida por volta das 10h30. "Até que foi rápido, mas não dá para dizer que foi bom. A médica não tocou em mim, não pediu exame, já foi logo escrevendo a receita e não me explicou como usar o remédio", relatou. Jaqueline foi à Ama com sintomas de dor no estômago.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o déficit total de médicos na rede pública chega a 2.060, com a maioria das vagas disponíveis nas regiões leste e sudeste da capital paulista. No último processo de seleção do órgão, 20% dos médicos aprovados não compareceram, informou o órgão. Além da localização dos bairros, a baixa remuneração e a impossibilidade de cumprir a jornada de trabalho por causa de outros empregos estão entre as justificativas para a recusa. O salário médio para uma carga horária de 20 horas semanais é R$ 4,2 mil. A remuneração média quando esses profissionais são contratados via OS sobe para R$ 6,2 mil.

"Em São Paulo, na comparação com o Brasil, existe uma diferença marcante. Mas ainda assim, especialmente na periferia da capital, existem áreas onde há dificuldade [de fixar médicos] por causa dos riscos", comentou Otelo Chino, diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp). Entre as dificuldades enfrentadas pelos médicos, ele cita a questão da segurança pública e os grandes deslocamentos. "São áreas de periferia, algumas a 40 quilômetros do centro. Se exigem uma jornada diária, leva-se pelo menos três horas no deslocamento", exemplificou.

Os usuários do SUS ouvidos pela Agência Brasil em São Paulo relataram mais dificuldades na utilização dos serviços de pronto atendimento e de assistência especializada. "A gente já chega aqui [Ama Tito Lopes] com dor, faltando ao trabalho. O que a gente mais quer é sair logo e com uma medicação, mas acaba esperando muito tempo e se pelo menos a dor passasse", relatou a empregada doméstica Sandra Regina de Oliveira, 49 anos. A prefeitura orienta que para sintomas como este, de menor gravidade, os usuários busquem uma das 139 Amas espalhadas pela capital.

A demora para conseguir uma consulta especializada também aparece entre as reclamações. A aposentada Neusa Aparecida Pereira, 69 anos, conta que precisou esperar cerca de três meses para ser atendida por um ortopedista. "Fiquei ruim da perna. Passei na Ama para tomar uma injeção para dor e ele me deu uma guia para passar no especialista. Demorou três meses para ser chamada, ele me pediu para fazer exames e foram mais dois meses para o retorno. No dia que eu fui, [a Ama] estava em reforma e acabei deixando por isso mesmo. Até a dor volta", relatou. Ela conta que a burocracia nas marcações a faz desistir de uma saúde preventiva.

É na Unidade Básica de Saúde (UBS), no entanto, que a expressão "saúde da família" ganha vida no SUS. Pelo menos é assim que relata a cozinheira Zelmira Buzinaro, 58 anos. Ela trata pelo nome o médico do posto mais próximo de sua casa e recebe mensalmente uma visita das agentes de saúde na sua casa. "Elas medem minha pressão, perguntam como está a saúde. Quando tinha convênio isso não acontecia. Mas sei também que isso depende muito da equipe. Já minha cunhada vive reclamando do posto perto da casa dela", apontou. Segundo a prefeitura, 440 unidades prestam esse atendimento na cidade.

Apesar de reclamar do atendimento que recebeu na Ama, Jaqueline também acredita que o acompanhamento regular que recebe em na casa pela UBS é o que mais se aproxima de um atendimento ideal na saúde pública. "Não tenho do que reclamar. Se precisar, até a médica vai. Se tiver consulta marcada, eles avisam. Pesam a criança. Agora que estou trabalhando é mais difícil receber a visita, mas sei que funciona. Eles me conhecem e eu conheço eles. Bem diferente daqui [Ama Tito Lopes]", comparou.

Edição: Marcos Chagas

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