Emendas que não interessam aos pobres estão "desfigurando" a Constituição, diz dom Tomás Balduíno

24/04/2013 - 17h18

Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Militante histórico de causas sociais, o bispo emérito de Goiás, dom Tomás Balduíno, disse hoje (24), que a Constituição Federal vem sendo “desfigurada” para atender a interesses que nada têm que ver com a parcela da população mais pobre.

“Nossa Constituição Federal já não pode mais ser chamada de Constituição Cidadã, pois é vítima das emendas que atendem a interesses que não são os da [parcela da] sociedade mais carente, aquela que mais necessita do apoio do Estado".

Segundo dom Tomás, é uma Constituição que, hoje, está a favor "do grande negócio, do capital internacional, [das] commodities”, disse o bispo emérito à Agência Brasil, ao comentar o aumento do número de assassinatos e de tentativas de assassinatos registrados no campo durante o ano passado.

Segundo o Relatório da Violência no Campo 2012, divulgado ontem (23), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a quantidade de assassinatos aumentou 24% ao longo de um ano, passando de 29 casos registrados em 2011 para 36 em 2012. Já as tentativas de assassinatos aumentaram 102%, saltando de 38 para 77 casos.

De acordo com a comissão ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o estado com o maior número de casos foi Rondônia, onde foram mortas nove pessoas, entre elas Renato Nathan Gonçalves Pereira, de 28 anos, um dos líderes do acampamento Canaã, em Ariquemes, e Fabiana Pereira de Souza, morta em dezembro de 2012, na cidade de Vilhena.

O relatório da CPT também contém dados que permitem à comissão concluir que os conflitos por terra cresceram nos últimos cinco anos. “Há um lado que explica a dor das populações mais pobres: o crescimento do agro e do hidro negócio há tempos vem forçando a invasão dos territórios das populações tradicionais, como os índios e os quilombolas. Isso, evidentemente, vem gerando conflitos”, comentou dom Tomás. Ele se reuniu hoje em Brasília (DF), com a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), da Presidência da República, Maria do Rosário.

Um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Tomás também alertou para o que classificou de “tentativa de criminalizar os movimentos sociais” e criticou alguns juízes por ignorarem as consequências sociais de suas decisões. “Virou voz corrente dizer que os movimentos sociais são um obstáculo ao desenvolvimento nacional. Como se o desenvolvimento fosse um deus ou um paraíso a ser conquistado, mesmo que passando por cima de direitos humanos já consagrados”, acrescentou o bispo.

“Essa ideologia, que visa a garantir os direitos dos grandes proprietários, se traduz em um aumento enorme das ordens de despejo, de ações judiciais [contra organizações e militantes sociais]". Segundo dom Tomás, embora haja honrosas exceções, "há juízes que só veem o lado econômico", que priorizam quem promete produzir e gerar renda para o país, "mesmo que a Constituição estabeleça, por exemplo, que a terra deve ter uma função social". Para dom Tomás, o lado social não é antieconômico, "mas está acima do mero aspecto econômico", reunindo valores humanos, culturais e religiosos.

No final do ano passado, dom Tomás foi uma das 17 pessoas a receber o Prêmio Direitos Humanos, concedido pela SDH a pessoas e entidades que tenham se destacados nessa luta em em todo o país. “Ao Estado cabe escutar e dialogar com os grupos e com as organizações sociais ao invés de fechar os ouvidos e tachá-los de baderneiros que vêm tumultuar. O Estado tem que entender que são esses grupos os verdadeiros construtores do valor pátrio”.

Edição: Tereza Barbosa

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