Jornalista Ottoni Fernandes ia ajudar Comissão da Verdade a localizar centro de tortura

10/01/2013 - 10h10

Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Quando foi preso, em 1970, o jornalista Ottoni Guimarães Fernandes Júnior tentou identificar, mesmo com os olhos vendados pelos agentes da ditadura, detalhes que pudessem, mais tarde, revelar a localização de seu cativeiro. “Ele se preocupou muito para tentar entender para onde estava indo. De que lado estava o barulho do mar, onde virava à direita, se subia morro”, contou à Agência Brasil a psicanalista Maria Rita Kehl, uma das integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV) que ouviu o depoimento de Ottoni, concedido em outubro de 2012.

Vítima de um infarto no último dia 28, o ex-militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) era diretor Internacional da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). “Ele ia nos levar lá. Ele disse: 'Vamos para o Rio de Janeiro que eu vou tentar achar [a casa de tortura]'. Ele fez uma descrição minuciosa do que foi gravando [em mente]”, ressalta Maria Rita. Ela acha que será mais difícil achar a casa de tortura, que ficava em São Conrado, sem a ajuda do jornalista. O local, segundo a psicanalista, foi mencionado por outras pessoas em depoimentos na comissão.

As declarações de Ottoni ajudam, particularmente, a desmentir a versão do regime militar sobre a morte de Eduardo Leite, o Bacuri. “Na casa, quando ele foi jogado em um quarto, que era um porão, ele viu o Bacuri”, destaca Maria Rita sobre o relato do jornalista. “O Bacuri fez um sinal para ele não falar nada, porque devia ter gravador. Eles não trocaram uma palavra. Mas ele viu o Bacuri vivo. Ferido, mas vivo”. À época, a ditadura divulgou uma versão falsa de que Eduardo Leite foi morto em uma tentativa de fuga. A história agora foi desmentida por três pessoas, contando com o depoimento de Ottoni.

Maria Rita explica que o maior valor dos testemunhos das vítimas da repressão não são apenas as revelações em si, mas sobretudo o relato das experiências. “O que nos fez pegar os testemunhos, não foi no sentido de que aquilo pudesse conduzir uma investigação. Ele [depoimento] tem uma certa função de incluir no nosso campo de pensamento alguma coisa que é da ordem do trauma, que ninguém diz, de uma experiência limite.”

No caso de Ottoni, é especialmente interessante a maneira como ele despistou os torturadores com um plano elaborado antes de sua prisão. “Ele entregou um papel que tinha guardado dentro de um forro de mala. Uma coisa complicadíssima que ele tinha produzido antes, pensando nisso”. Depois que os militares acharam o documento falso, o jornalista se livrou da tortura sem ter entregado nenhum companheiro.

Edição: Talita Cavalcante