Luciano Nascimento
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Há exatos 40 anos, no dia 24 de setembro de 1972, o Brasil tomava conhecimento de um dos eventos mais expressivos de nossa história recente. Nesse dia, foi publicada a primeira matéria sobre a Guerrilha do Araguaia. O texto do jornal O Estado de S. Paulo saiu cinco meses após o Exército Brasileiro ter deflagrado, na margem esquerda do Rio Araguaia, na divisa dos estados do Maranhão, Pará e de Goiás (hoje do Tocantins), a operação que resultaria na morte de quase uma centena de pessoas.
Considerada um "grande drible” na censura que vigorava na época, a reportagem relatava as atividades das Forças Armadas na região, especialmente em Xambioá, transformada “em uma grande praça de guerra” onde “caminhões, jipes, oficiais e soldados” circulavam “fortemente armados”.
A operação de combate à Guerrilha do Araguaia terminou oficialmente no dia 5 de janeiro de 1975, quando o então presidente Ernesto Geisel enviou mensagem ao Congresso para informar o fim do movimento armado.
Não há consenso ainda sobre o saldo de mortos. Em 2010, em uma decisão inédita, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Estado brasileiro por sua responsabilidade pelo desaparecimento de 62 pessoas, entre 1972 e 1974, durante a Guerrilha do Araguaia. O entendimento da corte é que o Brasil é responsável por não ter investigado crimes cometidos pela ditadura militar (1964-1985) no combate à Guerrilha do Araguaia.
A guerrilha teve início quando militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que defendiam a luta armada migraram para a região, conhecida como Bico do Papagaio, com o objetivo fomentar uma “revolução socialista”, com base nas experiências da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa.
Em 21 de abril de 1972, o Exército destacou um grupo de militares para realizar o reconhecimento da atividade guerrilheira na região entre Marabá (PA) e Xambioá, na época pertencente ao estado de Goiás. Duas semanas antes da primeira ação, a ditadura havia prendido, em Fortaleza, os estudantes Pedro Albuquerque e Tereza Cristina, que tinham se desligado da guerrilha.
Nos dias seguintes foram presos os guerrilheiros Danilo Carneiro, Rioco Kaiano e José Genoino. No dia 8 de maio, Bergson Gurjão Farias seria o primeiro guerrilheiro a ser morto na área. Era o início da chamada Operação Papagaio, que envolveu mais 1,5 mil homens das Forças Armadas. O responsável pela operação era o major Lício Maciel, cuja missão era eliminar a guerrilha.
Na decisão tomada pela CIDH em 2010, a corte considerou “inadmissíveis as disposições de anistias, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como tortura, as execuções sumárias, extrajudiciárias ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados”. No entendimento da corte, trata-se de crimes imprescritíveis.
A sentença afirma que a Lei de Anistia, de 1979, é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José, do qual o Brasil é signatário. Para a CIDH, a Lei de Anistia não pode ser “um obstáculo” que impeça a investigação do caso, a identificação e a punição dos responsáveis por violações dos direitos humanos.
Recentemente, a juíza federal Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, do Tribunal Regional da 1.ª Região, Subseção de Marabá, aceitou denúncia contra militares que participaram da operação.
A juíza acatou a ação do Ministério Público Federal (MPF) contra o major da reserva Lício Augusto Maciel e o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, mais conhecido como Major Curió. Ambos são acusados de sequestro de militantes políticos durante o período do regime militar.
A busca por corpos no Araguaia ainda não cessou. O governo e representantes da sociedade civil organizada ainda tentam fechar essa página da história do Brasil realizando expedições com o objetivo localizar todas as vítimas do Araguaia. Esse trabalho tem sido realizado pelo Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) que reúne profissionais dos ministérios da Defesa, Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), Advocacia-Geral da União (AGU), Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do Departamento de Polícia Federal, da Polícia Técnico-Científica dos estados de Goiás e do Distrito Federal e de universidades federais e estaduais.
A terceira expedição para buscar as ossadas dos mortos e desaparecidos na guerrilha terminou na última quarta-feira (19), sem que nenhuma ossada fosse localizada. A próxima expedição do grupo de trabalho à região ocorrerá entre os dias 14 e 26 de outubro. A previsão é que seja a última missão do ano, tendo em vista a aproximação do período de chuvas na região, o que impossibilita as escavações.
Edição: Luciana Lima