Coluna da Ouvidoria - Privatização ou concessão: o mais importante para o leitor é a informação

20/02/2012 - 11h39

Brasília - A Agência Brasil publicou, no período de 6 a 9 de fevereiro, 12 matérias com diferentes abordagens sobre o leilão de concessão ocorrido no último dia 6, de três dos maiores aeroportos do país – Guarulhos (SP), Campinas (SP) e Brasília (DF) – à administração de grupos privados. Antes do leilão, a agência já havia publicado 19 matérias, entre 23 de novembro e 3 de janeiro passado, a propósito da concessão, realizada no dia 28 de novembro, do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Desse conjunto, uma matéria com o título Quem usa aeroporto de Brasília espera melhoria dos serviços com a privatização, publicada no dia 6 de fevereiro, foi contestada pelos leitores sobre a inadequação do termo privatização, usado no título da notícia.

Um dos leitores se expressou assim: “Não entendo por que está sendo tratada aqui como PRIVATIZAÇÃO a concessão dos aeroportos, quando se sabe que nada foi VENDIDO do patrimônio público, diferentemente do que aconteceu no passado com a Vale do Rio Doce, as teles e empresas do setor elétrico. Portanto, a informação de que foram privatizados os aeroportos está ERRADA e não justifica que seja divulgada na EBN [Empresa Brasileira de Notícias]”. O outro leitor expôs: “Usuários de Brasília esperam melhores serviços com privatização”. Esse título não está errado? O que houve, pelo que entendo, foi CONCESSÃO. Privatização foi o que FHC fez com a Vale. Nesta manifestação, o título a que o leitor se refere foi publicado pelo jornal Diário de Pernambuco ao reproduzir notícia publicada na Agência Brasil.

A Ouvidoria encaminhou as comunicações à agência que respondeu ter feito a correção no texto e agradeceu o alerta dos leitores. Entretanto, ao acessar a notícia já corrigida, como se faz habitualmente na ouvidoria, observou-se que a correção foi feita apenas no título, pois a palavra privatização continua em vários parágrafos no corpo da matéria. Mais que isso: observou-se que o texto mistura as duas palavras, ora fala em privatização ora trata como concessão.

Embora a cobertura da imprensa tenha caracterizado o fato como privatização, como indicam, por exemplo, os títulos de notícias publicados pelo jornal Folha de S.Paulo: Receita inexplorada bancará aeroportos privatizados; Receita de privatização de aeroportos já é disputada; e a enquete: você concorda com a privatização?, interessa-nos aqui fazer primeiro uma distinção entre os dois termos para entender como eles ganharam uma carga político-ideológica nos dias atuais. Ao mesmo tempo, apontar a necessidade de contextualizar a informação como garantia de credibilidade.

O leilão gerou de fato grande polêmica, principalmente na imprensa. Deflagrou também uma onda de críticas por parte de políticos do PSDB e do PT. O ex-presidente Fernado Henrique Cardoso em vídeo publicado pelo site Observador Político, manifestou-se sobre as privatizações. De acordo com ele, fantasmas que existiam em seu período de governo estão desaparecendo “porque o Brasil está mais maduro. A concessão dos aeroportos foi muito importante, porque desmistificou essa questão como se fosse o demônio que privatiza. Não é não. É uma coisa responsável, que tem a ver com o interesse do país, do consumidor e, claro, tem que remunerar aqueles que investem”. Já o presidente do PT, Rui Falcão, em entrevista concedida ao portal de notícias G1, no dia 9 de fevereiro, afirmou que as concessões dos aeroportos feitas pelo governo federal são diferentes do sistema de privatização implementado na era FHC. Segundo ele, os aeroportos não foram vendidos, “apenas houve a concessão temporária de administração”.

Qual a diferença entre privatização e concessão?

De acordo com a Wikipédia, privatização é o processo de venda de uma empresa ou instituição do setor público – que integra o patrimônio do Estado – para o setor privado, geralmente por meio de leilões públicos. No Brasil, o processo de desestatização consistiu principalmente em tornar o Estado sócio minoritário, pois grande parte das empresas era de capital aberto e negociada em bolsas de valores e o Estado brasileiro, por meio do BNDES, continuou como sócio minoritário.

Se olhássemos para o passado, perceberíamos que as privatizações são um fenômeno novo, ou melhor, contemporâneo. As privatizações são, em verdade, releituras contemporâneas das doutrinas econômicas de Adam Smith. Enquanto alguns economistas consideram que a privatização representa um conceito hegemônico, outros a avaliam como um fenômeno fundamentalmente político – e não econômico-administrativo ou fiscal. A polêmica, portanto, é histórica, especialmente porque alguns setores da sociedade acreditam que essas privatizações podem se transformar em uma simples “apropriação” das riquezas do Estado por alguns grupos privados.

Na América Latina, o processo de privatização foi iniciado no Chile e, a partir da década de 1990, estendeu-se por todos os países, como uma estratégia sugerida pelo chamado Consenso de Washington, porque aceleraria o crescimento econômico nos países que o adotassem. Uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial em 17 países da América Latina em 2002 revelou que dois terços dos entrevistados consideram que “a privatização de empresas públicas não foi benéfica”1. O resultado da privatização de empresas em vários países varia entre grande sucesso e verdadeiro caos.

No Brasil, o processo de privatização já era visto desde 1990 como uma estratégia que revitalizaria as estruturas letárgicas e ineficientes. De 1991 a maio de 2000, foram privatizadas 65 empresas nos setores elétrico, petroquímico, de mineração, portuário, financeiro, de informática e de malhas ferroviárias. Hoje, ela é vista de forma cética e hostil, revelando uma crescente insatisfação com o modelo de privatização. Por isso, o termo nos dias atuais é visto como sinônimo de lesão ao patrimônio público e foi usado eleitoralmente nas últimas eleições presidenciais.

Segundo também a Wikipédia, concessão é uma das principais prerrogativas do Estado moderno, juntamente com o monópolio legítimo do uso da força dentro de seu território e a defesa de seu território e população perante agressões externas. As concessões costumam ser temporárias e parciais, geralmente condicionadas a determinado conjunto de regras ou leis pré-estabelecidas por aquele que concede, no caso o Estado, e são sempre revogáveis.

Discussões à parte sobre se o ato de leilão para concessões feito no dia 6 de fevereiro foi ou não privatização, o certo é que o Brasil precisa, e muito, de infraestrutura. O grande desafio está na fiscalização desse tipo de contrato, que é inédito no país, e o governo depende de uma agência reguladora (Agência Nacional de Aviação Civil-Anac), que ainda não está estruturada para esse tipo de serviço. O que significa que se as empresas que ganharam não cumprirem rigorosamente as exigências do edital, o governo poderá alterar cláusulas ou mesmo não renovar a concessão.

Quanto à notícia da Agência Brasil, destaca-se mais uma vez a importância de contextualização do fato que, inevitavelmente, levaria a uma distinção entre privatização e concessão, para esclarecer o leitor sobre a questão. Da mesma forma que ajudaria a não fazer a confusão no texto, que ora se referia à ação como privatização, ora a tratava como concessão. Por fim, se a Agência Brasil considerou pertinentes as observações dos leitores, fazendo, inclusive, a correção no título, por que então não corrigiu os termos que aparecem várias vezes no corpo da matéria? Caso contrário, só nos resta concluir: se o veículo de comunicação é o responsável por informar à sociedade e se ele não consegue fazer a distinção, como fica a população que não está familiarizada com a discussão? Além de expor opiniões diferentes sobre o fato, é necessário contextualizar e informar a população para que ela possa fazer seu juízo de valor.

Até a próxima semana.

1 - Capítulo 6 do relatório Economic Growth in the 1990s: Learning from a Decade of Reform, 2005, Banco Mundial.