Especialistas e cantores divergem sobre futuro da viola e da música caipira

11/06/2011 - 15h49

Marli Moreira
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Ferrenho nacionalista e defensor da preservação da música de raiz, o jornalista Assis Ângelo não é otimista quando o assunto é o espaço reservado hoje à música caipira.

“Essa parafernália eletrônica, essas novidades loucas, de coisas imediatas que estão chegando a todo canto e a toda hora à velocidade do raio estão servindo para acabar com o que há de bom no tocante à moda de viola, às músicas do campo. Tudo isso está indo embora, o que está prevalecendo e o que vai prevalecer é a transformação para pior das composições musicais e da arte em geral.”

Na avaliação dele, o caminho é o da educação, com a inclusão da disciplina da “boa música” nas escolas municipais, estaduais e federais. “As leis de incentivo podem ajudar nesse processo, mas nós precisamos ter professores capacitados com conhecimento do folclore brasileiro para que se descubra o Brasil desconhecido de muitos."

Embora também lamente a “perda da pureza” das antigas modas de viola, o surgimento de novos talentos é comemorado pelo cantor Léu (Walter Paulino da Costa) da dupla Liu (Lincoln  Paulino da Costa) e Léu. Com 53 anos de carreira, a dupla vem de uma família da música caipira.

Hoje a gente vê muitos jovens aderindo e tocando viola e tocando bem, inclusive, meninas, moças, tocando viola. Há também muitas duplas cantando música de raiz. Acho que apesar de a gente não ter nenhuma ajuda da mídia e de alguns apresentadores falarem tirando um ‘sarrinho’, querendo fazer gozação, a música de raiz sobrevive”, disse.

Para Léu, um dos traços da música caipira é que ela “tem uma história com começo, meio e fim”, enquanto as outras produzidas de estilo mais recente  são marcadas apenas por “um refrãozinho, não tem história, não tem vida” e consistem em “cantar a mesma coisa 500 vezes pra ficar fácil para a juventude repetir”.

Na avaliação da dupla Célia & Celma, a valorização da música de raiz ainda é forte. “Quando fomos apresentadoras do programa Célia & Celma, pelo Canal Rural por quase dez anos, nós pudemos ver os jovens que começavam a fazer a verdadeira música de raiz surgindo e aparecendo e ficamos impressionadas com a quantidade de gente e isso continua, principalmente, por causa da viola, instrumento símbolo da música de raiz”, relata Celma .

Versáteis, essas cantoras lutam pela preservação do folclore brasileiro e têm orgulho de terem tido um de seus trabalhos reconhecido fora do Brasil. Em abril de 2007, elas foram a Pequim receber o prêmio Gourmand World Cookbook Awards, oferecido pelo governo chinês com o livro Do Jeitinho de Minas. Na obra, uma coletânea da culinária mineira e sabedorias da cultura popular. Algumas das receitas foram depois musicadas em um CD.

Para Jean Carlo Faustino, doutorando em sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), autor da tese em desenvolvimento O Êxodo Cantado, é grande hoje o interesse pela música caipira, tanto por parte de acadêmicos especializados quanto de novos compositores.

Ele observa que os circos, as emissoras de rádio e os discos permitiram que um público cada vez maior pudesse conhecer os clássicos da música de raiz com os  dilemas e sentimentos do homem do campo com relação às migrações para as cidades.

“Desprovidos do seu maior bem [a terra] e do antigo meio [o rural] no qual eles se formaram e no qual realizavam sua humanidade, os camponeses de repente se viram obrigados a se adaptar a um mundo diferente e, não raro, hostil [o urbano] no qual chegavam normalmente em condições precárias.”

Em sua análise, defende que por força de exigências do mercado, “muita coisa de mau gosto foi produzida, gerando também uma vertente brega ou expressões da conhecida dor de cotovelo, normalmente, associada ao que veio a ser chamada de música sertaneja. Surpreendentemente, essa nova vertente fez muito sucesso, às vezes a ponto de ofuscar a música caipira de raiz de conteúdo e sensibilidade admiráveis”.

Apesar disso, Faustino considera que há um público fiel tanto para a música de raiz quanto para a música erudita, citando o fato de a dupla Tião Carreiro e Pardinho ter vendido discos mesmo após a morte deles. “E isso ocorria até poucos anos atrás, antes do advento da distribuição de músicas pela internet”.

Edição: Lílian Beraldo