Choque de oferta e demanda aquecida estimulam alta dos preços

01/04/2011 - 19h35

Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Dirigindo 150 quilômetros por dia entre a casa, o trabalho e a escola do filho, a servidora pública Sheyla Gonçalves, 38 anos, sentiu o peso do aumento dos combustíveis nos últimos meses. De R$ 400, a despesa saltou para R$ 600. Para reduzir o estrago no orçamento doméstico, ela pensa em cortar outras despesas. “Terei de restringir várias coisas, como lazer e vestuário”, constata Sheyla, que vive em Brasília.

Os combustíveis são um dos principais vilões da inflação, que fechou fevereiro em 6,36%, no acumulado de 12 meses pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), quase 2 pontos acima do centro da meta de 4,5% para 2011. Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, um cenário de choque de oferta, combinado com uma demanda aquecida, e falhas na estrutura de mercado têm estimulado a alta nos preços, não apenas dos combustíveis.

O que se inicia como um encarecimento temporário, provocado por fatores externos, corre o risco de se espalhar pela economia por meio de reajustes generalizados. “Atualmente, não sei o que não está contribuindo para a inflação”, diz o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero. “Um choque de oferta em meio a uma demanda aquecida torna a inflação mais persistente.”

Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Reinaldo Gonçalves, boa parte da inflação atual tem origens no exterior. Do segundo semestre de 2009 para cá, o aumento na demanda por alimentos em todo o mundo impulsionou o preço dos bens primários no mercado internacional. Esse processo impulsiona os produtores rurais a exportarem. Ao sobrarem menos bens no mercado interno, os preços sobem para os brasileiros.

Um dos produtos mais afetados por esse processo é a cana-de-açúcar. Por causa da alta do açúcar no exterior, os usineiros preferem vender o produto no exterior a produzir etanol. A entressafra impactou ainda mais nos preços, nas bombas de combustível. De acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), somente em Mato Grosso é vantajoso abastecer com álcool. Quem abastece com gasolina também sente os efeitos porque o combustível é misturado ao etanol.

Na avaliação de Gonçalves, existe outra falha de mercado que agrava a alta dos preços dos combustíveis: a cartelização dos postos de combustível em diversas cidades do país. “O Brasil tem uma institucionalidade frágil, o que estimula abusos econômicos”, ressalta.

Para ele, uma medida eficiente seria a taxação das exportações de açúcar para coibir o aumento do preço do etanol. “Essa seria a medida ideal, mas a elite agrícola que compõe parte da base do governo no Congresso [Nacional] não deixaria”.

Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, fatores internos também contribuíram para o encarecimento dos combustíveis. O aquecimento da economia e os estímulos para a compra de veículos concedidos durante a crise de 2009 pioraram a situação. “Existe um problema de estrutura de mercado porque o consumo de etanol aumentou 60,9% e a produção subiu 30,8%, de 2007 para cá”, ressalta.

De acordo com Pires, o aumento nos combustíveis só não foi maior porque o governo resolveu segurar a alta no preço do petróleo no mercado provocada pelas turbulências no Oriente Médio e no Norte da África. Segundo ele, no entanto, a ação tem um efeito colateral. “A tentativa de segurar a inflação traz prejuízo para a Petrobras, o que prejudica os investimentos no pré-sal”, avalia.

As principais vítimas dos choques de oferta são consumidores como o aposentado Otto Scherann, que, nos últimos meses, tem enfrentado a perda de poder aquisitivo sem conseguir entender o reajuste dos combustíveis. “O Brasil é autossuficiente em petróleo e o combustível é mais caro aqui do que fora. Tem alguma coisa errada”, queixa-se.

Edição: Lana Cristina